ENGANOSO: Governo Lula assinou acordo de cooperação técnica com Autoridade Palestina, não com o Hamas
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova
Projeto Comprova
ENGANOSO: O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não assinou, em setembro de 2023, um acordo de cooperação técnica com o grupo Hamas. O termo em questão foi celebrado com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em nome da Autoridade Nacional Palestina (ANP), não tendo qualquer relação com o grupo extremista.
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Conteúdo investigado: Vídeo com trecho de discurso do deputado federal Giovani Cherini (PL-RS), em sessão na Câmara dos Deputados, em que o parlamentar afirma que o Brasil está em cooperação técnica com o grupo extremista Hamas. O vídeo exibe o print de um decreto de setembro de 2023 que promulga acordo entre o governo federal e a Organização para Libertação da Palestina ? a qual ele trata como "Autoridade de Libertação da Palestina". Ele alega que o Hamas integra a organização.
Onde foi publicado: Kwai, Instagram e WhatsApp.
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Conclusão do Comprova: O governo federal não firmou acordo de cooperação técnica com o Hamas, diferentemente do que alega um deputado federal. O parlamentar afirma ainda que o vínculo teria sido assinado com a "Autoridade de Libertação da Palestina", entidade que sequer existe.
O decreto nº 11.695, de 11 de setembro de 2023, exibido pelo parlamentar em sua publicação, determina, na verdade, um acordo técnico do Brasil com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em nome da Autoridade Nacional Palestina (ANP). A entidade é controlada pelo Fatah, um partido que é considerado o principal rival político do Hamas, pelo qual foi expulso da Faixa de Gaza em 2006.
Promulgado neste ano, o acordo foi aprovado também pela Câmara dos Deputados, em 8 de novembro de 2012, quando Cherini já era deputado. O parlamentar esteve presente, inclusive, na sessão em que houve aval ao texto. A votação na ocasião foi simbólica, sem registro da relação de votantes. Contudo, o partido dele à época, o PDT, encaminhou voto favorável. Além disso, ele não manifestou contrariedade ao acordo na data.
O parlamentar afirma no discurso que viralizou que a população judaica diminuiu desde que "foi criado, provisoriamente, a Palestina". No entanto, o número de judeus no mundo aumentou desde a Segunda Guerra Mundial.
O acordo em questão pretende promover cooperação técnica em áreas consideradas prioritárias às duas partes, sem especificar quais são elas. Seriam feitas reuniões por via diplomática para estabelecer isso.
A Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, afirma que acordos desse tipo viabilizam o compartilhamento de conhecimentos, experiências e boas práticas entre países, com benefícios econômicos e sociais às duas partes. Atualmente, o Brasil tem parcerias bilaterais semelhantes à que assinou com a Autoridade Palestina com outros 80 países, incluindo Israel.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 19 de outubro, a publicação no Kwai acumulava 3,5 mil curtidas e mais de 1,9 mil compartilhamentos. Na mesma data, a postagem no Instagram tinha 5,8 mil curtidas e havia sido compartilhada mais de 800 vezes. O conteúdo também vem sendo disseminado no WhatsApp.
Como verificamos: A verificação buscou no Google a afirmação "Brasil está em cooperação técnica com o Hamas", o que resultou em links de checagens feitas por outros veículos (Aos Fatos, Estadão Verifica)
Também encontramos nas redes sociais do deputado federal Giovani Cherini a mesma alegação de existência do acordo entre Brasil e Hamas, feita durante pronunciamento em sessão na Câmara dos Deputados, do dia 10 de outubro.
O vídeo original do pronunciamento do parlamentar foi publicado em seu perfil oficial no Instagram. Em 18 de outubro, o deputado divulgou novo vídeo reafirmando a desinformação.
O Comprovou buscou também, via Google, o decreto nº 11.695, de 11 de setembro de 2023, que aparece como print no vídeo compartilhado nas plataformas Kwai, Instagram e WhatsApp. O documento está disponível no Diário Oficial da União, publicado em 12 de setembro de 2023.
Além disso, entramos em contato com o deputado e buscamos eventuais checagens anteriores que tratassem de conteúdos divulgados por ele.
Um levantamento da Agência Lupa de 2022 revelou que Giovani Cherini foi o parlamentar que mais disseminou desinformação sobre o coronavírus em discursos no plenário da Câmara dos Deputados ao longo de 2021. Também no primeiro ano de pandemia, o deputado afirmou, sem qualquer embasamento científico ou plausibilidade biológica, que o câncer do ex-prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB), já falecido, teria sido agravado pelo uso de máscara, "porque as células precisam de respiração".
OLP, Autoridade Palestina e Hamas não são a mesma coisa
Por ser um tema em evidência e que vem sendo utilizado por desinformadores para espalhar alegações falsas ou enganosas, o Comprova já detalhou que a Autoridade Palestina não é comandada pelo Hamas.
O deputado Giovani Cherini faz confusão ao citar a existência da suposta "Autoridade de Libertação da Palestina", que incluiria o Hamas. O acordo técnico foi assinado, conforme destaca o decreto, com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em nome da Autoridade Nacional Palestina (ANP), também conhecida apenas por Autoridade Palestina.
A OLP é um movimento político fundado em 2 de junho de 1964 por um grupo de palestinos no exílio em defesa da causa nacional palestina. Vários partidos integram a organização, entre eles o Fatah, principal líder da OLP, considerado mais moderado e com divergências históricas frente ao Hamas.
A OLP foi criada com o apoio da Liga Árabe, uma organização internacional que representa os países árabes, que dão suporte ainda hoje à causa palestina.
Já a ANP é uma autoridade que surgiu em 1994 como consequência dos Acordos de Oslo, firmados entre Israel e palestinos a contragosto do Hamas. A Autoridade tem poderes investidos pela OLP para atuar como um governo autônomo em territórios do que viria a ser o Estado da Palestina enquanto as negociações pela paz entre os dois grupos se desenvolviam.
Os Acordos de Oslo foram firmados à época com atuação de Yasser Arafat, que foi líder do Fatah, chefe da OLP em um primeiro momento e depois presidente da ANP até 2004, quando morreu.
Apesar de ter surgido com caráter provisório, por um período de cinco anos, a ANP permanece ativa até hoje, enquanto o Estado da Palestina não é reconhecido por toda a comunidade internacional. Atualmente, a ANP é comandada pelo presidente Mahmoud Abbas, também do Fatah. Ou seja, na contramão do que os posts levam a crer, a OLP, a ANP e o Hamas não são a mesma coisa.
A ANP deveria atuar como órgão interino de autogoverno em áreas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, conforme estabeleceram os Acordos de Oslo. Contudo, a autoridade administra hoje apenas a Cisjordânia. Já a Faixa de Gaza está sob controle do Hamas, que expulsou violentamente o Fatah da região em 2006, ao fundar um governo independente da ANP.
O grupo fundamentalista islâmico Hamas é considerado terrorista por países como Estados Unidos, Japão e as nações vinculadas à União Europeia. Já o Brasil, seguindo a classificação da ONU, não reconhece o Hamas como uma organização terrorista. Apesar do posicionamento neutro do país sobre o tema, Lula classificou os ataques recentes do grupo a Israel como "terroristas".
O Hamas foi criado durante a Primeira Intifada palestina, um movimento contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Em sua carta fundadora, de 1988, o grupo rechaça a existência do Estado de Israel.
Deputado participou de aprovação do acordo
O decreto do governo federal que promulgou o acordo, exibido pelo deputado Giovani Cherini, menciona que o texto já havia sido aprovado pelo Congresso Nacional com o decreto legislativo nº 586, de 2012.
Esse decreto legislativo teve tramitação iniciada pela Câmara dos Deputados, com o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 44/2011, que foi aprovado em 8 de novembro de 2012. Na ocasião, Cherini era deputado federal e marcou presença na sessão extraordinária que tratou do texto, entre 385 parlamentares.
O portal da Câmara não exibe a lista de votantes na ocasião, uma vez que a votação foi simbólica. Neste tipo de votação, o presidente da sessão pede que os deputados que aprovam o projeto permaneçam como estão, conforme prevê o Regimento Interno da Casa.
Não há vídeos da sessão disponíveis no portal da Câmara. Há registro, contudo, de que o PDT, partido de Cherini à época, encaminhou voto favorável ao acordo. Apenas um deputado se inscreveu na ocasião como orador para falar do assunto, o delegado Protógenes (PCdoB-SP), que endossou a aprovação.
Deputado cita dados errados sobre população judaica
Giovani Cherini afirma, ainda em seu discurso sobre o suposto acordo do Brasil com o Hamas, que a população judia teria diminuído desde que "foi criado, provisoriamente, a Palestina".
Ele não esclarece, contudo, qual o marco temporal que entende ser o de criação provisória da Palestina, definição que não tem consenso entre a comunidade internacional. Um movimento significativo mais recente sobre o tema é de 29 de novembro de 2012, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) concedeu status de Estado observador não membro à Palestina. Israel e Estados Unidos foram contrários e até hoje mantêm a posição de não reconhecimento da existência de um Estado da Palestina.
Além disso, Cherini não cita a origem dos dados populacionais sobre os quais faz menção. Ele afirma que o número de judeus teria caído de 18 milhões para 15 milhões. A Biblioteca Virtual Judia adota estimativa mais recente, de 2022, de que há ao menos 15.253.500 judeus no mundo, maior número desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, quando foram vítimas do Holocausto.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato pelo e-mail do gabinete do deputado federal Giovani Cherini, mas não obteve retorno até esta publicação.
O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas mais utilizadas por desinformadores é o uso de informações reais de forma distorcida ou intencionalmente fora do contexto para enganar e levar a uma interpretação diferente da verdadeira. A citação do Decreto 11.695/2023 gera uma suposta credibilidade. Nesses casos, é importante buscar fontes confiáveis e seguras para entender o que, de fato, está sendo informado, além de verificar se a alegação é verdadeira ou não.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: A informação de que o decreto citado no vídeo alvo desta checagem seria um acordo entre o Brasil e o Hamas já foi desmentida por Aos Fatos, Estadão e Terra. O Comprova também já mostrou que o Brasil doou R$ 25 milhões à Autoridade Palestina para ajuda humanitária, e não ao Hamas, ao verificar peça de desinformação que faz confusão semelhante entre os grupos.
Investigação e verificação
NSC, CBN Cuiabá e Alma Preta participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Metrópoles, A Gazeta, O Povo, Nexo, Estadão, SBT e SBT News.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
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