Agricultura regenerativa ganha espaço em Goiás; conheça as práticas
Produtores rurais ligados ao Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano (Gapes) já adotam pelo menos algumas das medidas em suas fazendas
Guilherme Resck
Com o objetivo de tornar seu negócio mais sustentável e em meio a um cenário em que a sociedade está cada vez mais preocupada com a preservação do meio ambiente, produtores rurais no Brasil vêm utilizando práticas da chamada agricultura regenerativa, uma abordagem para produzir alimentos, matérias-primas e, ao mesmo tempo, recuperar e conservar a saúde do solo.
Em Goiás, todos aqueles ligados ao Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano (Gapes) já adotam pelo menos algumas das medidas. Associação de produtores criada em 2000 para fomentar a pesquisa agrícola, o Gapes tem 43 associados, de 35 famílias. Conta com 125 fazendas, que abrangem 235 mil hectares de soja e milho no território goiano.
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O termo "agricultura regenerativa" foi criado na década de 1980 pelo editor americano Robert Rodale. A abordagem situa-se entre a agricultura convencional, marcada pela utilização de produtos químicos nas lavouras, e a orgânica, em que não há a utilização desses produtos. Algumas das práticas de agricultura regenerativa são:
- Redução do uso de fertilizantes e agrotóxicos;
- Plantio direto, em que o solo não é arado ou gradeado antes de as sementes serem depositadas nele;
- Cobertura do solo durante todo o ano, por exemplo com a palha de uma plantação anterior; e
- Rotação de culturas, que é alternar, a cada ano, espécies vegetais numa mesma área agrícola.
Segundo a engenheira agrônoma e produtora rural Flávia Montans, presidente do Gapes, em 100% das áreas do grupo há plantio direto. Ela ressalta que deixar a palha na superfície do solo após uma colheita, em vez de arar o local, é "muito bom" para protegê-lo da erosão. O Gapes também vem aumentando a pesquisa e a utilização de produtos biológicos e diminuindo cada vez mais os químicos. Outro exemplo de prática de agricultura regenerativa adotada por parte dos associados do grupo é a colocação do fungo Trichoderma nas sementes, que ajuda no controle de doenças instaladas no solo.
"Sem sustentabilidade não tem sucessão, não tem longevidade. E acho que como a agricultura é uma coisa familiar, que passa de pai para filho, já vem de família, todo mundo quer que isso tenha uma longevidade, e para ter longevidade é preciso ter sustentabilidade", pontua Flávia.
Como parte do curso "Programa Agronegócio em Perspectiva" — fruto de uma parceria entre a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) e a Fundação Dom Cabral —, jornalistas do SBT News e outros veículos visitaram uma fazenda em Montividiu (GO), no último dia 16, que adota diferentes práticas de agricultura regenerativa. A Fazenda Brasilanda, da família Kompier, é uma das ligadas ao Gapes com mais ações, de acordo com uma das responsáveis pelo local, a produtora Marion Kompier.
Além do plantio direto e colocação de Trichoderma, a fazenda também utiliza um sistema de manejo denominado Soil Food Web (Teia Alimentar do Solo, em tradução livre do inglês) e um biofermentado chamado TMT, por exemplo. O Soil Food Web consiste em resgatar a rede alimentar do solo, formada por fungos, bactérias e outros organismos importantes para a boa qualidade do terreno. O sistema trabalha com um composto, que leva microrganismos adaptados às condições de solo e clima da região. Com o composto é produzido um extrato e um "chá", que são aplicados no solo e na parte aérea das planta, respectivamente.
Já o TMT, aplicado na lavoura para estimular a biodiversidade do solo, nutri-lo e protegê-lo, é uma mistura de farinha de trigo, carvão, pó de café, casca de ovo, farelo de algas, melaço e hidrolisado de peixe, por exemplo. Isso no caso da Fazenda Brasilanda, porque a receita pode variar, dependendo de quem produz a substância. O composto Soil Food Web, o extrato, o chá e o TMT utilizados na propriedade dos Kompier é produzido na própria fazenda. No caso do TMT, com uma receita, fazem 165 mil litros; o custo de produção, considerando todos os itens, incluindo mão de obra e estrutura, fica em apenas R$ 0,20 o litro.
Apesar do potencial da agricultura regenerativa de baratear a produção agrícola e dos benefícios dela para o meio ambiente, a necessidade de realização de pesquisa para que práticas sejam implementadas de forma bem-sucedida, a necessidade do produtor ter à sua disposição equipes técnicas com conhecimento sobre o conceito e o receio do produtor em substituir práticas tradicionais por novas são alguns dos obstáculos à disseminação da abordagem no país.
"É um processo que o produtor está passando. E o produtor do Gapes, de Rio Verde e região, é muito técnico. Ele quer saber de resultado e normalmente não quer ser o primeiro a fazer", fala Erick Van den Broek, filho de um associado do Gapes e administrador da SyncBio, ao comentar sobre o fato de os associados do grupo de pesquisa praticarem agricultura regenerativa em diferentes níveis. A SyncBio, que ele administra, é uma instituição sem fins lucrativos que oferece conhecimento, ferramentas e suporte comunitário para produtores fazerem a transição para a agricultura regenerativa.
Flávia reforça que essa abordagem não se trata de agricultura orgânica. "Ela é diminuição do uso de químicos, e não você ficar totalmente sem eles", fala. A engenheira agrônoma pontua que há momentos nos quais o produtor precisa recorrer ao químico.
Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano
O Gapes realiza pesquisas para auxiliar os produtores rurais associados a tomarem decisões mais assertivas em seus negócios em Goiás.
O grupo possui especialistas pesquisando em áreas como sementes, herbicidas, fitopatologia, entomologia, nematologia e agricultura digital. Os experimentos são feitos em um centro de pesquisa do próprio Gapes, composto por 50 hectares, e eventualmente nas próprias fazendas dos produtores associados. Serão 316 experimentos no período de 2024 a 2025.
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Os próprios associados bancam os estudos. Uma equipe de extensão fica encarregada de levar os resultados para os produtores. Flávia explica que o tema a ser pesquisado é escolhido a partir das dúvidas dos associados. Todo ano eles preenchem um questionário para indicar dúvidas e dificuldades do seu negócio.
Além disso, todas as segundas-feiras, às 7h30, os produtores se reúnem para começarem a semana alinhados. Os pesquisadores também participam do encontro. "A gente está muito próximo dos produtores, entendendo quais são os principais problemas e buscando as soluções ao mesmo tempo", fala a bióloga Marla Juliane Hassemer, pesquisadora do Gapes na área entomologia.
"Então a nossa pesquisa ocorre concomitante. Eles estão plantando agora, neste momento, e a gente está implementando os nossos ensaios. Então a todo momento a gente está recebendo informações e redirecionando as nossas pesquisas", acrescenta. O foco dos estudos de Marla é buscar ferramentas para os produtores controlarem as pragas que ocorrem na lavoura.
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As decisões dos produtores baseadas em pesquisas tem um reflexo na produtividade das fazendas: segundo Flávia, a produtividade média do Brasil de soja foi de 56,2 sacas por hectare no período de 2023/2024; a de Goiás ficou em 58 sacas por hectare; e a dos associados do Gapes foi de 70,8 sacas por hectare. Em relação ao milho, a produtividade média do Brasil foi de 92,6 sacas por hectare em 2024, ante 103,8 de Goiás e 136 do grupo.
O Gapes faz parte do primeiro consórcio de agricultura regenerativa da América Latina, o Reg.IA, que tem o objetivo de fomentar a adoção de práticas de agricultura regenerativa em fazendas do território latino-americano. Em 2024, se tornou ainda um instituto de ciência e tecnologia, o que possibilita ao grupo fazer parceria com universidades e acessar novas fontes de recursos.
"A gente está querendo dar um passo um pouco maior da nossa pesquisa e cada vez mais o nosso produtor conseguir aquele resultado que ele tanto almeja, que é uma melhor produtividade, uma melhor rentabilidade", fala Flávia.
Para além do Gapes
As fazendas dos produtores ligados ao Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano não são as únicas de Goiás a utilizarem práticas de agricultura regenerativa. As Fazendas Reunidas Baumgart, em Rio Verde, que não são associadas, também utilizam.
Entre elas, plantio direto, diversificação de cultivo, integração lavoura-pecuária, cobertura do solo, aplicação de composto orgânico e uso de biológicos.
As Fazendas Reunidas produzem soja, sementes de soja, milho e cultivam girassol; sua área de cultivo é de 9.100 hectares, com potencial de atingir 10 mil. Além disso, atuam na criação de bovinos para corte. Possuem uma capacidade de confinamento de 10 mil cabeças estáticas, o que permite abater 25 mil animais por ano.
Nas lavouras, conta com 11 robôs autônomos atuando na aplicação de defensivo de forma precisa em ervas daninhas. Por meio de inteligência artificial, ele identifica a erva daninha na plantação e aplica o defensivo localizado. O uso de robô levou a uma redução de 92%, em média, no uso de herbicidas e aumentou a produtividade em dez sacas por hectare na área monitorada. As máquinas possuem autonomia de 24 horas e são movidas a energia solar, com placas fotovoltaicas em sua parte superior. Precisam estar sempre conectadas à internet para funcionar, o que é feito por meio do serviço Starlink.
Os robôs ainda ajudam no controle de pragas: atraem insetos com uma luz e dão choque quando estes se aproximam. A luz é utilizada à noite, porque sua incidência será maior e não serão atraídos insetos importantes para a produção, como abelhas.
Os jornalistas do SBT News e dos outros veículos visitaram as Fazendas Reunidas Baumgart no último dia 17. O diretor-presidente do local, Alexandre Baumgart, estima que já investiu R$ 20 milhões em tecnologia na propriedade desde que assumiu o negócio, em 2017. Cada robô sai por R$ 350 mil.
"A fazenda não estava muito bem das pernas, por incrível que pareça, e em 2018 eu consegui recuperá-la, com o mínimo necessário, e um dos fatores de recuperação da fazenda foi justamente tecnologia. Colocar equipamentos maiores, maior eficiência nas operações", relembra Alexandre.
Ele ressalta que a produtividade média estava na faixa de 55 a 60 sacas por hectare antes de assumir e atualmente é de 78 sacas por hectare. Ainda de acordo com Alexandre, o investimento em tecnologia se pagou muito rápido.