O apagão ético no Brasil
Quanto maior a distância do comportamento ético, maior será o nível de insegurança e de desonestidade percebido, avalia colunista
Célia Regina Lima Negrão
A honestidade da população e dos governos é essencial para o capital social e o desenvolvimento econômico de um país. No entanto, no Brasil, percebe-se que essa virtude está frequentemente em conflito, pois há um desequilíbrio entre honestidade, o agir pelo interesse próprio e, o pior, a tolerância com a corrupção.
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O comportamento honesto deveria ser uma característica central da vida econômica e social. Sem honestidade, promessas são quebradas, contratos não são cumpridos e governos tornam-se corruptos. Tais violações acarretam custos elevados para a sociedade.
Atos comuns e cotidianos, como aguardar a vez na fila sem tentar passar à frente, revelam muito sobre a cultura de uma população.
O certo é: quanto mais afastados estão os comportamentos éticos, com indivíduos que não se abstêm, voluntariamente, de práticas oportunistas, maior será o nível de insegurança e desonestidade percebido.
De acordo com o último Relatório da Transparência Internacional, principal indicador global de corrupção, o Brasil ocupa o 104º lugar entre 180 países no Índice de Percepção da Corrupção de 2023.
O índice avalia as nações com pontuações de 0, no pior cenário de corrupção, a 100, no melhor. A pontuação brasileira caiu de 38 para 36 em 2023.
O relatório aponta que problemas estruturais, como a falta de transparência nos gastos públicos, a fragilidade das instituições e a ineficácia na aplicação das leis, continuam impactando negativamente o índice do Brasil.
Diante desse cenário, como encontrar formas efetivas de enfrentar esse mal que assombra diversos países do globo?
Não há uma resposta única e resolutiva para esta questão. Acredita-se que esse mal não acabará, mas pode chegar a níveis mais baixos, como o exemplo da Dinamarca, nação considerada a menos corrupta do mundo.
Dentre as experiências daquele país, pode-se citar a redução de regalias a políticos, que vivem com salários comuns a muitos trabalhadores. Além disso, quando eleitos, precisam trabalhar com os mesmos funcionários da gestão anterior. Os índices de transparência são altos, e há baixa tolerância à ilegalidade nas instituições e entre a própria população.
Além de experiências bem-sucedidas em diversos países, há uma literatura que aborda as possíveis condições que dão origem ao comportamento honesto. É preciso ampliar esse olhar e desenvolver políticas públicas para promover o comportamento honesto no Brasil.
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A aplicação de tecnologias emergentes, como sistemas de inteligência artificial para monitoramento de riscos de corrupção, ganha mais relevância em outros países, algo em que temos avançado nos últimos tempos.
O certo é que a corrupção é um mal que precisa ser combatido e, no Brasil, afeta todas as áreas, seja por qual ângulo se observe: desde a educação, passando pela saúde, até mesmo nos órgãos de controle e fiscalização. A lista de escândalos é imensa.
Em 2023, o TCU lançou a 7ª edição do Relatório de Fiscalizações em Políticas Públicas, que reúne os principais achados de fiscalizações em diversas áreas, ilustrando, de forma técnica e fundamentada, a necessidade de aprimorar a governança e a gestão das políticas públicas.
Afinal, os desvios e a má gestão de recursos têm impacto direto na qualidade de vida da população, agravando as desigualdades.
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Não obstante, de forma oposta, há estudos que buscam entender e avaliar o impacto negativo das ações e processos de combate à corrupção nas empresas corruptas. Isso evidencia a alta tolerância à corrupção no Brasil.
Esses estudos analisam os efeitos da operação Lava Jato e os prejuízos causados às empresas e à economia do país. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e as universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), houve a mensuração das consequências sobre as construtoras e a indústria pesada, com a "destruição de 4,44 milhões de empregos entre 2014 e 2017, além de reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) em 3,6% no mesmo período. De 2015 a 2018, as maiores construtoras brasileiras perderam 85% da receita".
Ainda segundo a pesquisa, conforme informações publicadas pela Agência Brasil de Notícias, o estudo "estima que a Lava Jato reduziu os investimentos públicos e privados em R$ 172,2 milhões entre 2014 e 2017.
O segmento mais atingido foi a construção civil, com perda de R$ 35,9 bilhões, seguido por comércio (R$ 30,9 bilhões); extração de petróleo e gás, inclusive setores de apoio (R$ 29,2 bilhões); atividades imobiliárias (R$ 22 bilhões); e intermediação financeira, seguros e previdência complementar (R$ 17,5 bilhões)".
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Esses estudos avaliaram, sob uma ótica inversa, o quanto uma operação para combater a corrupção, descortinar a propina, o suborno e os atos ilícitos gerou de prejuízos às empresas corruptas.
Então, fica a dúvida: deve-se combater a corrupção, porém, com cuidado para não causar prejuízo às empresas que praticam a corrupção? Ou, pelo menos, deve-se minimizar os prejuízos?
Há estudos relevantes que buscam enfrentar os malefícios da corrupção para o país. Por exemplo, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) estimou que a economia brasileira perde, todos os anos, de 1% a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) devido à corrupção, um valor superior a 30 bilhões de reais.
Além disso, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) apontou que o custo anual da corrupção no país é de 1,38% a 2,3% do PIB.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) destaca que, a cada ano, 1 trilhão de dólares são gastos em subornos, enquanto cerca de 2,6 trilhões de dólares são desviados pela corrupção, uma soma equivalente a mais de 5% do PIB mundial. Há uma estimativa de que, nos países em desenvolvimento, a quantia de fundos desviados supera em 10 vezes o valor destinado ao desenvolvimento.
O olhar necessário para a corrupção precisa ressaltar o quanto ela impacta negativamente a sociedade e não o quanto uma operação ou investigação para combatê-la prejudica as empresas corruptas envolvidas.
A corrupção não deve ser tolerada em nenhuma hipótese, e é urgente que o Brasil invista em educação cívica e ética desde os anos iniciais, para formar gerações mais críticas e intolerantes à corrupção.
Cabe ressaltar que a relação entre combate à corrupção e seus efeitos econômicos deve ser analisada com maior profundidade. Estudos recentes da OCDE, publicados em 2023, oferecem uma análise dos avanços e desafios do Brasil no combate à corrupção, destacando tanto os progressos institucionais quanto as áreas que necessitam de melhorias significativas.
Apontam, ainda, que países com fortes mecanismos de controle, apesar de enfrentarem desafios econômicos iniciais, tendem a apresentar ganhos significativos em transparência e atração de investimentos no longo prazo.
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Portanto, a discussão global passa por estudar os malefícios da corrupção e como combatê-la, considerando o impacto financeiro que causa aos países, a alta capacidade de fragilizar as instituições públicas e privadas, e os recursos desviados que deveriam melhorar a vida da população brasileira, e não justificar ou quantificar o quanto o combate à corrupção prejudicou empresas ou governos.
De tudo isso, surge um nó na garganta e um sentimento profundo de incapacidade ao testemunhar a inversão de prioridades no combate à corrupção no Brasil.
Em vez de direcionar esforços para transformar a realidade social e econômica, parece haver uma busca por proteger o "status quo", negligenciando o impacto devastador da corrupção sobre a pobreza e as desigualdades.
É imperativo que instituições públicas concentrem suas energias em estudar a ótica correta: evidenciar os efeitos negativos da corrupção, bem como sua contribuição direta para perpetuar as desigualdades no país. Esse estudo, com olhar crítico e transformador, é o que o Brasil realmente merece.