Gilmar Mendes defende debate sobre pejotização e diz que Brasil precisa se livrar de "amarras do passado"
Ministro do STF criticou a permanência de modelos ultrapassados de trabalho; audiência sobre pejotização foi adiada para 6 de outubro

Caroline Vale
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta quarta-feira (27) que a discussão sobre novas formas de trabalho não pode ficar presa a "amarras do passado".
O decano da Corte destacou que insistir em modelos ultrapassados "gera insegurança jurídica, mina a livre iniciativa e contamina o ambiente econômico em prejuízo do próprio valor social do trabalho".
As declarações foram feitas durante o Seminário Econômico LIDE, em Brasília, que reuniu autoridades como o ministro Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e a senadora Tereza Cristina (PP-MS). O encontro teve como tema "O Futuro do Trabalho e os Novos Modelos Regulatórios".
Audiência pública para discutir pejotização
Mendes é relator do processo que discute a legalidade da pejotização, prática de contratação de profissionais como pessoas jurídicas em substituição ao vínculo formal. O ministro adiou para 6 de outubro a audiência pública que vai tratar do tema.
A sessão, inicialmente marcada para 10 de setembro, foi reagendada por "questões de organização interna" da Corte. A data coincidia com a semana de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas esse ponto não foi mencionado.
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Segundo o ministro, o debate é essencial diante de mudanças intensas no mercado de trabalho. "Mais de 15 milhões de brasileiros atuam hoje como MEIs. 1,5 milhão trabalham por aplicativos digitais. Projeções do Fórum Econômico Mundial indicam que, até 2027, cerca de um quinto das ocupações de hoje serão modificadas ou desaparecerão. Lidar com esse panorama talvez constitua um dos maiores desafios que essa geração enfrentará", afirmou. Ele ressaltou que o STF tem papel decisivo em garantir segurança jurídica nas relações trabalhistas.
"Não se trata, portanto, de uma escolha entre um modelo de trabalho formal ou informal, mas sim entre um modelo com trabalho e outro sem trabalho. Nossa tarefa é compreender como a inovação pode ser incorporada sem retrocesso, mas também sem ilusões", disse.
O ministro também destacou que o Brasil precisa acompanhar a tendência global de flexibilização das normas. "Se a Carta Magna não determina um padrão específico de produção, não há justificativas para preservar as amarras de um modelo hierarquizado, fordista, na contramão de um movimento mundial de descentralização."
Em relação ao futuro da regulação, Gilmar declarou: "O futuro do trabalho já está acontecendo, que possamos nos livrar de amarras e correntes que nos prendem ao passado para incluir o Brasil nesse futuro".
A audiência de outubro reunirá representantes dos Poderes, trabalhadores, empresários e especialistas para discutir regras da pejotização e quem deve comprovar vínculos.
Ações sobre pejotização foram suspensas
Em abril, Mendes suspendeu todos os processos em andamento no país que tratam da legalidade da pejotização. A medida foi tomada no âmbito do Tema 1.389 de repercussão geral, que discute a validade desse tipo de contratação, a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de possível fraude e a definição sobre quem deve comprovar a existência ou não de vínculo empregatício: o trabalhador ou a empresa.
Em sua decisão, Mendes afirmou que havia insegurança jurídica porque a Justiça do Trabalho, em diversas situações, vinha desconsiderando entendimentos já firmados pelo STF.
Para o ministro, essa postura provocava sobrecarga de recursos no Supremo e acabava transformando a Corte em uma instância revisora das decisões trabalhistas, em vez de um tribunal constitucional.
A pejotização é comum em áreas como tecnologia da informação, advocacia, corretagem de imóveis, saúde, artes e serviços de entrega, e ganhou força após a reforma trabalhista de 2017, que permitiu a terceirização.