Governo muda regras de ressarcimento do ICMS após fraude envolvendo auditores e empresas
Medida da gestão paulista acontece após investigação do Ministério Público e prisão de um auditor fiscal e dois empresários, na semana passada

SBT News
Murillo Otavio
O governo de São Paulo anunciou, nesta terça-feira (19), mudanças no processo de ressarcimento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), após investigações do Ministério Público revelarem um rombo bilionário nos cofres estaduais.
A operação levou à prisão de Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, e de Mário Otávio Gomes, diretor estatutário do grupo Fast Shop. Eles são suspeitos de oferecer cerca de R$ 1 bilhão em propina ao auditor fiscal Artur Gomes para obter vantagens financeiras relacionadas ao ICMS.
Diante do caso, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo anunciou alterações nos processos de ressarcimento, com foco em maior rigidez na avaliação dos pedidos e na redução das transferências de créditos a terceiros.
Além disso, foi revogado o decreto que previa o procedimento de “apropriação acelerada”. A partir de agora, todos os processos passarão obrigatoriamente pelo rito de auditoria fiscal até a conclusão da revisão integral dos protocolos.
Esse mecanismo será reavaliado dentro de uma nova regulamentação, atualmente em estudo por um grupo de trabalho específico, anunciado na última sexta-feira (15).
Entre os aprimoramentos previstos no sistema e-Ressarcimento estão:
- Processamento automatizado para checagem de informações e cruzamento com outras bases de dados;
- Rastreabilidade ampliada, garantindo acompanhamento transparente de todas as etapas do processo;
- Conta corrente digital do e-Ressarcimento, permitindo maior controle e visibilidade sobre os créditos;
- Integrações futuras com novas plataformas de controle, fortalecendo a governança e a capacidade de monitoramento.
O que é crédito de ICMS?
De acordo com a Secretaria da Fazenda e Planejamento, o crédito de ICMS é gerado quando uma empresa adquire produtos, mercadorias ou serviços ligados à sua atividade principal e paga o imposto nessas operações.
Por exemplo, uma fábrica de calçados que compra couro para confeccionar o produto final.
Esse imposto pago na aquisição da matéria-prima gera um crédito que pode ser usado para abater o tributo devido pela empresa ao Estado na venda dos produtos.
Leia também:
+ Brasil fecha acordo sanitário para exportar ovinos vivos à Argélia
+ Dólar sobe e fecha a R$ 5,50 com novos capítulos das tensões entre Brasil e EUA
+ Reforma tributária: futuro do Simples Nacional divide opiniões durante evento em Brasília
Investigações
A Operação Ícaro foi deflagrada na semana passada. E foi conduzida pela Corregedoria Tributária da Secretaria da Fazenda e pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), por meio de promotores do Gedec – grupo responsável por apurar delitos econômicos.
A investigação aponta que o auditor fiscal Artur Gomes orientava empresas em pedidos de ressarcimento de créditos de ICMS, reunindo documentos que eram enviados à Receita Estadual e acelerando procedimentos e autorizações internas.
Em troca de propinas milionárias, essas empresas “furavam” a fila de processos administrativos complexos, que normalmente tramitam de forma lenta, em ritmo comparável ao dos precatórios judiciais.
De acordo com o MPSP, auditores manipulavam processos administrativos para acelerar e aprovar a liberação de créditos tributários.
Em contrapartida, recebiam pagamentos mensais de propina por meio de empresas registradas em nome de familiares.
Segundo as investigações, o suposto líder da fraude, preso em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, teria arrecadado sozinho cerca de R$ 1 bilhão desde 2021.
Artur teria utilizado a mãe, de 73 anos, para lavar o dinheiro das propinas. Em três anos, a empresa em nome dela elevou o faturamento de R$ 400 mil para R$ 1 bilhão. A quebra de sigilos bancário e fiscal da Smart Tax, registrada em nome da mãe do auditor, foi o ponto de partida da Operação Ícaro.
Durante as apurações, os investigadores encontraram centenas de e-mails trocados entre Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, funcionários da empresa e o auditor. Segundo o Ministério Público, as conversas evidenciam um assessoramento clandestino.
As investigações apontam ainda que o mesmo tipo de “serviço” prestado pelo fiscal à Fast Shop também era oferecido à Ultrafarma.
O esquema abrangia todas as etapas do processo de ressarcimento de créditos de ICMS: desde a coleta de notas fiscais e documentos, passando pela elaboração e protocolo do pedido junto à Secretaria da Fazenda (Sefaz), até o acompanhamento e deferimento final.
Conforme a apuração, o auditor chegou a deter o certificado digital da Ultrafarma, o que lhe permitia acessar o sistema da Sefaz e protocolar pedidos em nome da empresa.
Em alguns casos, segundo o Ministério Público, os créditos liberados eram muito superiores ao valor devido e aprovados em prazos significativamente menores do que os previstos pela tramitação regular.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, todo o material apreendido será submetido à perícia. A operação contou com análise de documentos, quebras de sigilo e interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça.
Agora, além da mudança no ressarcimento do imposto, haverá revisão dos processos ligados ao auditor que poderá revelar a participação de outros servidores na fraude.
Essa análise poderá identificar novas concessões irregulares de créditos a outras empresas e até levar à anulação de procedimentos e autorizações de ressarcimento já concedidos.