Defesa, ataque e barganha: a influência do poder nuclear da Coreia do Norte
Aumento descontrolado de testes balísticos vem intensificando ameaça regional e mundial
Camila Stucaluc
Além da guerra na Ucrânia e da tensão entre os Estados Unidos e a China, o mundo encontra-se em outro cenário apreensivo: a ameaça nuclear da Coreia do Norte. Apesar do aumento dos testes balísticos virem desde 2022, quando o país registrou um número de exercícios militares sem precedentes, o discurso de Pyongyang sobre o uso de ogivas nucleares está se intensificando neste ano, com a realização de testes simulados. Todas as decisões, no caso, acontecem em meio a alertas da comunidade internacional.
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Para James Onnig, professor de geopolítica do Laboratório de Pesquisa em Relações Internacionais da Faculdades de Campinas (FACAMP), o interesse norte-coreado pelo programa nuclear acontece por três motivos: defesa, ataque e barganha. Isso porque, além de demonstrar proteção ao país, o governo mantém as questões geoestratégicas no mar que divide com a Coreia do Sul e o Japão, assim como utiliza o programa como moeda de troca, ou seja, aceitando congelar testes balísticos em troca de importações ou abertura de portos.
"Esse tipo de investimento também é um reflexo do poder que o setor militar tem na hierarquia do partido comunista norte-coreano: um país extremamente fechado, onde os militares têm o controle da nação. É por isso, portanto, que eles direcionam os investimentos para essa área. Nas imagens do governo, por exemplo, é comum ver o presidente [Kim Jong-un] cercado de militares de alta patente. Isso chama a atenção e mostra que eles [militares] têm esse controle no país", explica Onnig.
O aumento do poder militar norte-coreano é claro. Nos últimos dois anos, o país testou centenas de mísseis com alcance elevado, incluindo o Hwasong-14, que pode, em caso bem sucedido, atingir os Estados Unidos, por exemplo. Os exercícios foram evoluindo, até chegarem em um contra-ataque nuclear simulado, que foi acompanhado por Kim. No teste, realizado na última semana, as forças militares lançaram um míssil, que, após voar cerca de 800 quilômetros, foi derrubado por uma ogiva nuclear simulada.
Apenas quatro dias depois, Pyongyang surpreendeu ao realizar um exercício com um sistema de drone para ataques subaquáticos. A arma, que começou a ser desenvolvida em 2012, tem capacidade para carregar uma ogiva nuclear e, consequentemente, criar um tsunami radioativo em "grande escala". A agência estatal KCNA apontou que o equipamento foi projetado para destruir portos e grupos de atacantes navais. Nos últimos dois anos, mais de 50 testes do sistema já foram realizados.
"As armas nucleares fornecem uma força destrutiva esmagadora que aumenta o poder relativo de um estado em comparação com seus vizinhos, fornecendo uma ferramenta poderosa em um ambiente internacional sem autoridade central. No caso da Coreia do Norte, elementos históricos, guerras e a conjuntura geopolítica atual fornecem incentivos para o país desenvolver armas de elevado poder destrutivo, além da precisão de equilibrar poder com os Estados Unidos", analisa Pedro Feliú, professor de Ciência Política e associado do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Ele explica que o avanço das demonstrações de poder nuclear também é uma configuração da política doméstica, já que o regime autocrático da Coreia do Norte se apoia nas forças armadas para sobreviver. O professor lembra que o Brasil também chegou a flertar com o desenvolvimento da tecnologia nuclear no período da ditadura militar.
"A demonstração de uma reação à altura, com armas nucleares, à ameaça estrangeira tão propagada na população, é uma fonte de legitimação de um governo autocrático", diz Felipe Feliú.
As justificativas não compram a comunidade internacional, que repudia a ação de Pyongyang. Em outubro do ano passado, por exemplo, representantes dos Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão formaram uma aliança contra o uso de armas nucleares, alegando que o discurso norte-coreano sobre o programa nuclear é visto como provocação. Na data, as nações alertam que, caso Pyongyang realizasse um novo teste nuclear - sem ser uma simulação -, o país enfrentaria respostas sem precedentes.
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Apesar do alerta, os especialistas não acreditam que as nações possam entrar em conflito. Isso porque, além do grande acervo armamentístico, a Coreia do Norte conta com outra peça importante: a aliança militar e econômica da China. "Isso não significa que Pequim vai defender a Coreia do Norte, mas o governo vai, sim, se posicionar prontamente contra qualquer tipo de ação mais incisiva que venha dos norte-americanos, aumentando a tensão EUA-China. A situação, então, se torna preocupante em nível regional e mundial", analisa Onnig.