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De idas a desfiles a polêmicas: a relação de presidentes com o Carnaval

No governo Bolsonaro, por causa da pandemia, evento ocorreu normalmente em apenas dois anos

Imagem da noticia De idas a desfiles a polêmicas: a relação de presidentes com o Carnaval
Lula faz sinal de positivo com a mão, olhando para pista no Sambódromo da Marquês de Sapucaí (Ricardo Stuckert/PR)
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De José Sarney a Jair Bolsonaro (PL), todos os presidentes da Nova República, iniciada com o fim da Ditadura Militar, se posicionaram em algum momento sobre o Carnaval, seja com ida a desfiles, declarações ou adoção de medida. No governo Bolsonaro, devido à pandemia, o evento ocorreu normalmente em apenas dois anos (2019 e 2020), mas, mesmo assim, o chefe do Executivo federal não deixou de sugerir ter uma visão sobre o tema que difere da apresentada por todos os outros que o antecederam, de 1985 em diante.

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Em 5 de março de 2019, no primeiro ano de governo, ao se referir a uma cena gravada durante o Carnaval de São Paulo, no Twitter, Bolsonaro escreveu: "Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem [sic] virado muitos blocos de rua no Carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conclusões". A postagem teve mais de 3 milhões de visualizações naquela semana e foi classificada como imprópria para menores de 18 anos. Por isso, teve conteúdo restringido. Posteriormente, Bolsonaro perguntou "O que é golden shower?", expressão usada para a prática sexual de urinar no parceiro, que aparece no vídeo compartilhado por ele.

Já no último ano, mesmo tendo passado toda a pandemia se posicionando contrariamente a medidas restritivas e à orientação de prefeitos e governadores para as pessoas ficarem em casa, para conter o avanço da pandemia, Bolsonaro disse, em entrevista à Rádio Bahia, que por ele não teria Carnaval em 2022. Na ocasião, ainda criticou autoridades que permitiram a festa às vésperas da pandemia, em 2020: "Em fevereiro do ano passado, ainda estava engatinhando a questão da pandemia, pouco se sabia, praticamente não havia óbitos no Brasil [à época, o país ainda não tinha registrado seu primeiro caso oficial], eu declarei emergência, e os governadores e prefeitos ignoraram, fizeram o Carnaval. As consequências vieram. Chegamos a 600 mil óbitos. E alguns tentaram imputar a mim essa responsabilidade. Não tenho culpa disso", declarou.

Em outra ocasião, porém, em 2020, Bolsonaro compartilhou uma publicação em agradecimento ao Carnaval de Olinda, em Pernambuco, por supostamente ter sido aplaudido durante desfile de bonecos gigantes, entre os quais havia um representando o presidente, outro, o vice-presidente Hamilton Mourão, e outro, o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. A publicação, feita por uma página com alusão a instrumento de tortura (pau de arara), se referia ao evento como o "maior bloco do mundo", sendo que, na realidade, desde 1994, o posto pertence ao Galo da Madrugada, do Recife, segundo o Guinness World Records, o livro dos recordes. Além disso, pessoas que assistiram ao desfile de bonecos disseram à TV Jornal, afiliada do SBT, ter havido protestos e vaias diante dos que representavam figuras do governo, não aplausos generalizados.

Para o cientista político e mestrando em ciência política Ângelo Mathias, integrante do Observatório de Carnaval (Obcar) -- ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) --, no âmbito nacional, o evento sempre foi usado como narrativa política, e Bolsonaro tem uma relação de "menosprezo" com o Carnaval, mas isso não é uma característica exclusiva dele entre os políticos, "porque, por exemplo, no campo de políticas públicas, a arte carnavalesca só foi reconhecida como arte com a Lei Aldir Blanc em 2020"; 88 anos depois do primeiro desfile, em 1932. Porém, diz Ângelo, diferentemente de todos os outros presidentes da Nova República, o atual tem um "viés reacionário" e, dessa forma, usa "a festa do 'tudo pode' para questionar os costumes e valores dele".

"Porque é cômodo para um reacionário colocar qualquer suposto ato progressista de uma sociedade como alguma coisa agressiva. Então ele vai usar como garantia de capital político. Ele fez eleitores irem também contra esse suposto ato contra os bons costumes", completa.

Ainda dentre os políticos, mas fora dos que já passaram pelo posto mais alto da República, Ângelo cita o ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Republicanos) como exemplo de pessoa que também usou um discurso anti-Carnaval como garantia de capital político. Entretanto, acrescenta, "é só discurso mesmo, porque os nossos representantes entendem que o impacto econômico no PIB, se a festa acabar, pode ter um grande déficit". De acordo com a prefeitura de São Paulo, quase R$ 3 bilhões foram movimentado pelo Carnaval na cidade em 2020. No Rio, R$ 4 bilhões são movimentados anualmente.

Outros presidentes e o Carnaval

Primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar, José Sarney (MDB) escreveu um artigo para o jornal Folha de S.Paulo, em 23 de fevereiro de 2001 -- quando era senador pelo Amapá --, dizendo que "o Carnaval como cultura popular, faz parte de uma identidade nacional que nos afirma". "Preserva valores, costumes, folclore, dança, história, música e passa a ser fonte de inspiração para a criatividade e o talento nacionais. É uma das mais importantes vertentes da identidade do Brasil e dá sustentação a uma maneira particular de ser brasileiro". Ainda em suas palavras, "no Carnaval, o povo brasileiro liberta-se de todos os seus problemas e desníveis, mergulhado numa pura alegria de viver". "Não há raça nem religião nem status social, todos vivem a utopia da igualdade na folia e no jeito Brasil. Até mesmo nas lágrimas de despedida ao som do zé-pereira na noite de terça-feira. Em tempo de globalização, Carnaval neles!", concluiu.

O segundo, Fernando Collor (hoje senador pelo PROS-AL), no ano em que foi eleito presidente, mas meses antes de isso acontecer, foi ao Sambódromo da Marquês de Sapucaí e circulou pela pista fazendo um "V", de vitória, com os dedos, e sendo aplaudido por quem assistia aos desfiles das arquibancadas. Quatro escolas de samba cariocas, naquele ano, tiveram a corrupção como tema de seus enredos. Já no último Carnaval antes da pandemia, em 2020 -- exercendo mandato de senador --, desejou pelo Twitter um "feliz" evento a todas as pessoas. "Curtam a festa na paz e segurança", escreveu.

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Em 14 de fevereiro de 1994, o então presidente Itamar Franco (que teve o PPS como útlimo partido) foi ao sambódromo na Marquês da Sapucaí, na abertura do Carnaval, e, em determinado momento, convidou a modelo e atriz Lilian Ramos para subir no camarote presidencial. Ela tinha desfilado naquele dia. Porém, uma polêmica começou após a profissional ser flagrada sem calcinha ao lado do presidente. Em decorrência do caso, o jornalista Orlando Machado Sobrinho chegou a pedir o impeachment de Itamar, por seu comportamento. No pedido, dizia que Lilian estava "sem calcinha, sem sutiã e sem vergonha" e mostrando a genitália no camarote presidencial. 

Em 1997, quando era embaixador do Brasil em Portugal, Itamar acompanhou desfiles de camarote no Carnaval em Juiz de Fora (MG), cidade da qual foi prefeito. Na Avenida Brasil, estava acompanhado do prefeito Tarcísio Delgado, do assessor em Washington Geraldo Faria e amigos, aplaudiu e acenou para os integrantes das escolas.

Quarto presidente da Nova República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por sua vez, assistiu a desfiles no Sambódromo da Marquês de Sapucaí em 10 de fevereiro de 2013. Na ocasião, disse que entrevista à Rede Globo que adorava samba e que sempre torceu pela Mangueira. "Hoje eu já não sei mais, porque eu fiquei muito tempo longe, mas eu adoro isso, ver essa gente formidável", comentou. Chamou ainda de "incrível" a força e energia dos participantes do desfile da Acadêmicos do Salgueiro.

Já Lula (PT) compareceu com Marisa Letícia ao primeiro dia de festa na Sapucaí, em 22 de fevereiro de 2009. Do camarote, eles acompanharam os desfiles e o casamento de Neguinho da Beija-Flor -- com o petista como padrinho --, e distribuíram preservativos ao público. Foi a primeira vez em 15 anos que o presidente da República voltou à Sapucaí.

Lula distribuindo preservativos na Sapucaí em 2009 (Reprodução/SBT Brasil)
Lula distribuindo preservativos na Sapucaí em 2009 | Reprodução/SBT Brasil

A sucessora de Lula, Dilma Rousseff (PT), também foi ao sambódromo no Rio assistir desfiles, mas quando era ministra-chefe da Casa Civil. O ano era 2010. Segundo o cientista político Ângelo Mathias, o objetivo era "ganhar popularidade durante a pré-candidatura e fazer todos os trâmites possíveis de conversas e acordos que tinha no Rio de Janeiro com o então governador Sérgio Cabral". No sambódromo, no camarote, ficou ao lado do político e da cantora Madonna. Ainda em 2010, chamou a atenção dos foliões e caminhou entre eles, no Galo da Madrugada, em Pernambuco. Posteriormente, em 5 de fevereiro de 2016, como presidente, Dilma pediu que todos aproveitassem os dias de Carnaval "da melhor forma". "São dias de imensa alegria e celebração no Brasil. Isso é uma característica nossa." Ainda no discurso, chamou a festa de "verdadeira celebração da vida".

Por fim, Michel Temer (MDB), em discurso na cerimônia de posse de Sérgio Sá Leitão como ministro da Cultura, em 25 de julho de 2017, pontuou: "Você sabe que o Carnaval faz parte da cultura brasileira. Da cultura e do turismo". Pouco depois, acrescentou: "Há pouco eu recebia os senhores presidentes das escolas de samba, que estarão contigo logo às 15h. Ajude-os. É preciso ajudá-los com o apoio do governo, trazidos que foram pelo deputado Pedro Paulo e pela Cristiane Brasil, que é entusiasmada pelo tema". Em 19 de dezembro daquele ano, o governo federal anunciou ter cumprido compromisso assumido com as escolas de samba cariocas e que destinaria R$ 8 milhões para o Carnaval de 2018.

Importância do Carnaval

Segundo Ângelo Mathias, "o Carnaval é a potencialização da voz de uma comunidade". "Toda uma escola de samba está envolvida naquele desfile. Então como você passa como a narrativa política ali, é a comunidade gritando o que ela acha. Ela pedindo direitos, ela pedindo mais saúde, mais educação. A importância do Carnaval, do desfile carnavalesco é essa". Dentre os inúmeros sambas-enredos na Nova República, houve homenagens e críticas a quem já passou pelo Palácio do Planalto. A Gaviões da Fiel, de São Paulo, homenageou Lula em 2012, com Verás Que o Filho Fiel Não Foge À Luta - Lula o Retrato de Uma Nação. O ex-presidente chegou a agradecer, em vídeo.

Em 12 de fevereiro de 2018, Temer, por outro lado, foi retratado como vampiro em um dos carros alegóricos da Paraíso do Tuiuti, que, em tom de crítica, recontou a história da escravidão no Brasil. Já Bolsonaro foi criticado implicitamente em dois enredos em 2020: no da Mangueira -- "Favela, pega a visão/ Não tem futuro sem partilha/ Nem messias de arma na mão" --; e no da Portela -- "Índio pede paz, mas é de guerra/ Nossa aldeia é sem partido ou facção/ Não tem bispo, nem se curva a capitão/ Quando a vida nos ensina/ Não devemos mais errar". Outra crítica ao atual presidente veio por meio de uma escultura do palhaço Bozo, com a faixa presidente e fazendo "arminha" com a mão, no desfile da Acadêmicos Vigário Geral, em 22 de fevereiro de 2020.

Em relação aos blocos de rua, além da homenagem a Bolsonaro com o boneco em Olinda, em 2020, que contou ainda com um bonequeiro vestido camiseta com a frase "É melhor Jair se acostumando" estampada e escolta policial para impedir a destruição do boneco por foliões em protesto, houve outras para Lula em 2018, como a do bloco "Os Lulas e as Marisas", em Santa Cruz, no Rio Grande do Norte.

Pré-candidatos e a folia

Os outros principais pré-candidatos à Presidência na atual corrida, que não Lula e Bolsonaro, também já se posicionaram sobre o Carnaval nos últimos anos. O ex-juiz Sergio Moro (Podemos), que chegou a ser homenageado ainda com um boneco gigante em Olinda num desfile em 8 de fevereiro de 2016, desejou "bom Carnaval a todos os foliões", em 2020, ao compartihar imagens de seu boneco ao lado do representando Bolsonaro, na cidade pernambucana. Na mesma publicação, brincou: "Não consegui ir ao Carnaval de Olinda, mandei representante". O ex-governador Ciro Gomes (PDT), por sua vez, esteve no mesmo desfile do Galo da Madrugada, de 2010, que Dilma compareceu. Já o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acompanhou a folia no Anhembi em 2017, 2018 e 2020. Nas duas primeiras ocasiões, dissse que a festa estava "linda". No último ano, falou que o Carnaval em São Paulo estava "contagiante". "Tanto no sambódromo como nas ruas, milhões de foliões, de todas as partes do Brasil e do mundo curtindo o altíssimo nível das nossas escolas de samba e dos mais de 600 blocos de rua. Viva a alegria, viva o Carnaval de SP", completou.

Ainda naquele ano, ele foi à festa na Sapucaí também. No local, disse a jornalistas que críticas como a escultura do palhaço Bozo, no Carnaval, "não é a forma mais adequada". "Carnaval é para você se divertir, para você estabelecer as referências culturais de um país, de uma nação de um povo", opinou.

Refletindo sobre se a ida de um presidenciável a desfiles de Carnaval, na Nova República, pode lhes render votos, o cientista político Ângelo Mathias disse que "não, porque apesar de ser a maior manifestação popular e a maior festa popular do mundo, o Carnaval na Nova República é gerido por políticos locais, como prefeitos e, no máximo, governadores". O especialista acrescenta, porém, que "sendo a maior manifestação popular, a maior festa popular do mundo, que representa muito bem o Brasil lá fora, deveria ter também investimento nacional nesse tipo de festa".

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