Cármen Lúcia diz que "vida de uma mulher para chegar a qualquer cargo não é fácil" em julgamento no TSE
Após quatro votos a favor do reconhecimento de fraude na cota de gênero nas eleições de 2020 para vereador em Central (BA), ministro Nunes Marques pediu vista
Em debate acirrado no plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nessa terça (19), a ministra Cármen Lúcia disse que a "vida de uma mulher para chegar a qualquer cargo não é fácil" e que o reforço da lei de cotas femininas em campanhas eleitorais não irá afugentar mulheres, como especulado por colegas da Corte.
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Em resposta ao ministro Raul Araújo, que ponderou que uma visão muito incisiva da normativa pode afastar mulheres das eleições, uma vez que podem ter suas inelegibilidades decretadas, a magistrada disse: "Não se preocupe, mulher só desanima quando não está disposta".
O TSE votava o recurso especial eleitoral nº 060041157 de Central, na Bahia. Nele, a Coligação Pra Central Continuar Avançando (PR, PP, Solidariedade, PTC, MDB, PMN, Democracia Cristã, Patriota, PDT, PTB e PSC) contestava candidaturas de seis mulheres do PSB no município.
O relator do caso, ministro Araújo, votou pela inexistência da fraude. Ressaltou que, diante de votos recebidos, diferentemente de outros casos analisados, é impossível concluir que o caso trate de candidaturas fictícias.
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Ele foi acompanhado pela ministra Isabel Gallotti. Para a juíza do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não há "uma prova cabal de fraude".
Cármen Lúcia acompanhou a divergência do presidente do TSE, Alexandre de Moraes. "Para mim este não é um caso limítrofe", iniciou Lúcia.
Para aqueles que divergiram do relator, "há claramente a fraude disfarçada", como dito por Moraes. O observado por eles, incluindo também os juízes Floriano de Azevedo Marques e Ramos Tavares, foi a conduta durante o processo eleitoral.
Mesmo com maioria definida (4 a 2), o ministro Nunes Marques pediu vista. O julgamento será retomado e concluído posteriormente.
Lei de Cotas
Segundo observaram os ministros Raul Araújo e Isabel Gallotti, esses acolhimentos com base na Lei de Costas (nº 9.504 de 1997) podem afastar mulheres de serem candidatas.
"Diferente dos homens, as mulheres concorrem sob a possibilidade de terem decretadas as suas inelegibilidades [caso impugnadas na lei], o que me parece, afugentará candidaturas femininas ao pleito de 2024", observou Raul Araújo.
A vice-presidente da Corte, Cármen Lúcia, reprovou a tese. "O que é certo é que todas as mulheres que poderiam estar presentes, com vontade de competir, não são aquelas que são contempladas", disse. Ela também demonstrou descontentamento com a leitura.
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"Eu sei que os avanços históricos não são contínuos e não quero acreditar que depois de tantas lutas, pelo menos desde 2008, na presidência do ministro Carlos Britto, para tentar fazer com que os partidos políticos realizem e deem efetividade ao que as normas estabelecem que a jurisprudência vai recuar, não quero acreditar nisso [...]. Se o partido tivesse tomado providência, nós não estaríamos discutindo isso. Desde 1932 nós teríamos igualdade", afirmou a juíza mineira.
Direcionando-se à ministra Gallotti, a magistrada respondeu: "Mulher que se põe para concorrer, ela sabe das dificuldades, como nós na hora que concorremos aos nossos cargos, ao nosso espaço público. Isso não desanima porque nós temos compromisso com a história".
Moraes reafirmou que as ações só afastarão aquelas que se submeterem a fraudes.
Cármen Lúcia finalizou sua fala afirmando que "dificuldade nunca foi um problema para quem quer lutar; dificuldade só é problema para quem acha uma vida muito mais tranquila e mansa".
"E eu não tenho dúvida, os senhores homens, pelo menos nessa bancada, tiveram facilidades que eu não tive e nem tenho. Isso não me desanima em ser juíza brasileira. Isso me faz mais comprometida e responsável com outras coisas que não estou vendo. Não se preocupe, mulher só desanima quando não está disposta", encerrou, em resposta ao ministro Araújo.
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O caso
Para os requerentes, havia incontestável fraude à Lei de Costas (nº 9.504 de 1997) em seis candidaturas do PSB no município baiano de Central. Como observado pelo advogado da ação, Thiago Santos Bianchi, todas as mulheres candidatas do partido totalizaram apenas 159 votos, representando grande disparidade com o vereador menos votado eleito, que recebeu 307.
Para além disso, Bianchi enfatizou os recursos investidos e os gastos. Segundo o advogado, todas investiram os valores em santinhos, mas "nenhuma delas foi capaz de juntar um único na instrução probatória".
Não era permitida a distribuição, sob observação da própria Corte. E, com exceção de uma que solicitava votos para outro candidato, nenhuma realizou campanha digital (posts em redes sociais).