Morre Jean-Claude Bernardet, crítico de cinema, roteirista e ator, aos 88 anos
Belga foi um dos grandes nomes da teoria e crítica cinematográfica no Brasil; também assinou roteiros e atuou em filmes experimentais e pessoais

Felipe Moraes
Morreu neste sábado (12) Jean-Claude Bernardet, aos 88 anos, um dos maiores nomes da crítica e teoria cinematográfica no Brasil. O falecimento foi confirmado pela Cinemateca Brasileira, onde será realizado o velório neste domingo (13), entre 13h e 17h, em São Paulo. Belga radicado no Brasil desde o fim da década de 1940, o escritor convivia há anos com HIV, câncer e problemas de visão.
Pensador, historiador e professor universitário que ajudou a formar gerações de cineastas e cinéfilos, Bernardet ergueu vasta obra escrita em livros, ensaios, entrevistas e artigos. Também construiu legado particular na prática de cinema, trabalhando como roteirista, ator e diretor.
O artista deixa uma filha, Lígia, fruto do casamento com a professora e pesquisadora Lucila Ribeiro (1935-1993).
Em homenagem publicada nas redes sociais, a Cinemateca classificou Bernardet como "figura central e incontornável do pensamento e da produção cultural brasileira, na historiografia do cinema nacional e parceiro fundamental da construção" da instituição. O texto lembrou a "capacidade excepcional de análise de forma totalizante, acreditando na interlocução entre a crítica e a produção cinematográfica".
A Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) lamentou a morte do escritor e destacou contribuição inestimável para quem escreve sobre audiovisual: "Sem dúvida, inspiração e influência para nós, críticas e críticos de cinema".
O Ministério da Cultura (Minc) também emitiu nota de pesar e prestou solidariedade a amigos, familiares e admiradores: "Um dos nomes mais influentes do pensamento cinematográfico do país".
Escritor, roteirista e ator: carreira 100% dedicada ao cinema
Nascido na Bélgica, Bernardet tinha família francesa e morou em Paris até 1948. Chegou a São Paulo ainda adolescente e começou a frequentar cineclubes e a Cinemateca. Na década de 1950, aprofundou-se na crítica de cinema ao começar a escrever no Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo e outros veículos, como o já extinto Última Hora.

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Perdeu emprego na Cinemateca após golpe militar de 1964, mas seguiu em outras frentes e voltou à instituição em momentos posteriores, ocupando funções diversas. Em 1965, participou da fundação da Universidade de Brasília (UnB) ao criar, ao lado de nomes como o crítico Paulo Emilio Salles Gomes e o cineasta Nelson Pereira dos Santos, o curso de cinema da instituição, o primeiro do país.
Voltando a São Paulo, tornou-se professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), onde fez doutorado. A formação universitária também incluiu passagem pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, nos anos 1970, durante exílio na França.
A trajetória como teórico ganhou um de seus primeiros vultos no livro "Brasil em Tempo de Cinema" (1967), publicação em que fez apontamentos de classe no calor do Cinema Novo, principal movimento cinematográfico do país. A obra acabou provocando controvérsia e até ruptura com nomes do grupo, como Glauber Rocha, autor do clássico "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964), um dos longas analisados no livro.
O Ato Institucional nº 5 (AI-5) provocou aposentadoria forçada da UnB, o que não o impediu de seguir longa carreira acadêmica – aposentou-se da ECA-USP em 2004 – e na escrita de cinema e também de ficção.
Entre tantos livros publicados, assinou títulos como "Trajetória Crítica" (1978), "Cineastas e Imagens do Povo" (1985) e "Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro" (1995). Abertamente homossexual, reuniu memórias em "Aquele Rapaz" (1990) e narrou vivências com a Aids em "A Doença, uma Experiência" (1996).
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Desde sempre, a escrita não se limitou à teoria e crítica. Em 1967, com Cinema Novo ainda no auge, roteirizou o curta documental "Brasília: Contradições de uma Cidade Nova", de Joaquim Pedro de Andrade, e coassinou com o cineasta Luiz Sérgio Person o clássico "O Caso dos Irmãos Naves". Como diretor, comandou o ensaístico "São Paulo, Sinfonia e Cacofonia" (1994) e alguns outros projetos.
Mais tarde, colaborou com a diretora Tata Amaral em três longas: corroteirizou os premiados "Um Céu de Estrelas" (1996), "Através da Janela" (2000) e "Hoje" (2011), filme com Denise Fraga que dramatiza memórias de horrores e lutas da ditadura. Foi consagrado grande vencedor do Festival de Brasília, o mais antigo do Brasil.
Apesar de esparsos trabalhos como ator ao longo da vida, Bernardet passou a levar interpretação como prioridade a partir de "FilmeFobia" (2008), de Kiko Goifman, quando venceu troféu Candango de melhor atuação em Brasília.
Do fim dos anos 2000 em diante, estrelou uma porção de filmes reflexivos, experimentais e pessoais. A lista reúne produções como "Periscópio" (2013), "Pingo d'Água" (2014), "Fome" (2015), "A Destruição de Bernardet" (2016), "Antes do Fim" (2017), "Ulisses" (2024) e "A Última Valsa" (2024), curta que codirigiu com Fábio Rogério.