Todos os homens do presidente: investigações miram entorno de Bolsonaro
PF aponta que valor obtido com venda de itens de luxo seria repassado em dinheiro vivo para Bolsonaro
Henrique Bolgue
A Operação Lucas 12:2 da Polícia Federal deflagrada na 6ª feira (11.ago) revelou que assessores próximos a Jair Bolsonaro atuavam como atravessadores de itens de luxo recebidos pelo ex-presidente em viagens internacionais ao Oriente Médio.
A suspeita é que os itens eram comercializados de forma ilegal e o valor obtido com a venda era repassado para Bolsonaro em dinheiro vivo.
O nome da operação "Lucas 12:2" é uma referência ao versículo bíblico que diz: "Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido".
Diamantes no aeroporto: O esquema envolvendo a venda de joias começou a vir a público em 3.mar deste ano, quando o jornal O Estado de S. Paulo publicou que um conjunto de colar e brincos cravejados de diamantes, avaliado em 3 milhões de euros (cerca de R$ 16,1 milhões), foi retido pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos em outubro de 2021.
As joias estavam com um assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque quando foram barradas. A lei determina que todo bem com valor acima de US$ 1 mil seja declarado à Receita, e que pague imposto de importação para ser admitido, o que não foi o caso dos diamantes.
Em depoimento à PF em maio, o ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, disse que o ex-chefe do Executivo solicitou a regularização das joias. Cid enviou um subordinado, Jairo Moreira da Silva que tentou sem sucesso retirar o conjunto às vésperas do fim do governo.
O governo tentou por pelo menos quatro vezes retirar o conjunto de Guarulhos. Na época, Bolsonaro disse não ter pedido nem recebido qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita.
Resgate do Kit Ouro Rosê: O caso revelado em março acendeu o alerta no entorno de Bolsonaro e mobilizou os seus secretários.
Além dos diamantes barrados no aeroporto, outros itens de luxo haviam sido extraviados ilegalmente pela organização e precisariam ser trazidos às pressas de volta para o Brasil. Isso porque o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a devolução das joias recebidas após a revelação do caso pela imprensa.
Entre elas, estava um outro conjunto de joias da Arábia Saudita, citado na investigação como Kit Ouro Rosê, composto por itens pertencem à marca de luxo suíça Chopard:
- um relógio com pulseira em couro
- um par de abotoaduras
- uma caneta
- um anel
- um rosário islâmico
Assim como os diamantes barrados, este kit também foi recebido pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, na viagem à Arábia Saudita, em outubro de 2021.
Os itens de Ouro Rosê teriam embarcado no avião presidencial em 30 de dezembro, quando Bolsonaro viajou para Orlando, nos EUA. A cidade é vizinha de Miami, onde atuava o pai de Mauro Cid, o general Mauro Cesar Lourena Cid. Ele foi colega de Jair Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), nos anos 1970, e havia sido nomeado pelo ex-presidente para um cargo da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), onde ganhava cerca de R$ 60 mil. Segundo as investigações, era Lourena quem negociava os itens nos EUA e repassava os valores obtidos nas vendas dos itens ao ex-presidente.
Lourena foi um dos alvos da Operação da última 6ª feira (11.ago). É dele o rosto refletido em uma foto de um presente recebido por Bolsonaro enviada para o filho Mauro Cid: uma palmeira e um barco. Este conjunto de esculturas douradas foi entregue ao ex-presidente, em 16 de novembro de 2021, quando ele participou do Seminário Empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, ocorrido na cidade de Manama, no Bahrein. Entrentando, segundo as próprias conversas interceptadas pela PF, os dois eram de "latão" e não foram vendidos por ter pouco valor.
Por outro lado, as investigações indicam que o Kit Ouro Rosê (pulseira, caneta, anel e rosário), este com um valor estimado de cerca de R$ 600 mil, chegou a ser colocado à venda em um leilão, em fevereiro de 2023, mas não foi vendido.
A dificuldade em se livrar do Kit Ouro Rosê foi motivo para diversas conversas entre o assessor especial de Bolsonaro, Marcelo Câmara, e Mauro Cid, que articularam a volta do kit para o Brasil.
Em 4 de março, um dia depois da reportagem do Estadão sobre os diamantes, outro ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Osmar Crivelatti, também alvo da Operação da PF na 6ª feira (11.ago), teria recebido o pacote no Brasil, e logo depois mandou uma imagem a Cid com a mensagem "chegou". Mauro Cid respondeu: "Ufa".
O resgate do Rolex: Outro kit de joias, este chamado de Kit Ouro Branco pela PF, também virou alvo de uma "operação resgate" articulada pelos investigados. Neste caso, o ex-advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef, também esteve envolvido diretamente, segundo as investigações.
Fazem parte do Kit, entregue a Bolsonaro, quando de sua visita oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019:
- um anel,
- abotoaduras,
- um rosário islâmico ("masbaha")
- um relógio da marca Rolex
Quando foi recebido, o Rolex foi liberado do "Acervo Privado" da presidência, tendo como destino o gabinete de Bolsonaro. O tenente Osmar Crivelatti assinou a retirada do relógio.
A PF mostra, que, em 6.jun de 2022, o tenente-coronel Mauro Cid (filho) troca e-mails para tratar da possível venda do Rolex. A PF suspeita que o relógio foi levado aos EUA no mesmo mês, quando Bolsonaro participa da Cúpula das Américas.
A investigação diz que Cid teria vendido o relógio à loja Precision Watches,no estado da Pensilvânia, por R$ 346.983,60. O valor foi depositado na conta bancária de Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cid.
Quando o caso das joias de Guarulhos foi revelado pela imprensa, enquanto Cid tentava recuperar as joias do kit ouro branco, Wassef foi acionado para recuperar o relógio.
A PF mostra que, no dia 11 de março, Wassef embarcou rumo a Fort Lauderdale, na Flórida. Segundo a investigação, o advogado recuperou o relógio no dia 14, e retornou para o Brasil com o acessório em 29 de março. Cid encontrou Wassef no dia 2 de abril para reaver o relógio.
Pouco depois os itens foram devolvidos à Caixa Econômica Federal no dia 4 de abril deste ano.
Outro relógio: Um relógio da marca de luxo Patek Phillippe também teria sido vendido pelo bando, mas não precisou ser devolvido porque não estava nem mesmo cadastrado no acervo do governo federal.
Segundo o PF, o relógio de aproximadamente US$ 51 mil vendido por Mauro Cid nos EUA foi dado de presente a Bolsonaro em viagem oficial durante a viagem ao Bahrein.
A PF destacou que fotos do relógio foram enviadas por Mauro Cid para um contato cadastrado em sua agenda como "Pr Bolsonaro Ago/21" em 16.nov de 2021.
Negócios das Arábias: Os itens vendidos enviados a Bolsonaro partiram de viagens ao Oriente Médio. A primeira delas ocorreu em 19 de outubro de 2019, quando o ex-presidente encontra o ditador da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, com quem manteve intensa relação até o fim do mandato.
Mohammed é príncipe herdeiro do país, e já liderava de fato depois de ser apontado como sucessor pelo pai, rei Salman bin Abdulaziz al Saud.
Oficialmente, o objetivo da viagem era intensificar relações com países da região e divulgar oportunidades de investimentos no Brasil.
Um dos principais interlocutores da Arábia Saudita foi o ex-presidente dos EUA Donald Trump, que recebeu, pelo menos, 82 presentes do ditadura. As visitas de Trump ao príncipe Mohammaed ocorrem depois que o árabe foi apontado como o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi em 2018. Bolsonaro é admirador de Trump e seguiu grande parte de seus métodos durante os 4 anos de mandato.