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Estudo de caso: O falso diamante gigante da Amazônia

O Comprova está publicando relatos de algumas de suas investigações para mostrar como e por que investigou conteúdos duvidosos encontrados na internet sobre políticas públicas do governo federal

Estudo de caso: O falso diamante gigante da Amazônia
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Em um momento em que a alta no desmatamento da Amazônia provocava tensões entre o governo do presidente Jair Bolsonaro, organizações não governamentais (ONGs) e o presidente da França, Emmanuel Macron, um vídeo de um grande mineral sendo colocado na parte de trás de um veículo circulou nas redes sociais com diversas alegações — todas falsas.

A gravação, visualizada mais de 300 mil vezes até 13 de setembro de 2019 — quando foi publicada a verificação do Comprova —, viralizou como se mostrasse um diamante, ou uma esmeralda, de mais de duas toneladas, apreendido pelo Exército, ou pela Polícia Federal, em uma ONG estrangeira. Algumas postagens detalhavam, ainda, que o mineral havia sido encontrado na Amazônia e que estaria sendo enviado para a França.

Após dias de apuração, a equipe do Comprova chegou à conclusão que nenhum dos elementos mencionados nas redes era verdadeiro: o vídeo mostra, na verdade, um cristal rutilado encontrado por garimpeiros na Bahia e a pedra tinha cerca 400 kg, e não mais de duas toneladas. O Exército e a PF não tinham, por sua vez, qualquer relação com as imagens. O caminho até a origem do vídeo foi, contudo, cheio de desvios.

Passo a passo

Começamos consultando a assessoria de imprensa das instituições públicas envolvidas: tanto a Polícia Federal quanto o Exército negaram que o vídeo mostrasse seus agentes apreendendo uma pedra preciosa, seja um diamante ou uma esmeralda, em uma ONG.

Procuramos, então, especialistas em Mineralogia com a expectativa de identificar a pedra vista nas imagens. Conversamos com professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Museu Nacional. Todos rejeitaram a possibilidade de que o mineral fosse um diamante de mais de duas toneladas.

Os especialistas sugeriram também lugares onde aquele mineral poderia ser encontrado. No entanto, sem mais informações sobre a gravação, eles não puderam concluir qual era efetivamente a pedra. Passamos a nos dedicar, então, a descobrir a origem do vídeo.

Quando acreditamos ter encontrado os autores do vídeo

Em um primeiro momento, submetemos a gravação à ferramenta InVID, que a fragmenta em capturas de tela, permitindo que pesquisássemos registros anteriores destas imagens no Google. Essa busca nos levou a uma publicação feita por um canal de garimpeiros no YouTube.

Por se tratar do registro mais antigo que havíamos encontrado da gravação até o momento, e também porque o canal era composto majoritariamente por vídeos próprios, acreditamos ter chegado à origem do material viralizado. Os donos do canal não forneciam, no entanto, qualquer dado de contato para que pudéssemos confirmar essa informação, o que nos forçou a ser criativos.

Após deixar comentários no vídeo pedindo informações, analisamos os outros conteúdos publicados em busca de pistas. Foi assim que identificamos que grande parte das gravações publicadas pela conta eram do garimpo da Quixaba, localizado perto do município de Sento Sé, na Bahia.

Pedimos, então, ajuda aos nossos colegas integrantes do Comprova no Nordeste, que nos recomendaram procurar estabelecimentos comerciais locais e perguntar se eles conheciam os autores do vídeo, uma vez que o município tinha pouco mais de 40 mil habitantes.

Com esse objetivo, conseguimos conversar com o proprietário de um supermercado local, que afirmou já ter visto o vídeo na Internet, mas que não conhecia os responsáveis pela gravação.

Como a única pista que tínhamos apontava para a cidade de Sento Sé, continuamos insistindo. Depois de algumas tentativas, falamos com uma representante da Prefeitura da cidade, que nos enviou o contato do presidente da cooperativa dos garimpeiros regional — talvez ele conhecesse as pessoas que encontraram a pedra gigante.

No entanto, só conseguimos falar com o garimpeiro com um número de telefone fornecido por um jornalista do Correio, da Bahia, que é um dos parceiros do Comprova. O presidente da cooperativa disse, em mensagens, que tinha certeza que a pedra não vinha da Serra da Quixaba.

Enquanto isso, continuamos assistindo aos outros vídeos publicados no mesmo canal com a esperança de encontrar uma informação de contato, o que finalmente aconteceu. Em uma gravação em que o dono do canal mostrava pedras preciosas que estavam à venda, ele divulgava um número de telefone para possíveis compradores: conseguimos estabelecer contato.

Ao contrário do que acreditávamos, entretanto, ele não era o autor do vídeo. Ao Comprova, ele disse ter apenas recebido a gravação de amigos e não saber quem era o autor das imagens.

Uma nova pista

Para retomar a investigação, fizemos uma segunda busca reversa por outras capturas do vídeo e chegamos a um resultado que não havia aparecido antes: uma matéria de um portal de notícias baiano informando que a gravação havia circulado com alegação de que a pedra tinha sido encontrada na cidade de Nordestina, na Bahia.

Como o vídeo havia circulado bastante, decidimos perguntar à Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) se eles tinham alguma informação sobre as imagens. De fato, a assessoria de imprensa da instituição já sabia sobre qual vídeo estávamos falando e tinha uma nota pronta sobre o assunto.

A CBPM confirmou que se tratava de um cristal rutilado — conforme os especialistas que consultamos adiantaram — e informou que o mineral foi encontrado na cidade de Novo Horizonte, na Bahia. A nota da instituição citava um geólogo local que tinha analisado a pedra. Precisávamos falar com ele para saber mais detalhes sobre o vídeo.

Conseguimos o contato de Osmar Martins com a assessoria de imprensa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia. A ligação para ele durou mais de meia hora. O geólogo falou sobre a descoberta da pedra e contou outras histórias sobre o garimpo de Novo Horizonte.

Ao Comprova, Osmar confirmou ter analisado o cristal visto no vídeo, que avaliou em R$ 1 milhão, e disse conhecer os responsáveis por sua extração. O geólogo disse, ainda, que a pedra tinha cerca de 400 quilos, e não mais de duas toneladas como alegado nas publicações viralizadas.

Ele também forneceu números de processos da Agência Nacional de Mineração (ANM) que comprovavam que ele era o responsável técnico da cooperativa de garimpeiros da cidade. Checamos esses documentos e o registro profissional de Osmar.

Enviamos as informações fornecidas pelo geólogo aos especialistas com quem havíamos conversado antes. Para eles, tanto a identificação do mineral, quanto o local de extração informados por Osmar fizeram sentido.

Não conseguimos, por meio do geólogo, entrar em contato com os garimpeiros que retiraram o cristal rutilado nem com o responsável pelo vídeo. Mas consideramos já ter provas suficientes da verdadeira origem da pedra para publicação.

Quatro dias depois de publicada a checagem do Comprova, o serviço Fato ou Fake conseguiu localizar a Cooperativa de Garimpeiros de Novo Horizonte. O presidente da associação mostrou à reportagem outros documentos que confirmavam que o achado foi feito na cidade baiana, e não na Amazônia.

Conclusão

O conteúdo investigado foi considerado “Falso”. Esta verificação foi feita por Alessandra Monnerat (Estadão) e Maria Clara Pestre (AFP) e publicada pelo Comprova no dia 13 de setembro de 2019 com o título É falso que vídeo mostra apreensão de diamante gigante retirado da Amazônia por ONG estrangeira. A conclusão foi ratificada por Correio, Jornal do Commercio, GaúchaZH, Folha de S. Paulo e Poder360, membros do Projeto Comprova.

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Investigação e verificação

AFP e Estadão participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Correio, Sistema Jornal do Commércio, GaúchaZH, Folha e Poder 360.

Projeto Comprova

Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 24 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição deste ano está dedicado a combater a desinformação sobre políticas públicas. O SBT faz parte dessa aliança.

Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97795 0022.

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