Década perdida global surge no horizonte das principais economias
"Crescimento da China já puxou PIBs para cima; agora, vai puxar para baixo" diz ex- v.p. do Banco Mundial
Não dá pra dizer exatamente que seja o universo conspirando contra as principais economias, mas que uma década perdida global estaria a caminho, também não dá pra descartar. A avaliação de entidades multilaterais quanto ao crescimento de economias como a China e o Brasil, no horizonte próximo, está embasada em números e na observação de trajetórias não exatamente otimistas para os anos que se seguem.
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Em relatório elaborado pelo Banco Mundial, divulgado recentemente, um "limite de velocidade" de crescimento global é projetado em queda para o nível mais baixo em trinta anos: nada mais do que 2,2% no intervalo entre 2022 e 2030. Ou coisa de 33% do crescimento econômico médio apurado nos primeiros dez anos do século XXI.
Se para observadores brasileiros, até onde possível "habituados" a um crescimento médio da economia girando ao redor exatamente deste patamar há décadas, pode até não soar estranho. Mas é preciso levar em conta que o campo de observação abriga várias das chamadas economias mais maduras, que são a referência e a base de sustentação dos rumos econômicos planetários. Daí não ser exagero cunhar a expressão tão tupiniquim, em versão voltada ao mundo inteiro.
Velocidade e desaceleração
Pra deixar mais claro, a ideia do limite de velocidade é traduzir o máximo de crescimento possível no longo prazo para as economias, sem gerar inflação. O recorte das economias em desenvolvimento, por exemplo, expôs queda acentuada: de 6% ao ano (na mesma referência entre 2000 e 2010) para 4% a.a. E a constatação se dá, conforme levatamento do B.M., num momento em que a suposta "recessão mundial" ainda depende de contas na ponta do lápis pra se saber se virá, efetivamente. Em resumo, se a desaceleração mundo afora chegar, esse pé no freio do limite de velocidade vai ficar mais pesado.
O conjunto de fatores a dar sustentação ao arranque das economias até antes da grande crise financeira global - também conhecida como crise do subprime, nos Estados Unidos - está perdendo força.
Para o ex-vice-presidente do Banco Mundial, Otaviano Canuto, a China é um exemplo. "O peso do crescimento chinês para o resto do mundo emergente foi fundamental. A gente não teria assistido o bom desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro nos dois primeiros mandatos de Lula [2003/2006 e 2007/2010], não fosse pelo fato de a China ainda estar crescendo ao ritmo de dois dígitos". O cenário agora é outro, diz ele. Confira a entrevista completa ao SBT News abaixo.
Diante deste cenário, o economista-chefe do Banco Mundil, Indermit Gill entrega as fichas na mesa da apreensão.
"Uma década perdida pode estar se formando na economia global" - Indermit Gill, Banco Mundial
Dez anos menos
No mesmo caldeirão entram ainda as marcas deixadas pela pandemia de Covid-19, a guerra na Ucrânia e a sequência de altas de juros em economias de grande porte - que está em plena escalada. Tudo junto e misturado, o que resta é olhar adiante e enxergar, já a partir de 2023, um período "desafiador" como resultado de tanta coisa a puxar o crescimento global para menos de 3%.
Não à toa, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, calcula que mesmo melhorando um pouco a perspectiva para 2024, "o crescimento global permanecerá bem abaixo de sua média histórica de 3,8%", sentencia. Não está descartada, na visão de Kristalina, a formação de grupos econômicos rivais: o que deixaria todos mais pobres, diz.
Ao olhar um mundo econômico fragmentado ou apoiado em blocos, a ideia faz pensar numa China de um lado - aqui já mencionada - e, por exemplo, Estados Unidos de outro. Para a executiva, uma alta de 5,2% neste ano está no radar. Calcada, inclusive, no impulso da recuperação do consumo. A inflação que pode advir daí...é outra conversa.
A contrapor a visão estatística e análise técnica desse oceano de possibilidades, por certo vem a calhar uma pitada de sabedoria popular. Por exemplo, aquela que insiste em apresentar um fio de esperança, e que na fala do matuto tão brasileiro fica assim: "Meu filho, não há bem que sempre dure....nem mal que não tenha fim". Parece ser o que resta igualmente da observação dos chefes do Banco Mundial, quando dizem sem meias palavras que é possível reverter o quadro que afere um futuro próximo de sacrifícios.
A saída estaria no incentivo ao trabalho, aumento de produtividade e mais investimento. Tais pontuações estão também na entrevista de Otaviano Canuto, Senior Fellow at the Policy Center for the New South e ex-vice presidente do Banco Mundial. Confira.
Vem aí uma década perdida global?
Otaviano Canuto - Num certo sentido, pode imaginar que há esse risco. Porque o marcante também no relatório, na modelagem do Banco Mundial, é o declínio no ritmo de crescimento do conjunto de países em desenvolvimento. Nas economias de mercado e nas economias emergentes, que também caem significativamente. Essa mensuração é uma espécie de mensuração do limite de velocidade, até onde podem ir essas economias, a economia global e os países nas suas partes. Porque de fato como o relatório realça bem, vc tem algumas mudanças estruturais em curso que vão tornar mais desafiador o crescimento, e particularmente manter o crescimento tão exuberante como foi o das décadas até antes da grande crise financeira global.
Fator importante aí é a evolução demográfica, o envelhecimento das populações, este já é um processo em curso em algumas economias maduras, mas que hoje em dia vc assiste também na China. E quando há um processo desses de envelhecimento das populações, a proporção das populações que está na força de trabalho cai, diminui. Além disso, o ritmo de expansão do produto via ampliação do emprego tende a ser menor. Então esse é um componente importante da estimativa feita pelo BMl. Acho que 50% da queda do crescimento do PIB potencial da velocidade de crescimento decorre disso.
Quanto um país como a China influenciam?
Otaviano Canuto - A China passou agora a uma etapa na sua evolução, no seu crescimento, em que as taxas de crescimento vão ser bem menores do que aquelas das décadas gloriosas. E como eu mesmo abordei num livro lançado em 2010, o peso do crescimento chinês para o resto do mundo emergente foi fundamental. A gente não teria assistido o bom desempenho do PIB brasileiro nos dois primeiros mandatos de Lula [2003/2006 e 2007/2010], não fosse pelo fato de a China ainda estar crescendo ao ritmo de dois dígitos, né. Indiretamente através das commodities que vendemos pra eles.
Só que a China agora deve passar a crescer, tendencialmente, mais proximo de 3 a 4%, não mais com os dois dígitos daquela epoca. E a China, o crescimento da China, teve um peso grande antes e vai ter de novo agora. Além disso, tem o fato de que essa desglobalização, mesmo que relativa , particularmente nos casos dos segmentos intensivos em alta tecnologia e sensíveis a segurança nacional, vão também trazer consequências à economia global. Consequências inflacionárias, consequências de menor eficiência, o crescimento brutal, nas décadas anteriores a grande crise global, decorreram dessa globalização, mas agora a gente tá desglobalizando. Isso, portanto, em conjunto com a
a evolução demografica que mencionei, puxa pra baixo o limite de velocidade em que a economia global pode crescer.
Dá pra evitar este cenário?
Otaviano Canuto - Pra enfrentar essa tendência potencial de menor cresecimento das economias emergentes, o relatorio sugere uma série de políticas. Mais do que nunca vai ser importante evitar os momentos de desequilíbrio macro financeiro, evitar a volatilidade, a oscilação muito grande de taxas de crescimento porque a evidência é clara de quanto mais oscilante for uma economia, menor o nível de investimento que os agentes privados estão dispostos a fazer. Há que se evitar antes de tudo essas oscilações muito grandes na evolução macro economica. Também vai ser importante tentar explorar oportunidades de investimento em infra estrutura verde. Infraestrutura que seja, digamos , amigável, porque a presença e o impacto de fenôomenos derivados da mudança climática são evidentes. Mudou o regime, vai ter maior frequência de secas, inundações, fenômenos climáticos adversos, infelizmente, e países como o Brasil ou outros em desenvolvimento serão relativamente mais atingidos do que os países que emitiram carbono. Essa questão da mudança climática ela é assimétrica e injusta, porque os países responsáveis por botar o carbono lá em cima, as consequências serão principalmente para os outros. Então há que se fazer investimentos para preparar, pra mitigar os efeitos dos fenômenos climáticos adversos que agora se tornam mais frequentes. Esse é um caminho óbvio de coisas que podem ser feitas pelos países em desenvolvimento. Há que se fazer coisas que também permitam o aumento da participação das forças de trabalho.
Pra fazer frente aos efeitos negativos da mudança demográfica. E explorar principalmente o fato de que os serviços, inclusive os intensivos em tecnologia, serão o lugar onde o crescimento vai continuar. Crescimento tanto do lado da tecnologia, da oferta, mas também do lado da demanda. É possivel mitigar o declínio do potencial de crescimento por essas políticas pró ativas. Agora, o dever de casa torna-se ainda mais urgente e necessário por conta da tendência bàsica que é de desaceleração.
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