STF valida poderes de investigação criminal do Ministério Público
Por maioria, o plenário decidiu, nesta quinta-feira (25), que promotores e procuradores podem investigar crimes, desde que sob supervisão do Poder Judiciário
O Supremo Tribunal Federal considerou, por maioria, nesta quinta-feira (25), constitucionais as normas que autorizam o Ministério Público a conduzir investigações criminais. Ficou decidido que o MP pode instaurar os procedimentos por iniciativa própria, desde que sejam registrados no órgão judicial competente e sigam os mesmos requisitos aplicados aos inquéritos policiais.
A decisão se deu na análise conjunta de três ações, de relatoria do ministro Edson Fachin. Duas delas (ADI 3309 e ADI 3318) foram propostas pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) e uma (ADI 2943) pelo Partido Liberal (PL).
Os autores das ações sustentavam o poder de investigação era privativo das policias judiciárias (civis e federal). E pediram a declaração de inconstitucionalidade de cerca de 30 dispositivos de diversas leis e resoluções que atribuíram ao MP, direta ou indiretamente, essa atribuição.
Os ministros acataram parcialmente os pedidos. Isso porque rejeitaram a declaração de inconstitucionalidade, mas, por outro lado, determinaram que os dispositivos questionados fossem interpretados sempre conforme a Constituição. Na prática, foram impostas algumas condições ao MP, que anteriormente tinham maior liberdade para instaurar e conduzir as investigações.
O plenário destacou que esses procedimentos são instrumentos essenciais à apuração de abusos cometidos por forças de segurança pública. Essa utilidade, apontaram os ministros, é respaldada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Primeira etapa do julgamento
O julgamento começou em plenário virtual em dezembro de 2022. Mas um pedido de destaque levou a análise ao plenário físico. Na época, Edson Fachin votou pela constitucionalidade das normas que regulamentaram as atividades do Ministério Público na condução de investigações.
Ao defender a manutenção dos dispositivos questionados, o relator recordou um julgamento de 2015 no qual o STF já havia reconhecido a constitucionalidade do poder de investigação do MP. Fachin se posicionou contra o que chamou de "monopólio da polícia para a atividade investigatória".
Ainda em 2022, Fachin declarou que o fato de o MP ser parte nos processos criminais (exercendo o papel de acusador) "não coloca em risco o devido processo legal, desde que resguardada a prerrogativa dos advogados", entre outras garantias do réu.
Naquele momento, Gilmar Mendes divergiu do relator, pois defendia a necessidade do controle judicial rigoroso nos procedimentos investigatórios instaurados pelo MP. Acompanharam Gilmar Mendes os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, que votou antes de se aposentar.
Segunda etapa do julgamento
Na quarta-feira (24), na retomada do julgamento, Fachin reiterou a argumentação contida no relatório inicial, porém incorporou ao voto a ponderação que Gilmar Mendes havia feito em 2022, sobre o controle rigoroso pela Justiça. O acréscimo deu resultado a um novo voto, construído a "quatro mãos", como classificou Fachin.
Os dois ministros definiram que as investigações do MP devem seguir os mesmos prazos dos inquéritos conduzido pelas polícias, inclusive com eventuais prorrogações apenas mediante autorização judicial, sendo vedadas "renovações imotivadas ou desproporcionais". No fundamento do voto está a observância do prazo enquanto direito do investigado, exemplificado na obrigatoriedade de conclusão antecipada do inquérito se o indiciado está preso preventivamente. Esse prazo mais curto é para evitar excessos na restrição de liberdade enquanto não há condenação criminal.
A sessão de quarta-feira teve a apresentação do voto conjunto e as sustentações orais de representantes das partes nas ações, além da manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Já nesta quinta-feira (25), a sessão foi dedicada à continuidade da votação.
O voto conjunto foi acompanhado, com alguns ajustes, pelos demais ministros, com exceção do presidente do STF, Luis Roberto Barroso, que não votou porque encerrou a sessão para ir à posse do novo presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), desembargador João Batista Moreira.
Acréscimos
O plenário definiu que, ao abrir qualquer investigação, o Ministério Público deve registrar o procedimento na Justiça de maneira "imediata". A inclusão desse termo foi uma sugestão do ministro Cristiano Zanin, que se manifestou somente na fase de ajustes, pois é substituto de Lewandowski, que já havia votado.
Flavio Dino sugeriu tirar a obrigatoriedade da investigação pelo MP cada vez que houver um tiroteio envolvendo a polícia. Para o ministro, o Ministério Público só deve exercer o controle externo da polícia diante de claros indícios de excesso, para que as forças de segurança não se inibam de cumprir seu papel. Dino propôs ainda que, quando o MP solicitar perícias criminais nessas apurações, os peritos tenham total autonomia técnica para elaborar os laudos.
Dino sugeriu ainda a permissão para que Ministério Público e a polícia investiguem simultaneamente um mesmo crime. O voto conjunto de Gilmar Mendes e Fachin considerava essas investigações excludentes, mas Dino afirmou que, muitas vezes, a soma dos procedimentos produz resultados positivos.
Alexandre de Moraes acrescentou a essa previsão a condição de que as duas investigações estavam sob a tutela de um mesmo juiz. Segundo Moraes, essa cautela impede decisões judiciais conflitantes originadas de magistrados diferentes.
Discordância
O plenário do STF ainda buscam um entendimento comum sobre a necessidade de autorização judicial para prorrogação dos procedimentos investigatórios conduzidos pelo MP. Parte dos ministros segue a visão de Fachin, de que as autorizações judiciais são necessárias independentemente de os investigados estarem presos ou em liberdade. Outra corrente, inaugurada por Flávio Dino, quer que a autorização judicial para prorrogação seja necessária apenas quando o investigado está preso.
Essa questão será discutida na retomada do julgamento, prevista para a próxima sessão, no dia 2 de maio.
Modulação dos efeitos
Outro ponto construído "a quatro mãos" por Fachin e Gilmar Mendes foi a modulação dos efeitos da decisão. Por meio dessa modulação, os dois ministros sugeriram que o registro da investigação no órgão judiciário (agora obrigatório) e o pedido de renovação de prazo para sua conclusão comportam exceções, para permitir a adaptação da decisão do STF aos casos em andamento.
"Assim, a fim de preservar os atos que já tenham sido praticados, julgamos necessário dispensar o registro [das investigações do MP na Justiça] para as ações penais já iniciadas, assim como para as que já tiverem sido concluídas", sugeriu Fachin, com apoio de Gilmar Mendes. "No caso das investigações em curso, mas que não tenha havido a denúncia, o registro deve ser realizado no prazo de 60 dias, a contar da publicação da ata deste julgamento", propôs Fachin.
A modulação também foi acatada pela maioria do plenário, nesta quinta-feira (25).
Conjunto de 8 ações
Além as três ações julgadas nesta quarta, o STF analisa a atuação do MP em seis ações, também incluídas na pauta. Por falta de tempo, os ministros não chegaram a julgá-las, mas elas seguem pautadas para a sessão plenária desta quinta-feira (25).
Em linhas gerais, os autores das oito ações questionam diversas normas estaduais e federais que atribuíram prerrogativas e organizaram as atividades do MP. Além da Adepol, figuram entre os autores a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) e os partidos PL, PSL e PC do B.
Na ação proposta pelo PC do B, discute-se a legitimidade do Ministério Público para celebrar Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com entidades esportivas sem a interferência do Poder Judiciário. Foi nesse processo que o ministro Gilmar Mendes suspendeu os efeitos de uma decisão contra o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ednaldo Rodrigues, reconduzindo-o ao cargo.