SBT 40 anos: Boris Casoy lembra tempos na emissora e origens dos bordões
Jornalista fez história ao estrear a função do âncora, novidade nos telejornais brasileiros da época
Simone Queiroz
O SBT completa 40 anos na próxima quinta-feira (19.ago). Durante esta semana, vamos rever a história da emissora em quatro décadas: os humorísticos, os realities, o esporte, as novelas e os programas para as crianças. O episódio de hoje trata das cobertura dos fatos jornalísticos, e o entrevistado é uma das estrelas que se destacaram na emissora: Boris Casoy, contratado em 1988 para apresentar o "Telejornal Brasil".
Em entrevista ao SBT, o jornalista falou sobre sua experiência na casa, que foi inovadora, já que a figura do âncora não existia na televisão brasileira. Boris também revelou como surgiram os bordões marcantes.
Confira a conversa na íntegra abaixo:
SBT News: Eu tenho certeza que os telespectadores do SBT estão felizes de te ver na tela do SBT de novo, e você?
Boris Casoy: Cada vez que eu apareço no SBT, agora em entrevistas, eu renovo a sensação de felicidade de ter trabalhado nessa casa que me deu muito prazer, muito prazer!
SBT News: O que te convenceu na época a deixar o impresso, a Folha de S.Paulo, pra trabalhar numa emissora que até então não tinha uma personalidade e uma tradição de jornalismo?
Boris Casoy: Eu tinha sido editor-chefe da Folha de S.Paulo durante oito anos, e naquele instante tinha voltado a fazer o que eu fazia antes, que era a coluna Painel, que era uma coluna bastante lida na Folha. Ela continua existindo com as mesmas características. Eu me senti batendo no teto profissionalmente, eu me cansei. Estava voltando a uma posição anterior, isso não me criava qualquer problema, mas eu não sentia mais o que me conduz, o meu fio condutor é o desafio. Eu não sentia nada desafiante, eu tinha um salário muito bom, boas condições de trabalho, prestígio, tudo que eu queria, tudo que eu precisava, mas eu sentia mais do mesmo.
E aí de repente me aparecem duas figuras, o Marcos Wilson e o Luiz Emediato, que estavam a convite do Silvio Santos, assumindo um novo departamento de jornalismo do SBT. Eles tinham me visto num debate eleitoral, numa ou outra entrevista, e eles achavam que eu podia servir para os objetivos de fazer um jornal que traria ao Brasil uma inovação, que era o âncora, e me propuseram. Eu me senti alvo de um convite que era um desafio, eu titubeei, entrei em férias e durante as férias eu meditei, e então optei pela televisão. Eu não fazia o tipo físico da televisão da época, e a televisão, sob o aspecto de liberdade, estava começando abrir. A proposta era muito boa, então eu me senti de novo desafiado e falei: "Vou tentar, meu principal atrativo é essa coisa do desafio". Resolvi tentar. Não fui ganhando muito mais não, fui ganhando praticamente o mesmo salário que eu ganhava na Folha, mas era uma experiência nova que me renovava também. Valeu a pena.
SBT News: Essa promessa da liberdade, de fazer a crítica, de apontar o dedo quando estava errado, isso se cumpriu efetivamente quando você trabalhava aqui?
Boris Casoy: Olha, se cumpriu total e integralmente, eu jamais no SBT recebi qualquer observação, e a liberdade foi se amalgamando, ela foi se criando com o tempo. O âncora americano, pelo menos naquela época, não opinava, raramente opinava. Você podia contar nos dedos as vezes no ano que o âncora americano opinava. A história do comentário não era exatamente fazer uma crítica ou elogio, era um esclarecimento, e eu achei que o telespectador brasileiro merecia alguns esclarecimentos sobre o aspecto exterior, o que o noticiário parecia e não era, era uma coisa assim, mostrar o que realmente se escondia no bastidor, o que representava aquele fato, como as coisas se contrapunham, então foram aparecendo os comentários, não houve uma decisão de comentar, não houve planejamento de comentários. Inicialmente era um jornal que apenas replicava formalmente, copiava formalmente o jornal americano, a forma que era feito pelo âncora, que não havia no Brasil. E aí os comentários foram criando polêmicas, porque era uma novidade na televisão brasileira. O país estava saindo de um regime autoritário, não havia esse costume de se comentar na televisão. Além da liberdade de falar e comentar, eu tive algo que determina o que é o âncora, que é autonomia. Eu tive a autonomia em relação a direção da emissora, essa autonomia foi total e completamente dada, e eu repito, jamais houve qualquer interferência. E o momento do "Telejornal Brasil" foi um momento de liberdade e autonomia do jornalista da televisão brasileira, o que se contrapunha a concorrência, que era a Globo, que tinha uma audiência de massa, mas não tinha a liberdade que o nosso jornal oferecia como um plus para o telespectador, e assim a gente foi ganhando audiência, assim a gente foi ganhando prestigio, embora a audiência fosse menor do que o Jornal Nacional.
SBT News: Tem alguma reportagem, algum momento especial que ficou marcado pra você, um momento que você acha que foi decisiva a participação da imprensa, do Telejornal Brasil, da sua figura?
Boris Casoy: Eu acho que a figura também se afirmou por causa dos slogans. Eu acho que o momento, o grande momento do jornal foi todo o processo de impeachment, que não acabou em impeachment, ele renunciou, do ex-presidente Collor, acho que ganhou dimensão aí o jornal, com esses slogans que eu passei a usar, que eu acabei inventando, um por querer e outro sem querer. Por querer: "É preciso passar o Brasil a limpo", e sem querer: "Isso é uma vergonha". Esses slogans se encaixaram com os acontecimentos, com a cobertura dos fatos, com o que o país estava sentido, com a indignação popular que havia no momento, eu acho que esse foi o momento do grande salto do telejornal.
SBT News: O "isso é uma vergonha" foi por acaso, como foi?
Boris Casoy: O "isso é uma vergonha" foi um improviso, não tinha planejado, ninguém tinha combinado nada. Nós estávamos exibindo uma reportagem de um pronto-socorro no Recife. Com a abertura, com o fim da censura, os veículos começaram a ousar mais e nós começamos a mostrar o Brasil que até então era escondido. Era um Brasil do otimismo, e começou a se transformar no Brasil da realidade. No pronto-socorro, as pessoas espalhadas pelo chão, não mudou muito, faltava tudo, médicos correndo pra lá e pra cá, péssimo atendimento, e era uma reportagem longa eu não tinha visto, ela foi me impressionando muito, e isso me trouxe a memória o fato que tinha acontecido em 1966, que era o assassinato do Presidente Kennedy. Quando ele foi assassinado, um grupo de pequenas emissoras de televisão norte-americanas encerrou as transmissões e botou um letreiro enorme "shame" (vergonha, em português), se recusava a transmitir, e em protesto colocava o "vergonha" no ar, e eu senti toda aquela indignação, e quando a câmera abriu pra mim, eu disse três vezes, "isso é uma uma vergonha". Eu estava em close, a cabeça ocupando a tela toda. Quando eu saí da bancada e estava me dirigindo para redação, que era distante do estúdio, uma figura do SBT me disse "você invadiu a casa do telespectador e agrediu o telespectador, essa sua atitude em big close de dizer 'isso é uma vergonha' foi uma invasão, uma agressão ao telespectador. Eu fiquei pensando 'pô, prejudiquei o Silvio Santos, acabei com a televisão dele', foi esse o tom da reclamação. E aí quando chegamos na redação, os telefones estavam estourando, as pessoas cumprimentando e dizendo que aquele era o grito que estava entalado na garganta, o grito de indignação contra determinados fatos que aconteciam e infelizmente ainda acontecem no Brasil. E o 'isso é uma vergonha', até hoje quando eu deixo de falar, as pessoas cobram porque ele acaba sintetizando o que está atravessado na garganta das pessoas. Eu não uso o 'isso é uma vergonha' para questões éticas ou morais, é só a questão ligada a fatores que levam a indignação, que acabam sendo a somatória do que as pesssoas querem gritar.
SBT News: Boris, o que é uma vergonha hoje?
Boris Casoy: Eu não gosto de caracterizar uma ou outra coisa, eu não vou premiar com o "isso é uma vergonha" um ou outro fato que os outros vão ficar com inveja. Eu não quero caracterizar um fato, mas as vergonhas nacionais são muitas, a gente conhece, tem quase uma vergonha em cada canto, então fica difícil, e eu não gosto de caracterizar, essa expressão é muito preciosa para mim, o tanto que ela sobrevive por tantos anos para eu pegar e começar a caracterizar pequenas e grandes vergonhas que existem no país, eu não gosto de fazer essa classificação, mas todos sabem que elas estão aí em cada canto.
SBT News: Eu me lembro do tom que você dizia boa noite...
Boris Casoy: Esse boa noite tem uma história. No começo, uma pessoa que trabalhava no SBT, um americano, Rick Medeiros, me chamou e disse "olha Boris, você tá falando um boa noite que não tem nada a ver com as pessoas que estão assistindo, você faz o seguinte, finge que você tá abrindo a porta da sala e as pessoas estão sentadas te olhando, aí como é que você fala boa noite?", e aí ficou esse boa noite.
SBT News: Mande um recado para o telespectador do SBT.
Boris Casoy: Eu queria dizer para você telespectador do SBT, a emissora que eu comecei, que eu ainda tenho a emissora e espero ter para sempre no meu coração, e que devo muito a diretoria e ao Silvio. Eu saí do SBT porque eu recebi uma proposta irrecusável da Rede Record naquela época. Aconteceu uma coisa muito bonita, o Silvio permitiu que eu me despedisse no ar, olha o desprendimento, que eu me despedisse no ar e eu fiz muito emocionado uma despedida com agradecimentos ao SBT. Esses agradecimentos, essa gratidão que eu tenho pelo SBT, pelos seus telespectadores e por tudo que o Sistema Brasileiro de Televisão representa, essa gratidão eu renovo mais uma vez, muito obrigado, e boa noite.
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