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Brasil

644 milhões de crianças no mundo vivem em situação de pobreza

Vulnerabilidade social afeta estudo, desenvolvimento pessoal e agrava as desigualdades na educação

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Crianças indo para a escola
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Nyawala, 52 anos, mora com a sua neta de 9 anos em um campo de refugiados no norte de Uganda. As duas fugiram do Sudão do Sul, durante uma crise no país. A neta de Nyawala perdeu anos de escola por conta do conflito e, assim como sua vó, não tem muitas perspectivas de finalizar os estudos, o que ditará seu futuro pelos próximos anos. A história das duas dá vida aos dados alarmantes do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) de 2021, divulgados pela Oxford Poverty and Human Development Initiative da Universidade de Oxford em conjunto com o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), no último domingo (7.nov). 

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Longe de ser um caso isolado, a família de Nyawala é acompanhada por mais 481 milhões de outras que também têm crianças fora da escola. Ao todo, 644 milhões dos 1.3 bilhão de pessoas em situação de pobreza são crianças abaixo de 18 anos.  

Índice de Pobreza Multidimensional 

Atualizado anualmente, o IPM mede a proporção de pessoas pobres em mais de 100 países em desenvolvimento - Brasil entre eles. Uma pessoa é considerada multidimensionalmente pobre caso seja privada de 3 ou mais dos 10 indicadores considerados essenciais pelos pesquisadores e que estão divididos em três blocos: saúde, educação e qualidade de vida.  

O fato de 21,7% de a população estar nesse grupo de vulnerabilidade social tem culpado, segundo Beatriz Schulthess, membro do Conselho da Liga Internacional de Mulheres pela Paz e Liberdade (WILPF, em inglês) e representante da ONG nas Américas. "O sistema mundial fez com que eles se tornassem pobres e continuem pobres. O atual sistema de governo, e também os tomadores de decisão, para mim, todos eles são culpados.". 

Ela alerta, entretanto, que a forma como o índice é feito, leva em consideração parâmetros ocidentais dos quais muitas comunidades não se encaixam. "Mesmo dentro da ONU, eles não percebem que a pobreza precisa ser medida dependendo de onde as pessoas vivem e ao o que elas têm acesso.". Para Schulthess, essas pessoas passam a ser pobres no momento em que perdem suas terras.

"No passado, quando eu fazia workshops onde realmente analisávamos a pobreza levando em consideração a realidade local, questionei um dos membros locais que me disse 'Não, enquanto tivermos nosso território, nossa terra, acesso a nossa terra, não seremos pobres.' ". 

IPM e a educação 

Os efeitos na educação infantil, no entanto, são alarmantes, e o índice ainda não prevê os efeitos que a atual crise socioeconômica e de saúde global causada pela pandemia da Covid-19 terão no acesso à escolaridade.  

"Com a pandemia, você vê uma grande disparidade entra a educação que as crianças recebem na Noruega, Suécia, e outros países nórdicos - por exemplo, o sistema educacional não parou por causa da pandemia, eles estavam acontecendo e continuam - em nossos países (em desenvolvimento) a educação foi interrompida. Eles perderam pelo menos um a dois anos, ficando para trás.", analisa a representante da WILPF. "Não há absolutamente nenhuma igualdade em todo o mundo", finaliza.  

A educação é parte integrante do desenvolvimento humano e instrumental para quebrar os ciclos intergeracionais de pobreza. Permitir que tantas crianças quanto possível continuem sua educação é, portanto, a chave para evitar o agravamento das desigualdades e desvantagens. Experiências de emergências de saúde anteriores, no entanto, sugerem que muitas dessas crianças, especialmente aquelas nos países mais pobres, podem nunca mais voltar para a escola, aponta o estudo da PNUD. 

Educação no Brasil 

Segundo o coordenador de políticas educacionais da Todos pela Educação, Ivan Gontijo, o acesso à educação no Brasil é um processo já universalizado. Dessa forma, as maiores dificuldades do país frente à educação estão na aprendizagem dos alunos. Atualmente, segundo relatório da Todos pela Educação, o sistema de ensino brasileiro ainda produz fortes desigualdades sociais, sejam elas baseadas por níveis socioeconômicos ou por raça/cor.  

Ao se analisar as disparidades raciais do ensino entre brancos e pretos, nota-se que na última década, as desigualdades cresceram em todos os anos escolares de análise (5º ano do Ensino Fundamental, 9º ano do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio). Para Silvio Almeida - advogado, filósofo e professor universitário -, há culpados para essa discrepância no ensino: "muito do que a gente está vivendo hoje é resultado da fragilidade de um Estado, de uma sociedade, que constrói instituições que tratam do racismo, mas que não combate os elementos que dão forma e figura para o racismo". Segundo ele, há a necessidade de a Educação se questionar como uma instituição que funciona a partir de uma lógica racista. 

Dados sobre aprendizagem adequada nas matérias Língua Portuguesa e Matemática
no 5º ano do fundamental | MEC/Inep/Saeb/ Todos pela Educação

Já sob a ótica socioeconômica, o ensino no Brasil também evidencia uma diferença na educação entre os alunos de classes socioeconômicas mais baixas e mais altas. Apesar de os níveis de aprendizagem nesses diferentes grupos ter aumentado, esse fator não gerou uma mudança na disparidade entre eles, por exemplo: no 5º ano do Ensino Fundamental, entre a camada de estudantes mais pobres e a camada de estudantes mais ricos, há uma diferença de 52,3% no nível de aprendizado adequado para Língua Portuguesa; em Matemática, essa diferença é de 52,7%. 

Impactos no país 

Ivan Gontijo afirma que a educação de qualidade é essencial para um país. "A educação ela não vai resolver todos os problemas do Brasil, longe disso, mas sem ela a gente não vai conseguir resolver os nossos problemas mais estruturais que são a desigualdade, crescimento econômico baixo", afirmou o coordenador.  

Contudo, o investimento público em educação no Brasil ainda é consideravelmente baixo em comparação aos melhores sistemas educacionais do mundo. Apesar de o país investir 6,3% de seu PIB em Educação, ainda há uma disparidade na destinação desses recursos, em que, o gasto no Ensino Superior é 3,8 vezes maior que o da Educação Básica, já nos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) essa diferença é de 1,8 vezes. 

Pandemia e a educação 

O Brasil foi um dos países que permaneceu com as escolas fechadas por mais tempo no mundo por causa do novo coronavírus. Contudo, os números oficiais ainda não permitiram mostrar as consequências pelo fechamento das escolas durante a pandemia por covid-19. 

Entretanto, pesquisas conduzidas por outras instituições e órgãos já alertam que as desigualdades presentes antes do novo coronavírus foram reforçadas com a chegada da doença. Um estudo produzido pelo Instituto Unibanco em parceria com o Insper estima fortes defasagens em Matemática e Língua Portuguesa. Já o Unicef prevê risco do país regredir duas décadas no acesso à Educação. 

Caminhos para mudança 

"A gente precisa melhorar com a qualidade. Só que, cada vez mais está se consolidando que qualidade só é qualidade se for para todo mundo", afirmou Ivan Gontijo. Segundo o coordenador, para que haja uma correção nas desigualdades da Educação no país, é necessário destinar mais recursos para as escolas que atendem estudantes de níveis socioeconômicos mais baixos. Além disso, é preciso garantir que os profissionais mais preparados vão para as escolas mais carentes, de forma a ajudar os estudantes que mais precisam. 

"[combater as desigualdades] envolve comprar brigas, envolve colocar o estudante, principalmente o estudante mais pobre, no centro da agenda de políticas públicas", complementou Gontijo. 

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