Série “Infância Roubada” revela casos graves de violência contra crianças no Brasil
Primeiro episódio mostra agressões cometidas por familiares e destaca consequências e riscos para crianças e adolescentes

Flavia Travassos
Os casos de maus tratos deixam por ano mais de 30 mil vítimas no país. E o agressor, quase sempre, é quem deveria defender essas crianças: os próprios pais.
Foi o que aconteceu com o bebê Bento. “A assistente social ficou… o olho dela encheu de lágrima. E ela disse que nunca viu isso na vida dela”, conta Monique José, prima da criança que morreu com apenas dois meses de vida.
Bento foi levado a um hospital na Grande São Paulo com ferimentos graves. De acordo com Monique, “a criança estava super fraturada, perna, braço, cabeça. A queimadura era completamente criminosa", relembra Monique.
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O delegado Gentil de Oliveira conta que a queimadura acendeu um alerta. "Aquilo nos levou a tratar o caso como maus-tratos e tortura".
O bebê não resistiu e a causa da morte foi traumatismo craniano. “Como é que tem coragem de fazer… é uma criancinha desse tamanho. Nem era formada direito. Eles nasceram de 7 meses. Ele faleceu quando era pra ele estar nascendo”, lamenta Monique.
A irmã gêmea de Bento, Rafaela, também foi agredida pelos pais. Hoje, ela vive em um abrigo, recebendo os cuidados que não recebeu em casa. Segundo o delegado, “ela também apresentava lesões semelhantes às lesões que o irmão Bento possuía, nos braços e no crânio também. Coincidentemente, o mesmo relato, o mesmo padrão”.
O pai, Carlos Roberto dos Santos, de 18 anos, e a mãe, Raquel Oliveira Dias dos Santos, de 19, estão presos e podem pegar até 30 anos de cadeia. Casos como esse fazem parte da rotina da Vara da Infância e da Juventude.
Quem deveria proteger, agride
No ano passado, mais de 60 mil crianças e adolescentes foram vítimas de violência no Brasil. Os registros de maus-tratos ultrapassam 33 mil. Em mais de 90% das situações, o agressor é um parente direto: pai, mãe, madrasta ou padrasto.
“Mãe e pai devem dirigir a educação dos filhos, devem dar as diretrizes da educação dos filhos, mas há limites pra isso. Eles não podem fazer o que bem entendem com os filhos, não podem, por exemplo, agredir os filhos”, pontua o juiz Iberê de Castro Dia.
O juiz reforça que “as agressões contra crianças e adolescentes normalmente acontecem dentro da própria casa e são praticadas por familiares, normalmente por quem deveria educar essas crianças, achando que essa é uma forma de disciplina. Não é, obviamente”.
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Outros casos
Henry Borel, de apenas 4 anos, foi morto em 2021 no apartamento onde vivia com a mãe, Monique Medeiros, e o padrasto, o médico e vereador Jairo Souza Santos Júnior, conhecido como Doutor Jairinho. Ambos estão presos e devem ir a júri popular.
Um laudo do Instituto Médico Legal apontou que o menino sofreu 23 ferimentos e morreu por hemorragia interna e lesão no fígado.
Outro caso que ganhou grande repercussão foi a morte de Isabela Nardoni, aos 5 anos, após ser jogada do sexto andar. O corpo também apresentava sinais de agressão. O pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, foram condenados e cumprem pena.
Cassos como este deixam até quem está acostumado a lidar com situações de violência em choque. “Os pais que, por dever legal e obrigação moral, deveriam zelar pelo bem-estar dos filhos, praticam um crime brutal que nos causou indignação e revolta. Essa ocorrência nos indignou e nos revoltou”, afirma o delegado Gentil de Oliveira.
A violência pode ser repetir por vários anos. Muitas crianças conseguem escapar apenas na adolescência, quando a infância já ficou para trás. Mas como conviver com a lembrança das agressõees?
“Ela vai se tornar uma pessoa muito mais reativa, com muito menos capacidade de autorregulação, com muito mais dificuldade de formar vínculos saudáveis porque cresceu num contexto violento, onde as pessoas que deveriam cuidar dela, amá-la e protegê-la eram as que a violentavam”, responde a psicanalista Fabiana Guntovitch.
“Pessoas que sofrem violências no início da vida têm de três, quatro, às vezes cinco vezes mais chances de desenvolver transtornos de humor, como depressão e ansiedade”, complementa
Qualquer pessoa pode denunciar casos de violência e ajudar a salvar vidas, além de quebrar ciclos familiares que se repetem por gerações. O juiz Iberê de Castro Dias destaca que, quando o Judiciário é informado, a prioridade é retirar a criança do ambiente hostil e punir criminalmente o agressor.








