Escassez de chuva prejudica produção agrícola e pode aumentar preços
Milho é um dos produtos mais afetados, com expectativa da redução da colheita em 10 milhões de toneladas
A escassez de chuva que levou o Governo Federal a criar a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG) e que pode provocar uma paralisação da hidrovia Tietê-Paraná já prejudicou também a produção agrícola, e mesmo se por enquanto os consumidores brasileiros não perceberam produtos -- como milho, hortaliças, café e cana-de-açúcar -- pesando mais no bolso, a tendência é que isso aconteça nas próximas semanas ou meses. Entre os motivos específicos estão pelo menos dois: o fato de a água proveniente diretamente de precipitações ser a mais utilizada nas lavouras e o aumento no custo de produção em decorrência da subida do valor da conta de energia elétrica.
Segundo o coordenador de sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Nelson Ananias Filho, da água utilizada na agricultura, cerca de 90% é "de chuva, os outros 10% água suplementar, que é aquela de irrigação". "Na questão do uso dos recursos hídricos, ainda não teve um impacto, até porque a água que é utiizada e outorgada, ou seja, autorizada para ser captada para irrigação, ela ainda não foi indisponibilizada. Então ainda existem reservas para o uso da água em irrigação suplementar", disse em entrevista ao SBT News.
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Porém, ainda segundo ele, existe uma preocupação de que mesmo nesse caso pode haver restrições, pois "a água que é outorgada para irrigação ela não é prioridade, ela não se constitui prioridade, que é o abastecimento humano, a dessedentação animal, e ela é precária". Além disso, Nelson aponta que 20% do custo de produção pela irrigação é composto pelo quantia gasta com energia, "então aumentar a conta de energia elétrica causa impacto".
O professor Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGVAgro), também ressalta que "energia elétrica mais cara encarece a produção para o produtor, o que tem que demandar alguns ajustes que podem levar a uma oferta menor de produtos". Outra forma pela qual a falta de chuva poderá incidir negativamente na agricultura, relembra Felippe, é pela queda na navegabilidade da hidrovia Tietê-Paraná, importante para o escoamento dos grãos.
Até o momento, de acordo com o professor Felippe e o diretor de comercialização e abastecimento do Ministério da Agricultura (MAPA), Silvio Farnese, o cultivo de milho foi o mais prejudicado pela atual escassez de chuva. A seca -- somada a um atraso constatado no plantio --, explica Farnese, fez com que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) já revisasse a estimativa de colheita da safra 2020/2021, de 106,4 milhões de toneladas para 96,4 milhões.
Segundo ele, o mercado já vem precificando a queda na produção e "nós estamos percebendo agora os produtores que tem milho retendo venda, o que é normal". "O mercado está ainda indefinido, eles estão esperando para poder ofertar. Então cria aparentemente nesse momento um sentimento de falta de milho, mas o que acontece é uma retenção pelos produtores, esperando ver como o cenário vai se fechar, se os preços vão subir mais", completou.
E devido às geadas registradas recentemente no sul do país, é esperada mais uma alteração negativa nas expectativas para a colheita. O diretor de comercialização e abastecimento do MAPA afirma que a Conab está avaliando os efeitos do fenômeno atmosférico.
Soluções para o período seco?
Nas palavras do coordenador de sustentabilidade da CNA, "a irrigação é a solução para todo esse problema, para que esse problema de escassez ele não se repita novamente". "Essa reservação e destinação de água para energia elétrica, ela que é a ação que o governo tem tomado através da MP [Medida Provisória] 1.055/2021, preocupa o setor, uma vez que água para geração de energia elétrica ela é importante, mas não é essencial, você tem outras formas de geração de energia", disse.
Ainda de acordo com ele, "a água para a agricultura é insubstituível. Se você não tem água, você não tem plantio". Nelson avalia que, para ajudar o setor, a curto prazo, o governo deve manter as outorgas de irrigação. "Em médio e longo prazo, a agricultura ela entra como solução nesse processo, porque é dentro da propriedade rural que se reserva a água. Se a gente tivesse reservado água e tivesse, dentro da propriedade rural, barramentos licenciados, autorizados, responsáveis pela melhoria da oportunização do uso dentro da propriedade, uma vez que você tem ela represada dentro da propriedade rural, você melhora a recarga de aquífero, você melhora a perenização do rio", completou.
Refletindo sobre o que pode ser adotado para evitar que futuras escassez de chuva venham a prejudicar a agricultura, Silvio Farnese, por sua vez, pontuou que não há muito o que fazer. Mas lembrou de um velho chavão: "a agricultura é uma indústria a céu aberto. Segundo o integrante do MAPA, aprimirações do serviço de meteorologia ajudam, em muito, os produtores na hora de tomar uma decisão. "Porque começa a olhar um pouco mais a frente e começa a ver qual é a perspectiva climática e, na hora do plantio, ele pode tentar minimizar que a plantação chegue num momento de escassez de chuva", afirmou.
O pesquisador da FGVAgro concorda que, ao menos no curto prazo, praticamente não há o que ser feito. "O uso da água para a agricultura que está fazendo o volume de água do rio ficar menor é simplesmente falta de chuva. É simplesmente um período de seca mais apertado. O desconfortável é que esses períodos de seca mais apertados, que antes eram eventos raros, estao acontencendo com uma frequência maior, o que está dentro daquele grande quadro que a gente chama de mudanças climáticas", concluiu Felippe Serigati.