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Caruru de Cosme e Damião vira patrimônio imaterial da Bahia

Protetores das crianças, santos gêmeos são celebrados no dia 27 de setembro, mas no catolicismo data foi alterada

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Setembro na Bahia é um dos meses de festa, de fé e manifestação cultural. É o mês do caruru, tão aguardado pelos baianos. É quando todos ficam ansiosos por um convite para deliciar um banquete, regado a quiabo e toda a cultura que o cerca.

Sua importância é tamanha que o caruru de Cosme e Damião foi reconhecido como patrimônio imaterial do Estado. A publicação foi feita nesta sexta-feira (27), no Diário Oficial da Bahia, dia dedicado aos santos gêmeos São Cosme e Damião.

De acordo com o catolicismo, Cosme e Damião eram dois irmãos gêmeos médicos e cristãos que viveram na Ásia Menor — onde hoje é a Síria —, entre os séculos 3 e 4. Eles cuidavam principalmente de crianças doentes e vítimas de violência.

O historiador e escritor Luiz Antônio Simas, que estuda festas populares e religiosas, explica que os dois morreram martirizados durante a perseguição aos cristãos, determinada pelo imperador romano Diocleciano.

“Pouco tempo depois da morte surgiram relatos de que eles estavam começando a fazer milagres, aparecendo para crianças doentes para curá-las. E então eles foram muito rapidamente canonizados”, conta.

Além de chef de cozinha e dona de um dos restaurantes de comida baiana mais conhecidos de Salvador, Tereza Paim é devota de São Cosme e Damião e oferece o caruru, anualmente, há exatos 39 anos. “Eu tenho uma relação muito próxima com Cosme e Damião. Em todos os meus empreendimentos quando eu faço a inauguração eu sempre eu ofereço a eles”, relata a chef.

Caruru | Foto: Divulgação/Casa de Tereza
Caruru | Foto: Divulgação/Casa de Tereza

Sincretismo

Aqui no Brasil, o culto aos santos teria chegado com os primeiros portugueses, mas a tradição de oferecer caruru aos gêmeos não tem nenhuma relação com o cristianismo e é totalmente brasileira, surgida a partir do sincretismo com orixá Ibeji, entidade do candomblé que protege os gêmeos e as crianças.

“Na liturgia do candomblé, a comida de Ibeji, é o caruru. Como no Brasil Ibeji e Cosme e Damião foram sincretizados, o caruru de Ibeji acaba sendo o caruru de Cosme e Damião, mas a referência ainda é da cultura africana”, diz Simas.

O caruru é uma comida de oferenda e os eventos acontecem normalmente nas próprias casas dos devotos de Cosme e Damião. A tradição manda servir primeiro sete meninos com até 7 anos de idade e só depois os convidados podem comer.

Foto de Pierre Verger
Foto de Pierre Verger

Nos restaurantes, o dia 27 de setembro também é dedicado ao caruru. “Se for o meu caruru, não faço buffet. O prato como oferenda tem que ser servido montado. Nele tem arroz, feijão fradinho, farofa de dendê, caruru, vatapá, xinxim de galinha, cana e rapadura, porque é uma comida para criança, então, ele já é servido com o doce, tudo no mesmo prato”, afirma Tereza.

O ato de preparar e “dar o caruru” — como se diz na Bahia — está muito vinculado à tradição dos candomblés baianos e também é um elemento da cultura, por isso ele passou a ser considerado patrimônio imaterial da Bahia, segundo o pesquisador.

“Registrar esses elementos das culturas religiosas afro-brasileiras como patrimônio é, sobretudo, salvaguardar uma história fundamental da formação da cultura brasileira”, afirma Simas.

Os estudos para que a iguaria se tornasse um patrimônio foram feitos pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC). Evanice Lopes, vice-presidente da Câmara de Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Natural (CPHAAN) e relatora do processo, que foi aprovado por unanimidade no último dia 19, exaltou a manifestação baiana.

"Não nos deixa dúvidas de que a Festa do Caruru de São Cosme e São Damião é uma das principais e mais antiga manifestação religiosa popular baiana, reunindo características próprias na junção de símbolos místicos e elementos plurais do sincretismo religioso baiano como estratégia de festejar, celebrar e agradecer”, comenta.

Curiosidades

Oficialmente para a igreja católica, o dia de Cosme e Damião, desde 1969, não é 27, e sim 26 de setembro. A data foi alterada porque não se tem registro do dia da morte dos dois. Isso porque no catolicismo, é considerado como o dia do santo a data em que ele morre, por representar um encontro com Jesus Cristo.

Sem a data exata, eles passaram a ser homenageados em 27 de setembro, quando foi inaugurada a basílica dos santos em Roma, na Itália.

“Só que em 1969, o Papa Paulo VI fez uma mudança no calendário católico e como 27 de setembro é dia de um santo muito popular na Itália, São Vicente de Paulo, o Papa colocou o dia de Cosme e Damião em dia 26 de setembro”, explica Simas.

Já para o candomblé, umbanda e religiões afro-brasileiras, continua sendo 27 de setembro, com comemorações particulares, o caruru, por exemplo, está mais ligado à tradição da oferenda, enquanto para a igreja católica prevalece a tradição de fazer promessas para os santos.

Outra curiosidade é a associação dos santos aos doces. Diz a tradição que os gêmeos davam doces para crianças doentes, para que se alegrassem. Então surgiu o hábito de distribuir doces para todas as crianças, que perdura até os dias de hoje.

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