Os invisíveis das eleições
Inclusão do voto de presos provisórios é um passo essencial para reduzir desigualdades e garantir o pleno exercício da cidadania no país
* Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID), do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Este artigo reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do CEID e INAC. Os artigos têm publicação semanal.
Realiza-se mais um processo eleitoral no Brasil. Não há dúvidas que é um dos períodos mais importantes que há – senão o mais relevante – para que as vozes mais diversas se expressem e que as pessoas participem da democracia da forma mais tradicional possível, como é a emissão do voto.
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No entanto, o ato de votar pode ser trivial nos dias de hoje para a grande parte da população.
Aliás, a naturalização da existência do direito de voto pode passar uma falsa mensagem de que se trata de uma conquista plena e que todas as lutas havidas em torno do exercício ativo dos direitos políticos já foram vencidas.
Infelizmente, a realidade pode não ser bem assim. Embora a Constituição Federal de 1988 traga que o voto é universal, esse direito não foi garantido de forma uniforme para todos os grupos que compõem esse país.
Voto das mulheres e das pessoas negras possuem um caminho distinto do voto dos homens brancos. O direito de voto dos indígenas ainda é um tema que merece debates por conta da vigência do Estatuto do Índio (lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973). Mas há um grupo sobre o qual pouco se fala quando o assunto é direito de voto: os presos provisórios.
A mesma Constituição já citada estabelece que os presos provisórios seguem com direitos políticos ativos, pois o art. 15 determina que um dos motivos para a suspensão dos direitos políticos é a condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
No caso do preso provisório, este não pode ser considerado condenado, uma vez que ainda há a pendência de uma sentença criminal definitiva e não passível de recurso.
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Segundo dados do Ministério da Justiça extraídos do último relatório do 2° semestre de 2023 do SISDEPEN (responsável pela estatística referente ao sistema prisional), constam 138.027 presos provisórios em todo o país.
Esses dados podem não refletir a realidade, considerando que ainda há muita dificuldade na obtenção de informações das secretarias de administração penitenciária dos estados. Mas mesmo que não seja um número exato, ele já indica que, em tese, haveria esse contingente de pessoas para exercer o seu direito de voto, de acordo com o que diz a Constituição.
Nesse total, contudo, deve-se saber quantas pessoas se alistaram como eleitoras na Justiça Eleitoral. Ao considerar esse grupo que é caracterizado por uma série de fatores que refletem a profunda desigualdade do nosso país, não é difícil encontrar aqui um problema prévio, que é o da falta de documentação básica em muitos casos.
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Chegar ao título de eleitor pode ser até um privilégio, considerando que, antes dele, é preciso ter certidão de nascimento, RG e CPF. Só após é possível pensar na emissão do título de eleitor.
Nos últimos anos, a Justiça Eleitoral vem desenvolvendo diversas ações para viabilizar o voto de pessoas presas e aplicar a Constituição, como se deve. A previsão de seções eleitorais especiais em centros prisionais e a possibilidade da transferência temporária do eleitor, por exemplo, são medidas que fazem com que seja possível essas pessoas exercerem o seu direito de voto.
Tanto que, nas eleições de 2024, estão alistados nessas seções eleitorais 6.322 eleitores, em 20 estados.
O restante das unidades federativas, infelizmente, não participa desse tipo de iniciativa, mesmo com a aprovação da Portaria n° 383/2024 pela Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, aprovando a Nota Técnica n° 9/24 que orienta os gestores prisionais a viabilizarem o voto de presos provisórios.
Na mesma linha, o Conselho Nacional de Justiça desenvolve um complexo plano no programa Fazendo Justiça, para permitir que essas pessoas tenham acesso à documentação básica e, assim, seja dentro ou fora do sistema prisional, possam ter a oportunidade de reestabelecer a sua cidadania.
O programa abrange ações de emissão de documentação, dentre eles o título de eleitor, com a parceria de alguns Tribunais Regionais Eleitorais. Aqui, novamente há o compromisso formal de alguns estados, mas nem todos os TREs aderem à iniciativa.
Lidar com a situação carcerária dos brasileiros é uma das tarefas mais árduas que há.
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As instituições precisam estar muito alinhadas para sair do nível de “apagão” de dados que há sobre a documentação básica, sobre o acesso a essa documentação, bem como ao próprio título de eleitor.
Há estados inteiros que simplesmente não enviam informações, como ocorre com o Rio de Janeiro e o Acre. O SISDEPEN, aliás, informa que apenas 60,71% dos sistemas estaduais estão integrados em uma única base de dados. Há muito ainda a ser feito em termos de conhecimento do tamanho da carência de documentos antes de se pensar em políticas efetivas de viabilidade do voto.
Em 2022, a Transparência Eleitoral Brasil foi a primeira organização a acompanhar o voto de pessoas privadas de liberdade, seja em centro de detenção masculinos, femininos e em instituições socioeducativas. Ficou constatada a vontade de participar e a disposição daqueles votantes de expressar a sua voz por meio do voto.
Os procedimentos são organizados e todos os que ali estão desejam somente que as eleições transcorram com normalidade.
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Isso se traduz a cada eleição, quando seções eleitorais especiais são garantidas, viabilizando esse exercício de cidadania.
Portanto, há demanda e é preciso aumentar a oferta do acesso à documentação, ao título de eleitor e ao voto em si.
Além disso, também é necessário que a sociedade entenda que a Constituição Federal deve ser aplicada para todos os brasileiros, sem exceção, pois a segregação de pessoas que estão no sistema carcerário e o impedimento da garantia de seus direitos de cidadania, como é o caso da obtenção de documentação básica e do voto, nada mais faz do que aumentar ainda mais o problema da delinquência, da reincidência e da retroalimentação de um ciclo de violência que não é positivo para absolutamente ninguém.
* Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID), do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Este artigo reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do CEID e INAC. Os artigos têm publicação semanal.