A “cultura coaching” e seus riscos para a administração pública
Mas de onde veio essa crença e seu respectivo conjunto de práticas? Quais os riscos de sua aplicação à esfera pública?
Caio César Vioto de Andrade
* Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID), do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Este artigo reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do CEID e INAC. Os artigos têm publicação semanal.
Nos últimos anos, assistimos ao crescimento e à popularização do que podemos chamar de "cultura coaching". Inicialmente voltada para o ambiente interno das empresas, com o propósito de "motivar" e "engajar" os funcionários, essa abordagem se estendeu a diversas esferas da sociedade, concomitantemente à universalização das redes sociais.
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Antes restrita a uma novidade no ambiente corporativo, especialmente em empresas inovadoras, hoje a linguagem "coach", que apregoa o esforço individual como o principal motor do enriquecimento material e da ascensão social, está presente em diversas mídias.
Inevitavelmente, esse discurso também se alastraria para a política, refletindo a crença de que "basta querer e se esforçar" para alcançar, em algum momento, todos os desejos individuais.
Mas de onde vem essa crença e seu respectivo conjunto de práticas? E, principalmente, quais são os riscos de sua aplicação à esfera pública?
Na virada do século XX para o século XXI, ocorreram mudanças na economia e na sociedade que ajudam a explicar esse fenômeno.
Aos poucos, as empresas foram abandonando o modelo "fordista" de linha de produção.
A indústria perdeu espaço nos países desenvolvidos e foi substituída pelo setor de serviços, pelo comércio e pelos pequenos negócios autônomos.
Nesse novo contexto, a exigência deixou de ser a especialização técnica e o cumprimento rígido de funções hierárquicas.
Agora, espera-se que os profissionais alcancem metas de vendas e ofereçam serviços personalizados, demandando domínio de diversas habilidades técnicas e socioemocionais — as chamadas "hard skills" e "soft skills".
Paralelamente, a economia e a geopolítica globais também passaram por mudanças.
O fracasso do socialismo, o fim da Guerra Fria, a saturação do Estado de bem-estar social e a ascensão do neoliberalismo deslocaram o consenso político construído no Ocidente após a Segunda Guerra Mundial.
O papel do Estado e dos sindicatos foi reduzido, devido ao sucesso econômico contínuo desde meados do século XX, que começou a dar sinais de exaustão por volta da década de 1980.
A ascensão de uma classe média urbana, tanto em países desenvolvidos quanto emergentes, junto com o maior acesso a bens de consumo e tecnologia, encorajou as pessoas a acreditar em seus próprios méritos e a minimizar os problemas sociais.
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Essa narrativa ganhou força à medida que, ao longo de quatro décadas, uma parcela da população pobre ascendeu à classe média e parte da classe média se tornou rica, alimentando a sensação de que a prosperidade poderia ser alcançada exclusivamente pelo esforço individual, ignorando as complexidades sociais e o papel proativo do Estado.
Ao ser transposto para a política, esse discurso passou a enxergar a pobreza como um demérito individual, fruto da falta de esforço.
O Estado, por sua vez, passou a ser visto como um entrave ao empreendedorismo, beneficiando aqueles considerados "fracassados".
É um erro, no entanto, confundir a "cultura coaching" com o liberalismo ou o neoliberalismo. Liberais e neoliberais, de modo geral, não responsabilizam os indivíduos pela pobreza nem ignoram o papel do Estado na mitigação das mazelas sociais.
O que se propõe é redimensionar a função estatal, focando os mais pobres — como no caso do Bolsa Família, inspirado nas ideias de Friedman e Hayek — e, ao mesmo tempo, fomentar o empreendedorismo em um ambiente econômico estável, com controle fiscal e baixa inflação.
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A "cultura coaching", contudo, ignora essas nuances. Não propõe uma reforma ou redimensionamento da ação pública, mas defende a ideia de que os problemas sociais decorrem de "falhas" individuais.
Assim, ao almejar o poder político, seus adeptos pregam a desprofissionalização do Estado, tratando as funções públicas como inimigas do empreendedorismo.
Nesse cenário, a educação pública é vista como "doutrinação", a assistência social como "proteção a quem não trabalha", e as leis ambientais e pautas sociais são vistas como "radicalismo".
O risco, caso essa visão chegue ao poder, é o desmantelamento das políticas públicas e a perda do senso de responsabilidade coletiva.
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Em tempos em que o consumo de conteúdo nas redes sociais é fragmentado em "cortes" de poucos segundos, há o perigo de se perder a noção do contexto e das nuances que compõem o todo.
* Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID), do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Este artigo reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do CEID e INAC. Os artigos têm publicação semanal.