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MP sobre auxílio-alimentação entra em regime de urgência nesta 5ª; entenda

Em Comissão Mista, foram apresentadas 158 emendas à matéria original; especialistas analisam texto

MP sobre auxílio-alimentação entra em regime de urgência nesta 5ª; entenda
Pessoa retira tampa de panela com alimento (Nenad Stojkovic/Flickr)
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Começará a tramitar em regime de urgência no Congresso Nacional, nesta 5ª feira (12.mai), a Medida Provisória (MP) 1.108/2022, que altera as regras de teletrabalho e as da concessão feita pelos empregadores aos empregados de benefícios no âmbito da alimentação. Em vigor desde 28 de março deste ano, o texto é defendido pela Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), por causa das mudanças promovidas no que diz respeito ao segundo tema, mas, de acordo com especialista, apresenta dispositivos potencialmente inconstitucionais, sendo pelo menos três relacionados ao teletrabalho.

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Em entrevista ao SBT News, o doutor em ciências jurídicas e professor Guilherme Feliciano, do Departamento de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP (FDUSP), explicou que a MP veio com o objetivo de coibir práticas inadequadas observadas e conferir maior segurança jurídica, isto é, corrigir imperfeições, envolvendo o teletrabalho e a concessão dos benefícios -- o auxílio-alimentação previsto no artigo 457, parágrafo segundo, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e o vale-refeição e vale-alimentação do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), instituído pela Lei nº 6.321/1976. Entretanto, afirma Feliciano, "o fato é que, especialmente em relação ao teletrabalho, a Medida Provisória trouxe algumas novidades que certamente trarão muita discussão junto aos tribunais".

Entre elas, diz o especialista, a exclusão do direito ao recebimento de horas extras pelos teletrabalhadores "que trabalhem, por exemplo, por tarefa". "Isto já havia sido feito até de uma maneira mais abrangente pela reforma trabalhista [de 2017], foi objeto de muita crítica e de discussões quanto à própria constitucionalidade da alteração legislativa, e a Medida Provisória poderia ter corrigido este problema e, no entanto, terminou insistindo neste ponto e prevendo que as horas extras serão devidas apenas aos teletrabalhadores contratados por jornada, o que também vai desaguar nos tribunais em muita discussão", completou.

Para Feliciano, sendo possível fazer o controle da jornada do teletrabalhador, ele deveria ter direito às horas extras, pois, conforme a Constituição, "todo empregado tem assegurado o limite de jornada, o direito à desconexão, a partir de uma jornada máxima de oito horas". Em sua visão, então, a distinção feita pela MP entre aqueles que devem receber as horas extras e os que não devem "ofende" a Carta Magna e configura um ponto "que o Congresso poderia e deveria corrigir". Outro dispositivo da MP que, de acordo com o professor, causará "muita confusão" e discussão nos fóruns é "o direito de regência de teletrabalhadores que prestem os seus serviços em outros países, e a possibilidade de que, por exemplo, trabalhador e empregador nesse caso escolham a legislação aplicável [se a estrangeira ou a nacional]".

Para exemplificar, Feliciano citou um eventual caso de um morador de Portugal trabalhando à distância para uma empresa com sede no Brasil e que tenha contratado ele no território nacional. "A Medida Provisória diz o seguinte: em princípio, como ele foi contratado aqui, aplica-se a legislação brasileira, mas as partes podem definir que se aplicará a portuguesa. Esta opção da empregada e do empregador para a escolha da legislação aplicável não tem precedente nas leis brasileiras e causa preocupação. Até porque, não raramente, opções feitas pelo empregado, que é um trabalhador subordinado, acabam derrubadas na Justiça porque se entende que ele não tinha realmente liberdade para escolher. Ou ele aceitava naqueles termos, ou ele não seria contatado ou não seria mantido no emprego", pontuou. Em suas palavras ainda, "seria melhor que a legislação simplesmente dissesse que se aplica a lei brasileira ou, eventualmente, que se aplique a legislação mais benéfica".

O terceiro ponto da MP potencialmente inconstitucional na avaliação do doutor em ciências jurídicas é a garantia da possibilidade de o uso de tecnologias e ferramentas de comunicação não caracterizar, no caso do teletrabalhador, tempo à disposição do empregador; pela MP, só será caracterizado dessa forma se o contrato previr. "Então, basicamente é o seguinte: o indivíduo, vamos imaginar, em teletrabalho, cumpre ali a sua jornada de oito horas e depois continua sendo acionado, por exemplo, pelo seu supervisor imediato, por WhatsApp ou por um aplicativo qualquer de comunicação instantânea. E aí, dando esclarecimentos e recebendo instruções, ele fica mais uma hora. O que a Medida Provisória, no final das contas, está dizendo é que essa uma hora simplesmente não se computa para nenhum efeito", explica Feliciano. Dessa forma, mesmo nesses 60 minutos o empregado não podendo se dedicar à família ou outras atividades do seu interesse, o período pode não dá direito a horas extras, por exemplo.

De acordo com o professor, esse dispositivo "é um equívoco" e também levará "a muito debate judicial", se for mantido pelo Congresso como está, "porque evidentemente esse trabalhador estará em efetiva atividade laboral". O especialista acredita que seria "oportuna" uma revisão desse ponto pelo Parlamento e que a MP será aprovada, com alterações necessárias. No momento, ela encontra-se em Comissão Mista do Congresso. No colegiado, foram apresentadas 158 emendas ao texto original, do Governo Federal, entre as quais uma do deputado Geninho Zuliani (União-SP), que, posteriormente, ele pediu para retirar. Como toda Medida Provisória, a 1.108/2022 tem prazo inicial de vigências de 60 dias e, se a Câmara dos Deputados e o Senado não concluírem a votação dela no período, o prazo é prorrogado automaticamente por mais 60 dias.

Concessão de benefícios

A Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador, por sua vez, espera que a MP 1.108/2022 seja no mínimo aprovada em sua versão original pelo Congresso, porque, diz a diretora-presidente da entidade, Jéssica Srour, traz apenas pontos positivos ao tratar da concessão dos benefícios. Em suas palavras, "não tem um 'perde' para ninguém". Jéssica afirma que o texto implementa o "início de uma regulamentação, com pontos bastante expressivos", sobre o auxílio-alimentação previsto no artigo 457 da CLT, criado pela reforma trabalhista de 2017. Desde aquele ano até a entrada em vigor da MP, acrescenta, essa modalidade de benefício "vinha concorrendo com as existentes no PAT de uma forma muito desigual". "Porque ele veio sem nenhuma regulamentação, sem nenhuma regra. Então o céu é o limite para o auxílio-alimentação, até então. Assim, a gente viu muito desvirtuamento, muito desvio de finalidade, a gente via isso acontecendo no mercado e cobrava o ministério, nós vínhamos cobrando o ministério durante vários anos, desde 2017, para que houvesse a imposição de regras mínimas que fossem".

Agora, com a MP, há uma delimitação para que o auxílio-alimentação seja usado apenas para a aquisição de alimentos, e não para pagamento de outros produtos e serviços; autorização para aplicar multa de R$ 5 mil a R$ 50 mil em estabelecimentos que desvirtuarem o uso dele ou dos vales do PAT; impedimento da prática da chamada taxa negativa (rebate), ou seja, oferecimento de descontos, pelas operadoras de benefícios, no valor de contrato para empresas participantes do PAT; proibição da exigência pelos empregadores ou recebimento por eles, das operadoras, de prazos de rapasse que configurem perda do aspecto pré-pago do benefício; e, entre outras coisas, vedação à exigência ou recebimento pelos empregadores de outras verbas ou benefícios não vinculados com a promoção da alimentação, "no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação".

De acordo com Jéssica, a delimitação e a existência da multa são positivas porque, "a médio, longo prazo, experiência internacional, quando o trabalhador passa a ter um benefício que fica muito em aberto, e aí ele pode pagar qualquer coisa com esse crédito, automaticamente com o tempo ele passa ser considerado um adicional ao salário e ele deixa de ter a isenção e ele deixa de ser percebido como benefício". A manutenção do auxílio-alimentação e dos vales do PAT é considerada importante pela ABBT e pelo governo porque, sem um adicional para se alimentar, o dinheiro seria gasto pelo trabalhador para o pagamento de outras coisas, sacrificando a alimentação -- como, por exemplo, a compra de produtos de menor qualidade apenas por ser mais barato. "Isso, para a população de uma forma geral, a curto, médio, longo prazo, traz enormes prejuízos. É obesidade, que é um problema que a gente já enfrenta, mundial, não é só restrito ao Brasil, e a questão da saúde de uma forma geral. Além da questão da obesidade, outras aí que vêm e um custo absurdo para o governo", afirma a diretora-presidente da ABBT.

O parágrafo segundo do artigo 457 da CLT, que prevê o auxílio-alimentação, diz somente que ele não integra a remuneração do empregado, não se incorpora ao contrato de trabalho nem constitui base de incidência dos encargos trabalhistas e previdenciários. Dessa forma, fala Jéssica, "acabou impulsionando inclusive a entrada dessas novas plataformas digitais, dentro do mercado, porque eles disseram 'bom, o auxílio-alimentação não tem regra nenhuma, vale tudo, eu posso qualquer coisa', então abertamente eles passaram a dizer 'olha, o nosso vale você pode pagar qualquer coisa, a Netflix, pode pagar táxi, faça o que você quiser do valor'". O professor Guilherme Feliciano, da FDUSP, concorda que esse tipo de distorção vinha ocorrendo e, portanto, também reconhece haver sentido na delimitação e na multa previstas pela MP.

"O vale-refeição, por meio de tíquete, não raramente se transforma em um tipo de moeda paralela, para adquirir até mesmo produtos como cigarros, enfim, mercadorias outras que não propriamente ligadas à alimentação do trabalhador. E muitos comércios aceitam estes tíquetes para este efeito, embora se saiba que a finalidade é assegurar itens para a alimentação do trabalhador. Inclusive, nesses tempos digitais, até mesmo se desenvolveu uma startup, um app, que permitia a criação e a utilização de créditos, a partir destes tíquetes, para efeito de compras em geral", pontua.

Já a proibição da taxa negativa é vista como positiva pela ABBT porque, afirma Jéssica, o rebate acaba levando a um aumento no custo da alimentação em um estabelecimento comercial. Sobre a proibição relacionada aos prazos de repasse, a diretora-presidente fala que muitas empresas exigiam períodos maiores do inicialmente apresentado pela operadora, "às vezes para disfarçar ou achar uma forma de contornar a imposição do não rebate". Outra prática que as companhias começaram a instituir antes da MP, diz ela, foi uma "criatividade" para contornar a não possibilidade de rebate ou aumento do prazo de repasse: era exigido da operadora ou recebido dela um desconto sobre outro benefício, como vale-transporte, na contratação daquele voltado para a alimentação. "Então esse tipo de prática também foi travada. Quer dizer, está claro que a partir de agora não se pode mais atuar dessa forma".

Por outro lado, a ABBT trabalhou, com parlamentares, para que fossem apresentadas emendas à MP, visando a fazê-la prever para o auxílio-alimentação o chamado arranjo fechado, já aplicado nas operações do vale-refeição e vale-alimentação do PAT. Nesse arranjo, a operadora não só concede o crédito, mas também credencia o estabelecimento comercial e liquida, diretamente com o estabelecimento, o valor gasto pelo trabalhador. "Isso nós não conseguimos fechar, então se mantém o arranjo aberto. O que significa em última instância isso? Significa que é possível ainda operar com uma bandeira, vamos dizer assim. O cartão ou vale-refeição da empresa X passa a ser empresa X no cartão Visa, por exemplo, ou uma Mastercard. Então o Visa ou Mastercard seriam os credenciadores dos estabelecimentos e seriam eles que fariam a liquidação do valor gasto pelo trabalhador", explica Jéssica.

O bandeiramento, acrescenta, encarece o auxílio, por ser "mais uma figura no meio de uma cadeia", e "não consegue controlar os estabelecimentos comerciais de alimentação ou não alimentação". "Quer dizer, toda essas imposições de que o auxílio-alimentação só deve ser gasto para efeito de alimentação, etc., se você não considera um arranjo fechado, passa a considerar um arranjo aberto, você fragiliza de novo essas regras".

Entre os parlamentares, no mês passado, houve crítica e defesa da MP 1.108/2022. Para o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), o texto retirou incentivos para que as empresas ofereçam refeições no próprio ambiente de trabalho. Já José Medeiros (PL-MT), vice-líder do governo, afirmou que o Executivo prevê, com ela, uma queda nos preços das refeições e alimentos, beneficiando o trabalhador, por causa da proibição da taxa negativa. "Esse desconto hoje é compensado cobrando-se taxas mais altas dos restaurantes e supermercados nos pagamentos com auxílio-alimentação. Isso leva esses estabelecimentos a repassar o custo no preço final para o consumidor", falou o deputado à Agência Câmara.

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