Política de defesa da democracia na Venezuela é bipartidária nos EUA, diz Leopoldo López
Um dos principais nomes da oposição na Venezuela, López afirma que seu país não deve ser tratado como tema ideológico: "Pedimos que estejam do lado das pessoas"
Patrícia Vasconcellos
Washington DC - A entrevista do SBT News com um dos principais nomes da oposição venezuela aconteceu pouco antes do governo dos Estados Unidos anunciar a troca de prisioneiros entre os dois países.
Na conversa de meia hora com Leopoldo López o tema Estados Unidos esteve presente. O fundador do partido Voluntad Popular afirma que tanto democratas quanto republicanos têm visões similares sobre o que passa na Venezuela e defendem a volta à democracia em seu país. Citou o senador Marco Rubio (D), da Flórida, que recentemente, em conversa com o Comitê de Relações Internacionais do Senado, criticou a administração Biden por se engajar com conversas com o entorno de Nicolás Maduro. Também falou de Bob Menendez, senador Republicano e presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, que recentemente discutiu a política americana em relação ao país latino de forma crítica.
Leopoldo López também comentou o relatório do Conselho de Direitos Humanos ONU elaborado por uma comissão internacional independente que aponta Nicolás Maduro e pessoas ligadas à sua adminstração como responsáveis por crimes contra a humanidade. A comissão entrevistou presos e familiares de pessoas detidas que relataram torturas. Leopoldo López esteve preso em regime fechado por quatro anos e outros três em prisão domiciliar. Foi acusado de ser o responsável pelos protestos que levaram milhares de pessoas às ruas há oito anos. Ao fim da entrevista, mostrou o que lhe causou a retirada de um dente sem anestesia na prisão em Ramo Verde. A visão nos dois olhos também está comprometida porque relata que passou anos em uma solitária sem acesso frequente à luz do dia. "Se colocar como vítima é dar força ao opressor", disse quando a reportagem estava de saída.
Sobre América Latina,afirmou que espera que os países não usem a Venezuela como um tema ideológico. "O que pedimos é que estejam do lado das pessoas. Não que tomem parte de política interna. Isso nos corresponde aos venezuelanos". Em uma autocrítica, afirma: 'Nós no começo deste ciclo perdemos muito tempo, muito esforço porque o debate na Venzuela estava entre a esquerda e a direita. Eu acredito que o foco se perdeu do que realmente estava acontecendo. É realmente autocracia e democracia."
Afirmou que Gustavo Petro se tornou o principal promotor da estabilidade de Maduro e comentou a reabertura recente da fronteira com a Colômbia. "A fronteira nunca esteve realmente fechada", diz.
Confira a entrevista:
- A última vez que eu o vi, antes de este reencontro aqui em Washington foi em 2014. Eu fazia a cobertura dos protestos em Caracas e o vi ser levado preso em meio à multidão. Se hoje você olha para trás, naquele momento, faria algo diferente em relação a como você fez tudo em 2014, em relação ao movimento "a saída"?
Leopoldo - Na verdade, primeiramente muito obrigado pela oportunidade. A verdade é que não. Eu tinha muito claro que naquele momento estávamos em uma conjuntura que ainda não se percebia a Venezuela como uma ditadura. Era ainda momentos de confusão quando se falava da Venezuela como uma democracia em decadência, uma democracia com problemas, da Europa se dizia uma democracia caribenha. Mas não se falava do que realmente estava acontecendo, que na Venezuela havia uma ditadura. E estávamos conscientes que havia que mostrar a cara feia da ditadura e eu estive muito consciente que me apresentando a uma justiça injusta, eu ia contribuir para esta compreensão do que estávamos vivendo na Venezuela. Já não era claramente uma democracia e que era uma ditadura.
E assim foi. Se você vê as pesquisas de opinião na Venezuela, a partir do ano 2014, se começa a assumir que a Venezuela é uma ditadura e do exterior se começa a compreender que o problema não é simplesmente um governo ruim como muitas pessoas buscam apresentar mas uma ditadura que é um tema muito mais complexo.
Foi muito difícil para mim, para minha família sobretudo, para minha esposa, para meus filhos que estavam muito pequenos e para o nosso entorno porque o nosso partido Vontade Popular se tornou o principal alvo da ditadura. Mais de 500 presos, mais de 100 presos políticos, tivemos companheiros que foram assassinados, torturados, antes que eu viesse ao exílio.
- As Nações Unidas há pouco tempo emitiram um comunicado sobre as torturas e a privação dos direitos humanos na Venezuela. Você esteve preso, em regime fechado, depois em prisão domiciliar também. Enquanto você estava preso, sofreu o que as Nações Unidas afirmam que ainda acontece na Venezuela?
Leopoldo - Para contextualizar. Este é um relatório da Comissão de Direitos Humanos que é o terceiro relatório que apresentam. Neste, eles focam no que são as torturas por parte do Sebin e do Dgcim que são os órgãos de inteligência e atropelo político por parte da ditadura. Um relatório espantoso, onde relatam torturas, abuso sexual, desaparecimentos forçados, ataques e ameaças à familiares. É tremendo. E ainda apontam uma linha de comando. É o relevante deste relatório porque não somente apontam os delitos como apontam quem ordenou os delitos. E a frente de tudo isso está Nicolás Maduro. Depois está Delcy Rodrigues, depois Diosdado Cabello, depois Tareck El Aissami. É um relatório que, diferentemente dos outros, não apenas relata o problema como aponta a responsabilidade. E sem dúvida alguma é um relatório que se torna pequeno também porque é um informe que descreve duzentas ou mais entrevistas mas são milhões de casos. Milhões e milhões de casos.
Você enquanto estava preso, sofreu violência?
Leopoldo - Eu fui torturado e assim ressaltam os relatórios da ONU. A tortura que eu fui alvo foi o confinamento solitário.
Eu estive praticamente 4 anos na prisão militar de Ramo Verde. A maior parte deste tempo absolutamente sozinho, em confinamento solitário. Logo fui privado da luz, passei boa parte deste período totalmente às escuras.
Ou seja, não saía em momento algum do dia?
Leopoldo - Uma semana saía um ou dois dias, me levavam uma hora meia hora ao pátio. Outra semana podia sair três vezes mas podia passar três semanas sem sair. Foi muito tempo. Quatro anos é muito tempo. Tivemos atropelos de vários tipos. Em uma oportunidade, e isso está tudo relatado nos relatórios que a ONU apresentou, lançaram excremento humano na cela e não limparam por dias. A minha família, minha mãe, minha esposa, foram desnudadas, humilhadas na frente da minha filha que naquele momento tinha 5 anos. E tudo isso qualifica como tortura. Eu, de alguma maneira, tinha notoriedade e não fui vítima de muitos atos realmente desumanos como eletricidade nos genitais, violações, fraturas, remoção das unhas das mãos, dos pés, a que sim foram alvo outras pessoas e alguns dos meus companheiros. Mas tudo isso é parte de uma mesma estrutura de tortura, uma estrutura opaca, e é preciso entender que não estamos falando do passado. Esse relatório não é uma fotografia de 8 anos atrás. É uma fotografia do que hoje está acontecendo na Venezuela.
Como você descreve a organização da oposição na Venezuela hoje? Quem seria o nome mais forte lá na Venezuela? Daqui, quando pensamos em oposição pensamos em você, Guaidó, que é o presidente interino reconhecido por países como Estados Unidos, e Capriles que segue aí. Há alguns dias disse nas suas redes sociais que tem intenção de ser o capitão do país. Me parece que ainda acredita no caminho democrático de eleições na Venezuela, assim me parece, da parte dele. Quem seria o nome mais forte da oposição hoje?
Leopoldo - Hoje em dia a pessoa com maior reconhecimento apesar de tudo de difícil que foram os últimos anos segue sendo Juan Guaidó. Com uma realidade que não podemos ocultar que há uma desesperança, às vezes até crônica, que é o que temos que lutar porque não se conseguiu sair da ditadura. Mas quando comparo o que é a condição dos setores democráticos da Venezuela com outras ditaduras, com Cuba, Nicarágua e outras fora do continente posso te dizer que os setores democráticos na Venezuela, sempre, no final, conseguimos nos articular. Agora há um acordo de um processo de primárias em que vão participar 5, 10, 15 candidatos e serão as pessoas que vão decidir. Serão as pessoas com sua participação. Nós estamos dando ênfase que são os venezuelanos, não só os que vivem na Venezuela, mas também os sete milhões de venezuelanos que vivem em todas as partes do mundo que possam votar e ratificar, legitimar a liderança.
Você acredita ainda no processo democrático por lá?
Leopoldo - Eu acho que hoje não há uma situação em que nenhuma instituição, nem a eleitoral, nem a judicial, nem a militar. Nenhuma instituição hoje na Venezuela é autônoma e respeita o estado de direito. Há uma total e absoluta arbitrariedade. E isso obviamente implica as eleições. Tendo dito isso, eu acredito assim como compartilham muitos outros na Venezuela, que o que nos cabe é nos articular, nos organizar para ter a força e o músculo da gente. Porque não podemos perder algo des vista...
Quando você fala o músculo das pessoas o que seria?
Leopoldo - Organizar. Eu acredito que a única maneira de produzir uma mudança na Venezuela é se há uma articulação, se há uma mobilização, se existem as pessoas que possam sair às ruas. E as pessoas saem à rua de duas formas. Sai à rua para protestar ou sai à rua para votar. Mas nos dois cenários estamos falando de pessoas, muitas pessoas. Então é preciso estar muito atento de como conseguimos articular, organizar, motivar novamente os venezuelanos para que sigamos empurrando até a mudança política e sair da ditadura de Maduro.
Qual o caminho então para a democracia na Venezuela? Você acredita que há democracia? E seria por eleições ou por movimentos de rua como passou em 2014?
Leopoldo - Primeiro é que definitivamente não há democracia na Venezuela. Temos muito claro isso. É um erro falar de Maduro como presidente legítimo, é um erro um espelhismo de que na Venezuela há uma normalização... nem econômica nem democrática. Em nenhum ponto de vista. O que aconteceu nos últimos anos é que a ditadura se consolidou e também se consolidou uma estrutura criminal no poder. Podemos falar do que significa isso. Então alguém me pergunta: qual o caminho? Bom, eu diria, se me perguntam, uma palavra. Eu te diria "pressão". Há que pressionar. E isso o que significa? Como se traduz isso? Isso se traduz em dois vetores de pressão. Um vetor de pressão interna que são as pessoas. Pessoas, muitas pessoas. Ou nas ruas protestando ou nas ruas fazendo algum tipo de manifestação a favor da mudança ou votando e pressão internacional. E acredito que ambas precisam ir simultaneamente. Acho que é um grande erro que se pretenda buscar a mudança política diminuindo a pressão em Maduro, dando legitimidade a Maduro, dando recursos a Maduro, e dando reconhecimento a Maduro.
Foi em 2019 quando você saiu da prisão domiciliar e você foi para a embaixada da Espanha em Caracas. E aí você esteve na frente da embaixada por mais de uma vez com Guaidó. E daí houve um momento de chamar novamente as pessoas às ruas e também um posicionamento do governo dos Estados Unidos. O que faltou neste momento, e em outros momentos, que estes movimentos não conseguiram fazer o que estavam destinados a fazer?
Leopoldo - Tem sido uma luta muito longa. Te posso falar não somente do que passou não só há alguns anos. Eu levo muitos anos nisso. Nós venezuelanos fizemos de tudo. Saímos às ruas para protestar, nem uma vez, nem dez, nem cem mas centenas de vezes. E não foi uma ou cem pessoas mas centenas de milhares de pessoas. Também votamos. Nas eleições perdemos mas ganhamos também. Também transitamos pelo caminho da negociação. Também transitamos pelo caminho da pressão. Eu acredito que o que não podemos é nos render a utilizar nenhuma destas ferramentas. Eu acredito que todas de alguma maneira têm uma maneira de seguir pressionando a que consigamos a mudança política.
Você segue em contato com Guaidó e com o governo dos Estados Unidos?
Leopoldo - Sim, claro. Sigo em contato permanente com Guaidó, com o Vontade Popular, com vários atores na Venezuela permanentemente.
E esta administração de agora, Biden. Houve uma mudança na forma que levam a abertura com Maduro? Como você vê isso?
Leopoldo - Todas as administrações são distintas. Evidentemente há uma diferença da administração Trump com a administração Biden. O que eu posso te dizer é que o objetivo de buscar uma transição à democracia, uma mudança política, segue sendo a mesma estratégia. E acredito que há algo que é preciso ressaltar que é: a política em relação à Venezuela se manteve como uma política bipartidária no objetivo. Há inclusive uma lei que foi redigida por dois senadores. Um republicano, Marco Rubio, outro democrata que é o presidente da comissão de exteriores Bob Menendez. Isso é um reflexo de que o tema Venezuela se manteve e acredito que há que mantê-lo como um tema que ambos os partidos o apoiem. Esperamos isso também para a região. Esperamos isso para a Europa. Porque o assunto Venezuela não deve ser colocado como um tema ideológico. Não é um tema de direita ou de esquerda. Nós no começo deste ciclo perdemos muito tempo, muito esforço porque o debate na Venezuela estava entre a esquerda e a direita. E eu acredito que o foco se perdeu do que realmente estava acontecendo. É realmente autocracia e o caminho do que significa autocracia e democracia. E dentro da democracia cabem a esquerda, a direita, os conservadores, os liberais. Mas todos devem ser consequentes ou apoiar a democracia.
Então com este pensamento há possibilidade de diálogo com Gustavo Petro, por exemplo, e como você vê a decisão dele de reabrir a fronteira com a Venezuela depois de tanto tempo e da forma que foi?
Leopoldo - O primeiro é que a fronteira não estava fechada. Mas foi feito um ato simbólico de abrir as pontes. Ao final, esta é uma fronteira muito permeável e lamentavelmente...
Sim, todos sabem que as pessoas caminhavam de lá para cá sem ter que apresentar documentos
Leopoldo - E as autoridades pelo lado venezuelano eram as Farc e o ELN. Sobre isso há centenas de depoimentos. Eu lamento muito que Petro por um lado tem um discurso sobre Colômbia e o mundo e tem umas ações em relação à Venezuela que são completamente contrárias. Eu me explico. Ele foi à ONU, Petro, e falou dos direitos humanos e falou dos temas ecológicos, do assunto ambiental, com prioridade.
Na Assembleia Geral você diz...
Leopoldo - Nesta mesma semana quando Petro dá este discurso nas Nações Unidas, as Nações Unidas esta mesma instituição, publica um relatório o qual nos referimos anteriormente, onde se retrata a responsabilidade de Maduro de cometer crimes de lesa humanidade. É dizer: o nível superior, o máximo que uma pessoa pode ser como violador de direitos humanos é o que Maduro é hoje. E isso não está dizendo somente a ONU. Isso a Corte Penal Internacional fala, isso a Corte Interamericana de Direitos Humanos diz. Isso dizem inúmeras ONGs de direitos humanos. E também este mesmo relatório fala da devastação que está acontecendo na Amazônia venezuelana por parte de Maduro. Aí há um curto-circuito. Eu o que acredito é que pretender tornar não visível a tragédia que acontece na Venezuela não falando das vítimas, não falando dos direitos humanos, não falando da tragédia ambiental é um erro.
Você quer dizer que Petro pode normalizar a forma que Maduro governa o país, seria isso?
Leopoldo - Hoje eu acho que nestas sete ou oito semanas que o Petro está a frente do poder, a Colômbia se tornou o principal promotor da estabilidade de Maduro. Eu vejo o embaixador do Petro na Venezuela mais como o embaixador do Maduro do que o embaixador do Petro.
A oposição pode ter uma abertura e expor a ele o que me está dizendo agora?
Leopoldo - Totalmente, estamos sempre dispostos. E assim fizemos com diferentes pessoas responsáveis pelos governos da região. E nossos pedidos sempre foram muitos claros. O pedido é queremos eleições livres. Não pedimos nem ao Petro, nem ao Chile, nem ao México nem à Argentina que reconheçam a Assembleia de 2015 de Juan Guaidó. Tão pouco estamos dizendo que o caminho é reconhecer Maduro. O que estamos pedindo é que sejam coerentes e possam apoiar o desejo dos venezuelanos de ter uma eleição livre. Hoje não temos. O que nós pedimos para a Venezuela é o que o Petro teve na Colômbia, uma eleição livre. É o que teve Boric no Chile, uma eleição livre. É o que teve AMLO no México, uma eleição livre. Podemos ter opiniões sobre o que as populações escolhem mas onde temos que ter total coerência e total respaldo é que os povos exijam seus governantes. Isso é o que não temos na Venezuela. E o que nós pedimos a cada um dos presidentes da região é que sejam coerentes. Que sejam consequentes e que estejam do lado não de um setor político. Não pedimos que nos apoiem politicamente ao setor que nós representamos. Pedimos que estejam do lado das pessoas, dos venezuelanos. Porque não há forma de que a tragédia da Venezuela possa se superar se não há democracia e estado de direito no nosso país.
Você fala da região então chegamos ao Brasil. Lula na presidência do Brasil mais uma vez. O que passará com a relação Brasil Venezuela? O que pode passar na sua percepção?
Leopoldo - Podem passar duas coisas. Pode passar que o Lula se torne um aliado do Maduro e que busque limpar a imagem do Maduro, que estabeleça relações diplomáticas, comerciais - e dentro das redes de corrupção que sabemos como funcionaram - não é pouca coisa o que foi o caso Odebrecht na Venezuela. O que passa é que na Venezuela não há um sistema judicial. A forma que se foram bilhões de dólares com a corrupção que vinha do Brasil. Assim como em outros países, está documentado. Não sou eu quem digo. Está mais que documentado. Este é um caminho que poderia passar. Esperamos que não seja o caminho, no caso que ganhe Lula, estaremos na expectativa.
E o outro caminho?
Leopoldo - O outro caminho é que ele seja coerente e possa pedir uma posição de valores, e que possa ser um fator que unifique a região em torno de eleições livres, em torno da defesa das vítimas dos abusos de direitos humanos. Que ele possa estar do lado das vítimas que são milhares de refugiados que saíram e seguirão saindo do nosso país. Assim como Petro tem uma alternativa mas até agora parece que está mais interessado em estar do lado de Maduro e limpar sua reputação, o rosto de Maduro. Da mesma forma, qualquer presidente da região vai ter esta mesma alternativa. E o que nós pedimos é que estejam do lado das pessoas. Não que tomem parte de política interna. Isso nos corresponde aos venezuelanos.
Se Bolsonaro segue na presidência mais uma vez. Bolsonaro outra vez. Quais seriam as consequências para a Venezuela?
Leopoldo - Eu espero o mesmo eu diria. Que exista uma posição muito clara, muito firme, para conseguir que os venezuelanos tenhamos a possibilidade de escolher nosso futuro através do voto popular. É o mesmo. Nós estamos pedindo há muito tempo. No ano de 2015 eu estava preso na prisão militar de Ramo Verde e eu fiz uma greve de fome por 28 dias. Perdi 14 kg de peso. Foi um período difícil e o pedido que tínhamos eram eleições. Que dessem uma data para a eleição, para as eleições parlamentares. As eleições aconteceram e eu suspendi a greve de fome. Mas é o mesmo que estamos pedindo sete anos depois. É o mesmo que estamos pedindo. Eleições para que os venezuelanos possamos nos expressar livremente.
Seria uma presença internacional lá dentro?
Leopoldo - Seriam muitas coisas. Primeiro colocar a data da eleição. Segundo que existam algumas condições básicas. Isso sua audiência não tem porque saber mas na Venezuela os partidos políticos democráticos foram expropriados. Foram tiradas dos partidos as suas autoridades legítimas e se as entregou aos aliados de Maduro. Maduro não está fazendo como as ditaduras do século passado onde simplesmente ilegalizavam os partidos. Mas eles tiram as autoridades e entregam aos aliados de Maduro. Segundo, uma boa parte dos líderes ascendentes que são referência estão inabilitados. Não podem se apresentar em uma eleição. Terceiro, na Venezuela não há uma oportunidade de fazer isso que estamos fazendo. Há muito anos. Desde o ano 2009, 2010 eu estou vetado nos meios de comunicação na Venezuela. Não podia ir. Veja como funciona na Venezuela uma entrevista como esta. Se você faz uma entrevista em um canal privado, você senta e chega uma produtora e te diz e te lê a cartilha. Lembre, não pode falar do Guaidó, não pode falar que o Maduro é ditador, não pode falar das violações dos direitos humanos, não pode falar da corrupção, não pode falar dos militares. Qualquer outra coisa, fala. Então, claro. Há meios de comunicação na Venezuela? Sim. Mas há informação na Venezuela, livre? Não. E eu acho, e isso é preciso dizer claramente, os meios de comunicação que ainda existem, os privados, são autocensurados de tal maneira que tem os produtores, como te digo, antes de qualquer entrevista e isso pode perguntar a qualquer venezuelano que tenha sido entrevistado em um meio de comunicação. Condicionam e censuram ao entrevistado.
Leopoldo, sua realidade agora é, está aqui, sua família na Espanha. Você vê alguma possibilidade de voltar ao seu país?
Leopoldo - Sim, claro que sim. Sou eternamente otimista e sempre o serei. Nós vamos voltar à Venezuela e vamos ver uma Venezuela livre. E tem sido um caminho difícil mas acho que temos que levar com otimismo. Veja, não tem sido fácil essa luta para ninguém, para nenhum venezuelano. Cada venezuelano que você encontra na rua em qualquer lugar do mundo tem uma história do que tem sido a tragédia de um país. Cada um, desde a sua perspectiva. Mas hoje os venezuelanos estamos muito conscientes do que significa a liberdade. O povo venezuelano hoje pode falar com propriedade do que é a liberdade. Há países, e eu sempre falo sobre isso com pessoas na Europa, nos Estados Unidos, são países livres. Não conhecem a liberdade até que não a tem. Um conhece mesmo o que é a liberdade, o que é a justiça, quando não a tem.
Leopoldo, você acha que pode fazer mais pelo seu país aqui afora do que se estivesse na prisão e por isso você saiu e escolheu...
Leopoldo - Bom, eu passei sete anos privado da liberdade. Não foram dois dias. Foi muito tempo e me passou esta circunstância. Bolívar dizia, Ortega y Gassett, "é o homem e sua circunstância". Eu não escolhi ir para a prisão mesmo tendo me apresentado voluntariamente assim que saiu a ordem de prisão. E a condição de estar no exílio passou com muitos de nós. O que me resta fazer? Apoiar o máximo que eu possa à mudança política da Venezuela. E que fique claro, nós quem estamos no exílio temos que apoiar os que estão na Venezuela. Minha responsabilidade estando fora é dar todo o apoio à liderança que está na primeira fila. Que são os que tem que ter a primeira responsabilidade e todo o apoio dos que estamos aqui fora.
Muito se fala da democracia e da importância da democracia. Aqui nos Estados Unidos em janeiro do ano passado, em diferentes partes do mundo. Você que passou por tanto nos últimos 8 anos, o que você pode falar sobre a importância da democracia?
Leopoldo - Primeiro que a democracia é frágil e isso nós vivemos na Venezuela. Durante muitos anos na Venezuela, havia uma frase muito comum que era, isso não vai passar aqui na Venezuela. E se dizia, como vai chegar à uma autocracia. Somos um país com uma classe média forte, somos um país com instituições fortes, temos forças armadas institucionais, há meios de comunicação livres, somos um país integrado com o hemisfério. E nada disso foi suficiente para conter uma decisão que era a Venezuela para o caminho de uma ditadura arbitrária e criminal. Nossa mensagem depois do que vivemos na Venezuela é que a democracia, há que cuidá-la porque é frágil. E cuidar da democracia é responsabilidade de todos. É responsabilidade de um jornalista, de um dono de um meio de comunicação, dos políticos mas também do cidadão comum que tem que ter a consciência de que se perde a democracia a todos nos bate na porta.
Para encerrar, vivemos nos Estados Unidos uma realidade, a chegada de muitas pessoas da América Latina, incluindo Venezuela, e muitos chegam a cidades como Washington e Nova York. Estão vindo por ordem do governador do Texas. Como você vê esta situação interna dos Estados Unidos?
Leopoldo - Eu o que acredito é que esta crise de migrantes que estão chegando da qual a maioria é migrantes venezuelanos, estão cruzando a fronteira até os Estados Unidos, está sendo visibilizada. Aqui nesta cidade, em Washington, mas também em Nova York e em outras cidades chegam 3, 4 ônibus, 5 ônibus por semana. 70 por cento das pessoas que vêm nestes ônibus são venezuelanos. A pergunta que é preciso se fazer é por que os venezuelanos estão saindo e estão cruzando o Darién, estão cruzando a América Central, estão passando pelo filtro de todas as máfias, em toda a estrutura que há na fronteira com o México e seguem chegando. A origem como dizem aqui, a causa de raíz do problema migratório na Venezuela é a ditadura de Nicolás Maduro. E eu o que espero, é que isso se entenda bem. Se há a intenção de parar a migração, é preciso parar o Maduro. Há que sair da ditatura e há que ter estado de direito e democracia em nosso país.
Estas questões internas dos Estados Unidos. O governador por exemplo do Texas que decide enviar, por exemplo, um ônibus com migrantes para cá, é uma questão para que pessoas como você possam intervir e dizer algo de alguma maneira ou você acredita que não é assim?
Leopoldo - Nós o que temos é a obrigação de opinar sobre a realidade dos nossos irmãos e irmãs de Venezuela. Nós o que falamos e o que falou o embaixador Vecchio muitas vezes, é que a tragédia venezuelana não seja manipulada nem de um lado nem de outro. O que acreditamos que é muito importante é que esta crise que está chegando até a porta da casa da vice-presidente daqui dos Estados Unidos sirva para visibilizar o problema. E o problema, uma coisa é a consequência. A consequência são milhares de migrantes que estão chegando mas a origem é Maduro.
Leopoldo Lopez, muito obrigada pela entrevista e pelo seu tempo também.
Leopoldo - Obrigado.
PERFIL
Leopoldo López é mestre em políticas públicas pela John F. Kennedy School, Universidade de Harvard, e bacharel em sociologia e economia pela Kenyon College, instituição que lhe conferiu doutorado honoris causa em direito. Trabalhou como analista e consultor na empresa Petróleos de Venezuela e foi professor de economia institucional na Universidade Católica Andrés Bello em Caracas. Foi prefeito da municipalidade de Chacao por dois mandatos. É o fundador e o coordenador nacional do partido Voluntad Popular. Autor dos livros "Preso pero Libre" (península editorial 2016) e "Venezuela Energética" (debate editorial 2017). Após sua prisão, recebeu prêmios que reconheceram seu trabalho pela democracia. Em 2014, "Harvard alumni achievement award", em 2013 "NED's Democracy Award", em 2015 "Geneva Summit Courage Award" e em 2017 "Sakharov prize for freedom and Thought". É fellowship do Wilson Center em Washington DC.