A covid no sertão baiano: pandemia levou mais gente para a extrema pobreza
4 em cada 10 baianos está na linha da pobreza; com altas no gás e nos alimentos, comer virou desafio
A comunidade de Saco Grande fica a cerca de 10 quilômetros da área urbana de Heliópolis, no sertão baiano. É onde vive Josefa Santos, mais conhecida como Dona Ninha. Ela e tantos outros moradores enfrentam uma série de dificuldades. A maior delas, a fome. Às vezes, um único alimento é servido no almoço e no jantar. Dona Ninha até tem um fogão a gás em casa, mas como o botijão está vazio e não há dinheiro para comprar um novo, é no fogão a lenha que ela esquenta o feijão. "Só tem o casco do 'bujão', mas não tem condições de trocar, aí a gente vai buscar lenha para poder cozinhar", diz a dona de casa.
Em cima da mesa, encontramos 12 contas de luz atrasadas. É que, para Dona Ninha, nesse momento, é mais importante cortar a fome. "A gente tem que escolher ou comer ou pagar o cartão de energia ou pagar o 'bujão'." Normalmente, nesses povoados, os moradores aproveitam o terreno ao redor da casa para plantar. Eles cultivam milho, feijão, abóbora, batata. Não é para vender. Os alimentos vão parar no prato. É o que eles têm para comer.
A situação econômica, que já era difícil, principalmente no Nordeste do Brasil, ficou ainda pior durante a pandemia. De acordo com o IBGE, a Bahia é o estado com maior número de pessoas extremamente pobres. No levantamento divulgado em 2020, quatro em cada dez moradores estavam na linha de pobreza. Um em cada dez, abaixo desse patamar, com renda menor que R$ 148. Gente que não tem o que colocar na geladeira.
Dona Marta, outra moradora da cidade, também nos recebeu em casa. Ela fez questão de mostrar a geladeira. Só havia água e poucos legumes. "Tá tudo caro, mas o que está mais caro é arroz, porque aumentou muito. A gente comprava uma cesta no valor de R$ 85 e hoje em dia não compra mais, é cento e tanto", conta.
A esperança por dias melhores está em um dos 9 filhos. Cleidiane, 22 anos, decidiu ir embora de Heliópolis. A jovem vai tentar a vida como babá na maior cidade do país. Perguntei por que ela havia tomado essa decisão. Cleidiane disse, chorando, que as coisas no sertão não estão nada fáceis e que ela quer se mudar para São Paulo com o objetivo de ajudar a família.
Até o artesanato, umas das atividades que mais movimentam a economia naquela região, foi atingido pela pandemia. De repente, deixou de ser a principal fonte de renda de muitos moradores. Com a queda no número de turistas, a venda de peças feitas pelos artesãos despencou. O marido de Jucileide Joana de Jesus agora trabalha em um bar. Ela, vende churrasquinho.
"Fomos embora de Heliópolis pensando na Dona Ninha. Não bastasse a situação de miséria, ela também enfrenta um câncer no colo do útero, descoberto há 2 anos. Ela até começou o tratamento, mas precisou parar."
Indignada com a situação de quem vive tão isolado, como a Dona Ninha, nossa equipe de reportagem voltou para São Paulo determinada a pedir para que a Secretaria Municipal de Saúde de Heliópolis desse suporte à dona de casa, que precisa de acompanhamento médico. Foi o que nós fizemos. Recebemos a informação de que o transporte para levá-la ao hospital em Salvador será disponibilizado e que a situação será acompanhada de perto. Só nos resta confiar que Dona Ninha vai sair dessa.
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