Conheça agroflorestas que produzem cacau e açaí no Pará
Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu, no estado, busca conscientizar os cooperados a praticarem o Sistema Agroflorestal em suas propriedades agrícolas
Um modelo de produção agrícola que vem sendo testado em diferentes estados brasileiros, como Goiás e Bahia, e se apresenta como uma alternativa à monocultura se consolidou em Tomé-Açu, no nordeste do Pará. Trata-se do Sistema Agroflorestal (SAF), ou agrofloresta, em que determinada cultura agrícola é cultivada com outras plantas, imitando uma floresta.
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Ele avança bastante em áreas degradadas, conserva o solo, contribui para a biodiversidade, tem grande potencial de sequestro de carbono da atmosfera, contribuindo para frear as mudanças climáticas, e promove a sustentabilidade do sistema produtivo.
O Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu, também chamado de SAFTA, começou a ser desenvolvido na década 70, quando o monocultivo de pimenta-do-reino era forte na região e a fusariose, doença infecciosa provocada por fungos do gênero Fusarium, devastou as plantações. Diante do cenário, viu-se a necessidade de começar um novo tipo de cultura, em outro sistema que pudesse ser mais sustentável, e assim iniciou a formação dos SAFTAs.
A história é contada por Orleans Mesquista, coordenador do Conselho Fiscal da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (C.A.M.T.A) e proprietário de uma fazenda que tem SAFTA com cacaueiros e açaizeiros, visitada por jornalistas do SBT News e outros veículos, na cidade, no último dia 4, como parte do curso "Programa Agronegócio em Perspectiva" — fruto de uma parceria entre a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) e a Fundação Dom Cabral.
Ele ressalta que o Sistema não tem uma "receita de bolo", podendo ser composto por "cupuaçu, cacau, pimenta-do-reino, açaí e várias espécies florestais". O seu foi implantado em 2015, numa área em que até aquele ano era uma pastagem. "Começou com o açaí, pimenta-do-reino, e depois foi inserido cacau clonal e o bacuri. Então nós temos um sistema bastante diverso aqui onde estamos preservando espécies da Amazônia", pontua.
Atualmente, a C.A.M.T.A tem 160 cooperados. As propriedades variam deles variam de 100 hectares a 500 hectares. Todos têm SAFTAs, e outros produtores locais não cooperados também adotam. De acordo com Orleans, em Tomé-Açu, o cacau é todo produzido nesse Sistema. Ele salienta que é possível que não se produza na mesma quantidade de uma monocultura, mas reforça que, por ser agrofloresta, não há só cacau dentro da área, de modo que o produtor tem diferentes rendas. Em Tomé-Açu, afirma, o SAFTA sempre começa com pimenta-do-reino e depois as culturas vão sendo alteradas.
"Ao longo dessas décadas que a gente vem trabalhando esse Sistema, já se provou que é muito bom, produtivo, rentável", afirma. Com o Sistema Agroflorestal, ao misturar produtos com safras diferentes, o produtor mitiga risco econômico e financeiro da sua fazenda, porque são produtos diferentes vendendo a preços distintos e em épocas diferentes. Dificilmente todo os produtos que compõem o Sistema estarão em baixa de preço ao mesmo tempo.
A C.A.M.T.A diz que busca conscientizar os cooperados a praticarem o SAFTA em suas propriedades agrícolas, "contribuindo para a redução dos desmatamentos da floresta primária, assegurando, deste modo, um ambiente de trabalho agradável, sob a sombra das árvores frutíferas e florestais". Segundo a Cooperativa, "a disseminação do SAFTA tem promovido a melhoria na qualidade de vida das comunidades envolvidas, sendo a cultura do cacau responsável pela base econômica regional".
Orleans destaca que o Sistema não é um reflorestamento, mas sim "um sistema produtivo, que precisa de tempos em tempos ser renovado". No caso do açaizeiro, por exemplo, a partir dos 18 a 20 anos, a colheita fica inviável e a produção diminui muito, então é preciso renovar a plantação.
O coordenador do Conselho Fiscal da C.A.M.T.A diz também que, no início, quando o Sistema Agroflorestal começou a ser plantado em Tomé-Açu, "não foi só maravilha". Ao longo do tempo, precisou-se definir o espaçamento das plantas e posicionamento para receber luz do sol, por exemplo.
Quanto mais espécies de árvores ou plantas se coloca no Sistema, maior o risco fitossanitário e maior o custo de manejo. Entretanto, entre os pontos positivos do modelo também, está maior resiliência do processo produtivo em relação aos efeitos das mudanças climáticas, em comparação com a monocultura, porque é um sistema mais parecido com uma floresta.
A C.A.M.T.A vende polpas de frutas (como de açaí e cupuaçu), sorbet (sorvete sem leite), produtos secos (pimenta-do-reino e amêndoas de cacau) e óleos vegetais. Os produtos secos, polpas e sorbet são vendidos para os mercados nacional e internacional.
Fabricação de chocolate
A De Mendes Chocolates, empresa paraense fundada por César De Mendes e que fabrica chocolate e cupulate (similar ao outro, mas feito com cupuaçu) na Colônia Chicano, em Santa Bárbara do Pará, compra cacau produzido em florestas nativas, mas também em Sistemas Agroflorestais.
"Nos [indígenas] Paiter Suruí [em Rondônia], por exemplo, são os dois. Quando eles demarcaram o território, existiam áreas que já estavam degradadas. Então eles usam o Sistema Agroflorestal de regeneração e plantam o cacau embaixo nesse sistema. E eles também tem a parte de floresta", explicou Claudia Davis, que atua no desenvolvimento de negócios e redução de riscos na De Mendes, ao SBT News.
Jornalistas do SBT News e de outros veículos visitaram a fábrica da De Mendes no último dia 5, como parte do curso "Programa Agronegócio em Perspectiva".
A rede de fornecimento de cacau para a empresa é formada por comunidades ribeirinhas do Pará e comunidades indígenas. "Nós hoje temos um programa com os Yanomami e Ye'kwana lá em Roraima, com o Instituto Socioambiental, de apoio ao desenvolvimento da cadeia de cacau como alternativa de renda principalmente aos jovens", fala Claudia. Há a parceria para fornecimento ainda com os Paiter Suruí, junto à ONG Forest Trends.
A De Mendes atua levando conhecimento a essas comunidades para que façam o processo de fermentação e secagem do cacau antes da venda. Além disso, apoia na construção de infraestrutura nelas. "Porque você precisa de uma estufa, você precisa dos cochos de fermentação, e precisa do apoio contínuo através de assistência técnica", ressalta Claudia, que é também consultora em gestão de projetos na CBKK — aceleradora de negócios de impacto investidora da De Mendes.
A empresa de chocolates ainda paga técnicos para para visitarem frequentemente os produtores nas comunidades para melhorar o processo produtivo.
Já na compra do cacau, paga um bônus aos fornecedores por fazerem um cacau fino e pelos serviços sociais e ambientais que prestam ao preservarem uma cultura e o meio ambiente. "Então, se você olha o preço do cacau, a gente já chegou a pagar mais que o dobro do preço do cacau", explica Claudia.
Ela relembra que quando começou a trabalhar com a De Mendes, há um ano e meio, o preço do quilo do cacau no Pará era de R$ 12,00 a R$ 14,00. "Hoje ele chegou a R$ 59,00. R$ 12,00 a R$ 14,00 não cobre o custo mínimo do produtor. Mas a gente tem mais ou menos na nossa cabeça que a R$ 40,00 ele está pagando e remunerando, porque não basta ele receber só o custo, tem que remunerar também", pontua.
De acordo com ela, dessa forma, se o quilo está custando de R$ 12,00 a R$ 14,00, a empresa paga mais que o dobro para adquiri-lo.
Os chocolates e cupulates da De Mendes são vendidos em redes de supermercados, num e-commerce próprio e pelo Mercado Livre.