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Eletrobras: modelo de privatização tem pouca chance de ser revisto na Justiça

Segundo professor de direito econômico, Judiciário tem se revelado resistente a rever privatizações

Eletrobras: modelo de privatização tem pouca chance de ser revisto na Justiça
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Criticado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no mês passado e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, na última 2ª feira (27.mar), o modelo de privatização da Eletrobras tem pouca chance de ser revisto por meio de ação judicial. A análise é do doutor em Direito do Estado e professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Bercovici.

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"Eu acho que é uma ação difícil, não pelos argumentos, porque realmente a privatização da Eletrobras tem uma série de inconstitucionalidades, uma série de problemas legais. O problema todo é que o Poder Judiciário brasileiro tem se revelado, nos últimos anos, muito resistente a rever privatizações. Desde 1992 se impetram ações contra privatizações e, salvo engano meu, nenhuma foi bem-sucedida", afirma o especialista.

Segundo ele, entre os problemas legais na desestatização, estão "desde a avaliação equivocada de artigos, que, aliás foi denunciada no próprio Tribunal de Contas da União pelo ministro Vital do Rêgo e foi ignorada pelos outros ministros do TCU, que queriam agradar o governo e acelerar o processo, até questões ligadas a rompimentos de contratos, em virtude da chamada descotização".

"A própria limitação do poder da União. Com aquelas chamadas pílulas de veneno, 'poison pills', que também é algo a ser contestado numa empresa que é prestadora de serviço público, como é o caso da Eletrobras. Tem uma série de questões aí que podem ser levantadas juridicamente. A questão é que o Judiciário realmente é muito resistente a rever privatizações, especialmente os Tribunais Superiores", complementa. Poison pills (ou "pílulas de veneno", na tradução livre) são táticas estabelecidas pelas companhias para desencorajar ou impedir aquisições hostis de companhias no mercado de capitais.

No mês passado, Lula disse que a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolaria ação na Justiça para que o governo pudesse rever o contrato de privatização da Eletrobras. Ele justificou a medida citando a limitação do poder da União na empresa e uma das poison pills: "Você precisava ler o que foi o resultado da privatização. Na empresa, o governo tem 40% das ações e só pode participar da direção como se tivesse 10%. Se amanhã o governo tiver interesse de comprar as ações, para ele valem três vezes mais do que o valor normal para outro candidato. Ou seja, foi feito quase que uma bandidagem para que o governo não volte a adquirir maioria na Eletrobras". A pílula de veneno, no caso, é a regra que estabelece o valor maior para a União.

O doutor em Direito e professor da área na USP, Vitor Schirato, concorda que há espaço para uma discussão judicial sobre a privatização da Eletrobras. Isso porque, em sua avaliação, "é muito questionável você fazer algum descolamento entre direito patrimonial e direito político numa estatal dessa forma. O que eu quero dizer com isso? É muito questionável a legalidade e principalmente a constitucionalidade de 40% de participação no capital terem 10% de poder político".

De acordo com o professor, há "precedentes no sentido contrário, que já disseram que isso é altamente atentatório ao direito de propriedade. Por exemplo, o caso Volkswagen na Alemanha, em que a Corte Europeia entendeu que é violador do direito de propriedade uma ação ter direito de voto de 51% do capital, ou seja, exatamente a mesma tese, só que em sentido contrário. É muito difícil você sustentar que 40% do capital dá poder político de 10%".

Por outro lado, avalia Schirato, a pílula de veneno criticada por Lula é menos questionável.

"Porque poison pill você tem em vários contextos. Você tem uma discussão enorme aí. E para que o governo comprasse de novo esses 10% [de ações], ele precisaria ter uma nova autorização Legislativa, porque você teve autorização legislativa para desestatizar, você precisaria de uma nova alteração legislativa para estatizar", analisa o doutor em Direito do Estado.

"A questão da poison eu acho que é menos questionável. Não estou falando que ela seja tranquila. Até porque, no direito brasileiro, é muito raro você ter poison pill. Isso é muito comum no direito norte-americano, no direito europeu, para você evitar as ofertas hostis. No Brasil isso é mais difícil", complementa.

O advogado Walter Calza Neto, que é perito judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e relator do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, ressalta que os dois pontos da privatização da Eletrobras criticados por Lula vêm baseados no estatuto da companhia aprovado e em lei aprovada, então qualquer discussão judicial sobre eles "precisará atacar atos jurídicos perfeitos, perfeitos no sentido de que tramitaram por todo um passo a passo para a sua aprovação". Dessa forma, em sua visão, judicialmente é "muito difícil" modificar esses pontos, as chances são "muito pequenas".

"Teria que se provar que isso por algum motivo foi feito de forma ilegal, que essas leis ou esse estatuto foram aprovados de forma ilegal, que não tinha quórum ou que o ato não existiu. Teria que ter uma prova de ilegalidade, não meramente a discordância do teor da decisão", afirma Walter Calza Neto.

Segundo Walter, caminhos muito mais viáveis para promover as mudanças são o administrativo ou legislativo. "Poderia existir uma nova lei, alterando a lei 14.182/2021, aí, sim, uma lei que tramita e que muda essas regras seria um caminho. Uma assembleia para se aprovar um novo estatuto, em que a maioria dos acionistas concordassem com essas novas regras propostas".

Privatização judicializada

O professor Gilberto Bercovici relembra que a privatização da Eletrobras já está judicializada. Em 2021, foi protocolada, por exemplo, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo PSB, Psol, Rede Sustentabilidade, PT, PDT e PCdoB pedindo a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.182/2021, que trata da desestatização. Os partidos argumentam, entre outras coisas, que foram aprovadas várias emendas no Congresso que resultam em modificações substanciais no planejamento energético brasileiro, totalmente dissociadas da Medida Provisória (MP) da qual se originou a lei. O relator da ADI no Supremo Tribunal Federal (STF) é o ministro Nunes Marques.

A Lei 14.182/2021 foi sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 13 de julho de 2021. Em 19 de outubro daquele ano, o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI) aprovou, de forma unânime, uma resolução referente à modelagem da desestatização da Eletrobras. Em maio de 2022, o TCU aprovou o processo de capitalização da empresa. E, em 14 de junho do ano passado, foi feita a cerimônia de capitalização da companhia na Bolsa de Valores de São Paulo.

Na última 2ª feira (27.mar), o ministro de Minas e Energia disse que, em sua visão, o modelo de privatização da Eletrobras foi "injusto". A declaração foi dada na Arko Conference 2023, em São Paulo. "Eu posso afirmar que, na minha visão e nos modelos de corporações que eu conheço tanto no Brasil quanto no mundo, foi um modelo injusto. A nossa 'golden share' [ação de classe especial] é vergonhosa. Ela não serve para absolutamente nada. Ela não dá nenhuma estabilidade, nenhuma segurança, a esse grande setor estratégico de energia que é uma empresa que detém quase 50% da transmissão e perto de 36% da geração da energia nacional", afirmou Alexandre Silveira.

"Mas, para deixar bem claro, eu entendo que isso é fato, está consolidado, passou pelo Congresso Nacional, virou uma lei e, portanto, eu como ministro de Minas e Energia eu tenho que tratar a Eletrobras com a natureza que ela tem hoje, reconhecendo que é uma empresa que, apesar dos senões que eu tenho como cidadão da sua privatização, ela é uma empresa que foi privatizada, e eu tenho que tratar a Eletrobras cobrando dela plano de investimento, assistência à população", complementou.

O ministro afirmou ainda que não vê segurança estratégica para o povo brasileiro no modelo de corporação definido. "Eu ressalto, acho que foi injusto, acho que quem tem 40% das ações não pode ter um conselheiro em nove", disse. No mesmo evento, o presidente do TCU, Bruno Dantas, falou achar difícil o STF entrar em uma questão como a privatização da Eletrobras, "porque você tem o ato jurídico perfeito". 

"A própria Constituição garante o ato jurídico perfeito. Não vejo muito espaço para uma discussão judicial. Vamos ver. O Supremo tem o direito de errar por último muitas vezes. Então vamos aguardar para ver. O questionamento é um questionamento que eu considero válido. Como é que alguém que tem 40% do capital só pode exercer 10% dos direitos políticos? Agora, isso foi uma escolha que foi feita", pontuou o ministro. 

"No momento em que foi feito estava absolutamente ao amparo da lei, e não veio nenhuma lei posterior que mudasse aquilo que foi feito. Então como é que o Judiciário vai entrar nisso? Eu vejo pouco espaço para essa discussão, mas aguardemos".

Frente parlamentar

No último dia 22 de março, foi lançada, no Auditório Freitas Nobre da Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar Mista Pela Reestatização da Eletrobras. Os autores do pedido de criação são os deputados Alencar Santana (PT-SP) e Erika Kokay (PT-DF). 

O objetivo da frente é ampliar o debate, na sociedade, sobre a retomada do controle acionário da Eletrobras pelo Governo Federal visando a garantir segurança energética aos brasileiros.

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