Especialista alerta que 'vender sua íris' pode colocar dados pessoais em risco
Empresa World, fiscalizada pela ANPD por comprar dados biométricos, pode ter atividades suspensas, diz advogado especialista em direito digital
Vicklin Moraes
Nos últimos dias, uma nova 'mercadoria' tem ganhado destaque nas redes sociais: a íris ocular. Tutoriais sobre como comercializá-la e vídeos de "arrume-se comigo" para realizar a coleta viralizaram recentemente.
O projeto desenvolvido pela empresa World, fundada por Sam Altman, também criador da OpenAI e responsável pelo ChatGPT, consiste no escaneamento da íris. Em troca, a pessoa pode optar por receber ou não as 40 criptomoedas da plataforma Worldcoin, o que equivale a aproximadamente R$ 700. A prática tem sido ofertada no mundo todo e no Brasil.
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O projeto, repleto de polêmicas, chegou ao país em novembro de 2024. Até o momento, 400 mil brasileiros já tiveram suas íris coletadas, segundo levantamento do UOL.
Do ponto de vista jurídico, é legal 'vender sua íris'? Existem riscos nessa transação?
No Brasil, a Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), estipula como deve ser feito o tratamento de dados e suas respectivas divisões: pessoais, sensíveis e anonimizados. A íris é considerada um dado sensível, por ser uma informação biométrica.
Segundo Alexandre Atheniense, advogado especialista em direito digital pela Harvard, o projeto tem várias polêmicas por não ser transparente em relação a qual vai ser o uso daquele dado, além de que não se pode oferecer algo em troca de informações insensíveis.
O advogado também explica que dados podem ser consentidos e depois revogados, segundo a legislação brasileira. Além disso, a remuneração pode afetar o consentimento da pessoa.
“É um sinal muito claro de que pode haver um mau uso daquele dado, a empresa não deixar claro a finalidade, o porquê ele vai ser utilizado", afirma o advogado Alexandre Atheniense.
Possível encerramento no Brasil
Nesta quarta-feira(14), a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) comunicou que está fiscalizando as atividades da empresa World desde novembro de 2024, além de solicitar esclarecimentos sobre a gestão e a proteção desses dados.
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Segundo o advogado, após a conclusão da fiscalização da ANPD, a World pode ter suas operações modificadas, se for provado que a gestão dos dados não siga a legislação brasileira. Além disso, dependendo das informações pode vir a ter o funcionamento encerrado no Brasil, além da exclusão de todos os dados coletados no Brasil.
Em março de 2024, a empresa World foi notificada Comissão Nacional de Proteção de Dados de Portugal a ter suas operações suspensas no país.
Já na Alemanha, em dezembro de 2024, a World foi comunicada pelo Escritório Estadual da Baviera para Supervisão de Proteção de Dados (BayLDA) a realizar a exclusão de todos os dados coletados, com prazo até o dia 19 de janeiro.
O que diz a World
Em nota enviada ao SBT News, a empresa informou que preserva a privacidade individual, além de funcionar com todas as leis e regulamentos aplicáveis do Brasil, em relação ao tratamento de dados.
Veja posicionamento na íntegra:
"A rede World está criando as ferramentas que as pessoas precisam para se preparar para a era da IA, ao mesmo tempo preservando a privacidade individual.
Não é incomum que ideias inovadoras e novas tecnologias levantem questões. A Fundação World acredita que é importante que os reguladores busquem informações ou esclarecimentos sobre suas preocupações. A Fundação World está em total conformidade com todas as leis e regulamentos aplicáveis que regem o processamento de dados pessoais nos mercados onde a World opera. Isso inclui, mas não se limita à Lei de Proteção de Dados Pessoais do Brasil ou LGPD (13.709/2018). Por meio do uso de tecnologia de ponta, a World define os mais altos padrões de privacidade e segurança e incorpora recursos avançados de preservação da privacidade.
A Fundação World dá alta prioridade ao envolvimento com indivíduos e organizações para responder a quaisquer perguntas que possam ter e garantir a transparência em nossas operações e continuará a colaborar ativamente e oferecer as informações necessárias para garantir a compreensão completa de sua tecnologia".