COP26: Brasil apresenta metas, mas planos de implementação são "nebulosos"
Especialista entende que houve evolução na retórica, mas é necessário desenhar bem a forma de pôr em prática
"É hora de dizer chega. Chega de nos matar com carbono. Chega de tratar a natureza como toalete. Estamos cavando nossa própria cova. Mesmo no melhor cenário, a temperatura poderá subir mais que 2°C", discursou António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas (ONU), na abertura da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Glasgow, na Escócia.
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O evento, que teve início em 31 de outubro e continua até 12 de novembro, é considerado de grande importância. Segundo relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), em agosto deste ano, a previsão de aumento de 2°C na temperatura global vai ser ultrapassada antes mesmo do fim deste século, a menos que o mundo reduza drasticamente as emissões de CO2 e outros gases do efeito estufa, conforme a meta estabelecida no Acordo de Paris em 2015, e assinada por 197 países.
A COP26 é a última chance para tornar realidade a meta de limitar o aquecimento global para abaixo de dois graus (o ideal seria 1,5ºC). Para isso, as emissões de CO2 devem ser reduzidas em 45% até 2030. E, até 2050, devem chegar a zero líquido (emissão de CO2 deve ser compensada por mecanismos que capturem ou absorvam o gás), segundo o IPCC. O Painel também aponta que as mudanças no clima estão se intensificando e já podem ser sentidas em todas as regiões do planeta
Ao SBT News, Guarany Osório, coordenador do Programa de Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces), aponta três pontos que devem ser resolvidos em Glasgow: regulamentar os artigos (do Acordo de Paris) que estão abertos; resolver a questão do financiamento do clima -- promessa estabelecida pelos países ricos na COP15 em 2009, de mobilizar US$ 100 bilhões de dólares anuais para ações climáticas nos países pobres e que não está sendo cumprida, segundo relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) --; e os países aumentarem suas ambições em prol do clima.
"Sem isso, a gente não tem instrumento para fazer com que esse grande transatlântico que são as nações todas juntas rumem para essa neutralidade", afirma.
Brasil na COP26
"A retórica brasileira, hoje, no debate público, teve uma evolução positiva" para o pesquisador da FGVces, que acrescenta "o entorno do governo tinha discurso de negacionismo, colocando em xeque se a questão climática era real ou não. Até se ventilou, em algum momento ali, se o Brasil sairia do acordo de Paris ou não". Na COP26, o Brasil anunciou a meta de redução de 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e transição para uma nova economia verde neutra em emissões de carbono até 2050. Além disso, assinou, junto a outras 100 nações, acordo para reduzir as emissões de metano em 30% até 2030. O país também aderiu acordo para reduzir desmatamento até 2030.
"As aspirações políticas e as metas climáticas são muito bem-vindas e necessárias, entretanto elas só se sustentam com arranjos e instrumentos de implementação bem desenhados: cronograma, fonte de financiamento, e mecanismo de cumprimento. Se a gente não tem um pacote de implementação claro, com esses pontos, como é que a gente vai dar sustentação para o cumprimento de uma meta?", questiona Osório. De acordo com o especialista, apesar das metas apresentadas, o plano para implentá-las é "nebuloso"
Dados divulgados pelo sistema DETER-B, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), na 6ª feira (4.nov), apontam que a destruição da Amazônia em outubro já chega a 796km², cerca de 80 mil campos de futebol. Estimativas do Observatório do Clima de 2020, apontam que a maior parte (46%) dos gases estufa emitidos pelo Brasil são provenientes do desmatamento. Desde 2010, o país continua a ampliar suas emissões, mesmo com a instituição da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), quando o país estabeleceu adotar, como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre 36,1% e 38,9% suas emissões projetadas até 2020.
Além disso, na contramão do mundo, o Brasil aumentou a emissão de gases poluentes (9,5%) durante a pandemia , o que já fez com que chegássemos na cúpula climática descumprindo compromissos anteriores.
As críticas sobre a atual política de meio ambiente do Brasil levaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a não comparecer ao evento, enviando somente uma equipe técnica, o que foi avaliado como negativo para o país, pelo ex-embaixador do Brasil em Washington e atual presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE), Rubens Barbosa. Em entrevista ao SBT News, ele considerou que as críticas deveriam ser rebatidas diretamente pelo presidente.
Guarany Onório avalia que perdemos a oportunidade de engajar outros líderes e trazer investimento para uma economia de baixo carbono: "O Brasil, por ser um país que tem uma vantagem comparativa ambiental muito grande em relação aos outros -- com potencial para energia renovável gigantesco --, tem uma posição comparativa excelente. Para o líder de um país que tem essas condições para ser um potencial ambiental internacional, de liderar, perde-se a oportunidade de conseguir engajar outros líderes e demonstrar boa vontade, e construir uma confiança em torno de se acreditar que o Brasil é um país bom para atrair investimentos em uma economia de baixo carbono".
Ao longo dessas duas semanas de COP26, muito negociações serão feitas, mas o objetivo final já foi adiantado por Guterres no primeiro dia de Conferência: "Sirenes estão tocando, o planeta está nos dizendo algo, as pessoas também". "A ação climática está no topo da lista de preocupações", advertiu.