Guerra na Ucrânia agrava crise alimentar na África Subsaariana
Países, que já vinham em uma condição de insegurança alimentar, sofrem com escassez de itens básicos
![Guerra na Ucrânia agrava crise alimentar na África Subsaariana](/_next/image?url=https%3A%2F%2Fsbt-news-assets-prod.s3.sa-east-1.amazonaws.com%2FAfrica_Subsaariana_Guerra_na_Ucrania_9a3076feb5.jpg&w=1920&q=90)
Das consequências que uma guerra traz ao mundo, a fome pode ser uma das que aparece logo de imediato. No caso da Guerra da Ucrânia, que completa 1 ano este mês, além dos populares que sentem a devastação cotidianamente, quem também sente os efeitos no setor da alimentação é a África, sobretudo a região subsaariana. Para se ter uma ideia, o impacto mais sentido, desde o início do conflito, acontece na escassez de alimentos mais básicos e comuns do prato do africano, com destaque para o trigo. Países como Somália, República do Congo, Namíbia, Madagascar, Tanzânia, Sudão, Cabo Verde e Burundi dependem de mais de 50% das exportações do alimento, vindos tanto da Ucrânia, quanto da Rússia.
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Rússia e Ucrânia são responsáveis por:
- Ao menos, 80% do comércio do óleo de girassol
- Importantes fornecedores mundiais de grãos e óleo vegetal
- 30% do fornecimento global de trigo e cevada
- 1/5 da produção mundial de milho
- Moscou, capital russa, em especial, é um dos maiores fornecedores de fertilizantes, representando 1/5 do total exportado para mundo
![Participação na produção global de culturas selecionadas](https://static.sbt.com.br/noticias/images/content/20230223110146.png)
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Para Atos Dias, doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o continente africano sofre com um aumento contínuo de insegurança alimentar desde 2014. Ele explica que, de acordo com dados da ONU, este é o continente com maior percentual de pessoas que não têm acesso direto à comida.
"Entre 2014 e 2021, o percentual de insegurança alimentar no continente aumentou 13,5%. Só a título de comparação, entre 2014 e 2021, no mesmo período, América do Norte e Europa experimentaram a queda de insegurança de 9,3% em 2014 para 8% em 2021. A fome é um problema bastante localizado no mundo. A guerra na Ucrânia, portanto, tende a piorar ainda mais o cenário de fome no continente africano", diz.
A Guerra da Ucrânia, em um cenário contemporâneo das Relações Internacionais globalizadas, impacta diretamente o comércio internacional, sobretudo o funcionamento regular da cadeia mundial de suprimentos de alimentos. O pesquisador explica ainda que, tanto Rússia como Ucrânia são exportadoras de alimentos estratégicos. "Tanto o conflito, quanto as medidas de restrições de exportações, contribuíram para que cerca de 3 meses após o início da guerra, o preço futuro do trigo, cereal mais consumido do mundo, atingisse nível recorde na bolsa de Chicago, a principal bolsa de valores para a negociação de commodities (mercadoria primária) agrícolas - uma alta que superou o recorde anterior, observado durante a crise financeira de 2008".
Segundo relatório divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a guerra na Ucrânia interrompeu a recuperação regional na África. "A invasão russa da Ucrânia desencadeou um aumento acentuado dos preços das matérias-primas. Como resultado, espera-se que a atividade econômica abrande para 3,8%", diz o relatório.
África: o olhar de quem vive por lá
Boaventura Monjane é moçambicano e doutor em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Para ele, o conflito entre Ucrânia e Rússia impacta não apenas a África, mas o mundo todo e de várias formas.
"Para a África esse conflito foi mais sentido na subida de alimentos ou de produtos agrícolas/alimentares. Então, sendo a África, ou grande parte dela, importadora de trigo, de petróleo bruto dessa região, isso refletiu num aumento de preço desses produtos, principalmente devido à interrupção das exportações da Rússia devido às sanções nos portos do Mar Negro", explica o moçambicano .
Monjane também observa que a África tem sido palco do que ele chama de "ramificações diplomáticas". Representantes - tanto da Rússia, quanto da Ucrânia, seguem fazendo diligências para influenciar a opinião popular e também lideranças dos Estados. "Eu acho que a Ucrânia tentou, por exemplo, engajar a União Africana, sem muito sucesso no meu ponto de vista. E a Rússia também faz um trabalho enorme. O ministro russo dos negócios estrangeiros e cooperação internacional esteve a viajar pelo continente", conta.
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A África, para ele, funciona como um apoiador estratégico, uma vez que, é dona de recursos minerais como petróleo, gás natural e minerais direcionados para a transição a uma economia low carbon. "A opinião da África sobre esta guerra que, do meu ponto de vista, vai para além da relação Rússia/ Ucrânia. É uma guerra geopolítica em que várias forças imperialistas têm interesse no posicionamento e nos resultados deste conflito".
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Muitos países africanos decidiram em não condenar na ONU a invasão russa, no ano passado. Uma das explicações possíveis é a afinidade histórica, segundo o pesquisador moçambicano. "É óbvio que essa abstenção é formada pelo histórico que nós temos com a União Soviética, da qual a Ucrânia fazia parte, mas que agora se percebe que ela já é parte de uma aliança com a Otan e, portanto, Europa e Estados Unidos".
"Essa ligação história que a África teve e tem com a União Soviética influencia a posição africana. Muitos países estão acornados a uma história de apoio à União Soviética. Apoio não só logístico, mas também político que, em grande medida, permitiu o sucesso das lutas de libertação contra colonização e contra o apartheid da África do Sul, etc", conclui.
Mar Negro: estratégia para abastecimento e futuro indeterminado
O trânsito de exportação de alimentos também ficou embolado na região do Mar Negro. Noticiado pelo SBT News, Rússia e Ucrânia assinaram um acordo com as Nações Unidas e Turquia para garantir a exportação de fertilizantes e grãos pelo local.
O acordo, embora tenha sido prorrogado por mais 120, está chegando ao fim. Por este motivo, já nas próximas semanas, deve acontecer uma nova rodada de negociações para estender a iniciativa. Entretanto, a Rússia já traz sinais de que está insatisfeita.
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Futuro e Desafios para a África Subsaariana
A guerra aumenta a preocupação em torno de uma intensificação das crises alimentar já existentes no continente africano. O secretário-geral da ONU, António Guterres, destaca o impacto do aumento do preço dos alimentos para a segurança alimentar de países africanos, cuja população gasta a maior parte da renda com comida. Cerca de 80% dessa renda é destinada para compra de alimentos. Além disso, existe a questão do preço. "Há uma falta de atenção e esforço no sentido de aliviar os impactos na segurança alimentar do continente. O Programa Mundial de Alimentos, principal braço da ONU para ajudar a questão alimentar humanitária, tem enfrentado severas limitações de recursos em junho de 2022", explica Atos Dias, doutorando em Ciência Política pela UFPE.
O FMI aponta alguns caminhos que precisam ser enfrentados pelos africanos. O primeiro deles é a proteção de vulneráveis, sem comprometer o fluxo das dívidas. "Os rácios da dívida estão nos níveis mais elevados em mais de duas décadas, e muitos países de baixos rendimentos estão em situação de sobre-endividamento, ou perto disso. A polícia orçamental precisa proteger famílias vulneráveis do aumento dos preços dos alimentos e da energia", diz o documento.
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Outro ponto para se manter alerta, segundo o Fundo, é a contenção da inflação, sem comprometer a recuperação local. "As autoridades devem monetizar a inflação com cuidado e estar preparadas para aumentar as taxas de juros, se necessário, mantendo, simultaneamente, quadros de políticas credíveis e claramente comunidades".
Por fim, o relatório traz um terceiro aspecto desafiador: muitos países terão de "abordar as pressões cambiais decorrentes das taxas de juros mundiais mais elevadas e do aumento da incerteza". E complementa: "A intervenção cambial pode ajudar a compensar movimentos cambiais excessivos, mas o seu âmbito é muitas vezes limitado por reservas internacionais baixas. Nestes casos, a restritividade monetária também pode ser necessária para apoiar a moeda, mesmo face a uma fraca atividade econômica".
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Para Atos Dias, não há previsão de fim do conflito, pois os representantes de Rússia e Ucrânia não apresentam "substantivos que indiquem um acordo de paz". Boaventura Monjane, o moçambicano e doutor em Sociologia pela Universidade de Coimbra, por sua vez, entende que o conflito só terá um fim se a Ucrânia negociar, de fato, com a Rússia "Talvez garantir que não vai entrar para a Otan. Talvez perder alguns territórios que a Rússia ocupou. Ou negociar de forma diferente, mas que satisfaça a Rússia".
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