STJ autoriza aborto a menina de 13 anos após Justiça de Goiás negar o procedimento
Defensoria Pública levou o caso à corte superior conforme vontade da adolescente, embora o pai dela discorde da interrupção da gravidez
A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, autorizou, nesta quarta-feira, 25, o aborto legal a uma menina de 13 anos, vítima de estupro, que teve o procedimento negado por decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO). A adolescente é representada pela Defensoria Pública estadual, com quem o pai dela travou uma batalha judicial para impedir a interrupção da gestação.
Maria Thereza apontou, na decisão, tratar-se de “presunção absoluta de violência”. A ministra se refere ao fato de que, pela legislação penal brasileira, é indiferente se há ou não consentimento da vítima. Considera-se estupro presumido qualquer ato libidinoso ou “conjunção carnal” com menor de 14 anos. A pena é de reclusão de 5 a 15 anos. Se a conduta resulta em lesão corporal grave, a pena chega a 20 anos, e, se o resultado é a morte, 30 anos.
"A situação que se apresenta impõe a imediata intervenção desta Corte para fazer cessar o constrangimento ilegal a que se encontra submetida a paciente. "Convém salientar, ainda, que a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia o procedimento de assistolia fetal está suspensa por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes”, escreveu Maria Thereza.
Em troca de mensagens com um conselheiro tutelar, a menina teria manifestado, na 18ª semana de gestação, o desejo de fazer o aborto. Teria falado, inclusive, que faria por conta própria se não conseguisse ter acesso ao procedimento em um hospital. O suspeito do estupro tem 24 anos. Ele seria um conhecido do pai da adolescente. A investigação prossegue na Polícia Civil de Goiás.
Como o caso chegou à Justiça
O hospital onde a menina foi atendida negou o procedimento. A Defensoria Pública, então, entrou com uma ação judicial e conseguiu uma decisão favorável em primeira instância. Inconformado, o pai recorreu. Pediu que a gestação continuasse por mais tempo, para que houvesse mais chance de o feto sobreviver. O TJGO atendeu ao pedido do pai, o que motivou a Defensoria a acionar o STJ por meio de um habeas corpus (HC).
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No HC, a Defensoria cita um parecer da equipe do Hospital Estadual da Mulher (Hemu), em Goiânia (GO). O documento teria atestado o aborto como meio mais seguro para a adolescente do que a antecipação do parto. A equipe médica teria declarado que, como a adolescente ficaria acordada (sem anestesia), ouvir os batimentos cardíacos do feto provocaria a revitimização pelo estupro sofrido.
A autorização do STJ é para que a adolescente seja submetida à assistolia fetal.
Posição do STF
O Supremo Tribunal Federal começou a analisar a assistolia ainda antes de o caso da menina de 13 anos vir à tona. A Resolução 2.378/2024 do CFM - mencionada pela ministra do STJ - havia proibido a realização da assistolia no Brasil. Essa modalidade de aborto consiste na paralização dos batimentos do coração, a partir da injeção de uma substância no líquido amniótico ou diretamente no organismo do feto. O CFM apontou motivos éticos e médicos, além de riscos para a gestante.
Moraes suspendeu a resolução em caráter liminar (provisório e urgente) na Arguição De Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.141, protocolada no STF pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O CFM tentou reverter a decisão com um recurso apresentado ao próprio ministro. Moraes rejeitou o recurso e manteve a suspensão.
O STF ainda deverá proferir duas decisões sobre a ADPF 1141. Na primeira, decidirá se confirma ou não a liminar de Moraes que suspendeu a resolução do CFM. A segunda será na análise do mérito da ADPF 1141. No mérito, o PSOL pede a declaração de inconstitucionalidade da resolução, para que ela perca definitivamente seus efeitos.
O PSOL alega que a resolução do CFM proíbe “sem justificativa clínica, ética ou legal, e pela via ilegítima, um procedimento crucial para a garantia do aborto em gestações acima de 20 semanas, decorrentes de estupro”.
O que diz o CFM
Feticídio por administração de drogas
Na resolução suspensa por Moraes, o CFM proibiu médicos de realizarem a chamada “assistolia fetal”. De acordo com a própria resolução, esse procedimento de “feticídio” consiste em “ato médico que provoca óbito antes do procedimento de interrupção de gravidez, induzido por administração de drogas no feto”. Essas drogas, esclarece o CFM, são injetadas no líquido amniótico, no corpo ou diretamente no coração do feto.
Efeitos colaterais
Ao expor os motivos da proibição, o CFM diz que o procedimento, em si, é seguro, mas há riscos de complicações como infecção materna, internação hospitalar e nascimento com vida em situações não planejadas. O conselho menciona treze estudos científicos para embasar a proibição, entre eles um de 2020 que “evidenciou taxa mais alta de eventos adversos maternos graves em pacientes recebendo drogas feticidas do que naquelas situações em que as mulheres não receberam tais medicamentos”.
Falta de evidências científicas
Segundo o CFM, “embora os defensores da assistolia fetal digam que ela é fundamental para uma melhor satisfação materna”, não há evidências científicas nesse sentido. Para o conselho, ainda que o aborto em casos de estupro seja permitido em lei, o “o procedimento de assistolia fetal é profundamente antiético e perigoso em termos profissionais”, exceto “em situações muito específicas” relacionadas a riscos de morte para a mãe.
Legislação brasileira e internacional
A proibição teve também argumentos jurídicos. O CFM cita, entre outros dispositivos, “o direito inviolável à vida”, previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Menciona ainda a Declaração de Genebra, adotada em 1948 pela Associação Médica Mundial, segundo a qual “será mantido o máximo respeito pela vida humana, promovendo a honra e as nobres tradições da profissão médica, evitando o uso dos conhecimentos médicos para violar os direitos humanos”.
A proibição
Após a exposição de todos esses argumentos, o CFM finaliza a resolução com uma ordem expressa à classe médica:
“É vedado ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”.