Não foi bem assim: o que confusão em avião ensina sobre as redes sociais
Alvo de piadas, críticas e preconceito, mãe da criança também foi vítima na história
SBT News
Após o fim do período eleitoral, poucas situações viralizaram e dividiram opiniões na internet este ano quanto a mulher que se recusou a trocar de lugar com uma criança em um voo da Gol na última semana. Um trecho da situação foi gravado em vídeo e, mesmo sem contexto, em pouco tempo trouxe piada, discurso de ódio, preconceito e inúmeros pronunciamentos que desconsideravam a situação real que ficou encoberta pela pressa de massacrar as pessoas nas redes sociais: Aline Rizzo, mãe da criança, também foi vítima nessa história toda.
Não foi Aline, nem ninguém de sua família quem gravou, expôs ou confrontou a bancária Jennifer Santos, que optou por não trocar de lugar com a criança. A responsável pela ação foi Eluciana Cardoso, passageira do voo que não tinha relação com ninguém, mas até o esclarecimento acontecer, Aline foi amplamente massacrada nas redes, enquanto Jennifer ganhava mais de dois milhões de seguidores por simplesmente não ter se deixado abalar pela situação.
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Para Karen Mercuri, professora da Universidade de São Paulo e pesquisadora em linchamentos virtuais, a grande viralização do caso pode ser explicada pela identificação das ações com o cotidiano de quem assiste, o que indica que poderia ter acontecido com qualquer um de nós; e também por se tratar de uma briga, o que gera curiosidade e audiência.
‘’É a sociedade do espetáculo, que antigamente assistia a enforcamentos em praças públicas e hoje se utiliza dos artefatos digitais. Várias pessoas que não se conhecem se unem para atacar um alvo em comum. A lógica deles é atacar tudo o que foge ao padrão do grupo, pois há uma necessidade de fazer justiça com as próprias mãos, ignorando o Estado Democrático de Direito. Hoje em dia a Internet virou um grande tribunal em que tudo pode ser julgado, sem considerar o lado da vítima”, completa a especialista.
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A autoria do conteúdo só foi viralizar na última sexta-feira e desde então, a advogada e nutricionista Eluciana, e sua filha, responsável pela publicação, têm recebido muitas ameaças, xingamentos e perseguições no ambiente digital. Segundo a análise de Mercuri, Eluciana queria que outras pessoas concordassem com ela, esperando o linchamento virtual de Jennifer, mas a história não acabou bem assim e ela acabou virando vítima.
O “tribunal da internet’’ não perdoa: é rápido, cruel, de alcance gigantesco e raramente dá oportunidade para esclarecimentos. Foram diversas ofensas à Jennifer, que foi taxada de egoísta e desumana por não fazer a troca; à mãe da criança, que foi amplamente ofendida na internet e teve sua maternidade questionada; e à criança de quatro anos que foi reduzida como birrenta, mimada e sem limites.
“Os linchadores virtuais não medem as consequências que podem acarretar para as vítimas, como perda de emprego, privação do convívio social, agressões físicas e até a morte. O ódio e as intrigas sempre existiram, mas com a internet, sobretudo com as redes sociais, há uma potencialização do fato, da dimensão de alcance e da punição. Ou seja, tudo é em proporções muito maiores”, completa a professora Karen Mercuri.
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Ainda tão perto do ocorrido, sem ouvir os lados envolvidos no escândalo, Jeniffer foi procurada por diversas marcas e pegou carona na exposição que teve: deu entrevistas, fechou contratos e está aprendendo a lidar com a fama repentina. A bancária só esclareceu a confusão na última sexta-feira (06). O crescimento meteórico que Jennifer teve nas redes sociais também é avaliado pela pesquisadora como “uma forma das pessoas demonstrarem apoio a sua conduta”, o que é um processo inverso ao cancelamento, onde as pessoas param de seguir quem erra na internet como estratégia de punição.