Conheça o "Sr. Internet", Vint Cerf, o cocriador da internet
Ele cocriou o protocolo TCP/IP em 1973 e fala com exclusividade ao SBT News sobre passado, futuro e Brasil
Cido Coelho
Em junho de 1973, Vint Cerf e Bob Kahn trabalharam na conexão de computadores militares com satélites de comunicação e rádios móveis. O que eles não esperavam é que o 'problema' que tinham que resolver para os militares mudou profundamente a humanidade. Aos 80 anos, completados no final de junho, mesmo mês em que o protocolo para o funcionamento da internet foi criado também eles há 50 anos, Cerf falou com exclusividade ao SBT News sobre como foi a cocriação dos protocolos TCP/IP, padrão técnico que estabeleceu a formação da rede mundial de computadores.
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Em 30 minutos da sua concorrida agenda, Cerf falou sobre os desafios de criar a internet, a partir de uma rede das Forças Armadas dos Estados Unidos, a Arpanet, além das inovações, que foram criadas a partir disso. O matemático também falou sobre questão da desinformação e da inteligência artificial e relatou sobre o que teria feito de diferente na internet.
Ele também deu uma visão sobre o futuro dela e o "Sr. Internet" também fala sobre o Brasil e deixa uma mensagem aos usuários brasileiros.
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QUEM É?
Vinton Gray Cerf, 80 anos
Matemático e cientista da computação
Vice-presidente e Evangelista-chefe de Internet no Google
- Nasceu em 23 de junho de 1943, na cidade de New Heaven, Connecticut
- Casado com Sigrid e tem dois filhos, David e Bennett
- Graduado em Matemática, pela Stanford em 1965
- Obteve o mestrado em 1970 e o doutorado em ciência da computação 1972, pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles
- Tem duas patentes: um "Sistema de Comunicação de Rádio pela Internet" e um "Sistema de Execução de Tarefas Distribuídas"
- Trabalhou com limpeza e reabastecimento de máquinas de café aos 14 anos
- Primeiro emprego em tecnologia foi trabalhando em software de teste para motores de Fórmula 1, que foram usados no foguete Saturn V, do Programa Apollo
- Apreciador de música clássica antes de 1900, principalmente Wagner
- Adora sorvete de café da Häagen Daz
- Entre seus livros favoritos estão "O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien e a série Fundação, de Isaac Asimov.
- Foi fundador da organização Internet Society, sendo presidente entre 1992 e 1995
- Integrou o conselho do ICANN entre 2000 e 2007
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SBT News -- Senhor Vint, como era a vida antes da internet? Como era o mundo antes da internet?
Vint Cerf -- Primeiro deixe-me dizer, sou Vint Cerf, sou vice-presidente e principal evangelista da Internet no Google, e estou lá desde 2005.
Mas, eu tive muito a ver com a internet desde o final dos anos 1960. Então, posso contar como era a vida antes da internet.
Você sabe, nós lemos livros, trocamos cartas, enviamos e-mails, tínhamos listas de distribuição, mas eram em ilhas isoladas.
Bem, o e-mail foi incorporado por volta de 1971, e havia empresas como a MCI e outras, a Compuserve, e assim por diante, que oferecia e-mail aos clientes, mas eles só podiam se comunicar com outros assinantes.
A internet mudou tudo isso, porque permitiu que tudo estivesse conectado a tudo.
Então, antes da internet, não tínhamos quase a mesma capacidade de descobrir informações, descobrir uns aos outros, compartilhar o que sabíamos e fazer uso de recursos remotos em qualquer lugar do mundo.
Então, a vida mudou dramaticamente à medida que a internet se tornou cada vez mais disponível, e principalmente por volta de 1989, quando se tornou disponível comercialmente, deveria estar disponível apenas para partes patrocinadas por organizações de pesquisa nas organizações de pesquisa do governo dos Estados Unidos.
Então, a vida mudou muito quando a internet se tornou disponível comercialmente, e mudou ainda mais, é claro, quando a web mundial chegou pela primeira vez no final de 1991, e depois muito mais visivelmente, em 1993 e posteriormente, no resto dessa década.
SBT News -- O que foi decisivo para o sucesso da internet?
Vint Cerf -- Acho que o principal sucesso é que foi visto como uma colaboração em larga escala entre várias partes diferentes. Robert Kahn e eu fizemos o trabalho de design original em 1973, com base em nossa experiência com uma rede de comutação de pacotes predecessora chamada Arpanet.
E esse projeto foi publicado no IEEE Transactions on Communications em 1974. E no final daquele ano, minha equipe em Stanford, onde eu liderava o Programa de Pesquisa da Internet, produziu uma especificação, uma especificação detalhada para o protocolo chamado Transmission Control Protocol ou TCP, que pretendia permitir que computadores em qualquer lugar em qualquer rede se comunicassem entre si.
A implementação dos protocolos da Internet começou em janeiro de 1975 em três locais: Stanford University, University College London e Bolt Bereanek Academy em Cambridge, Massachusetts. E descobrimos muito rapidamente, quando começamos a implementar a especificação, que havíamos cometido erros no projeto. E então tivemos que refinar o design e reimplementá-lo, e passamos por quatro interações disso.
E uma das coisas que aconteceu como resultado foi a separação de algo chamado Protocolo de Internet do TCP original, e a criação de outro protocolo em tempo real chamado Programa de Protocolo do Usuário de Dados (UDP).
De modo que TCP e UDP se tornaram sistemas de protocolo paralelo, TCP para transmissão confiável de arquivos de informação, e UDP para transações em tempo real, incluindo voz e pacotes vinculados e vídeo, que é o que estamos usando neste exato momento.
Assim, o trabalho de desenvolvimento ocorreu inicialmente com o patrocínio da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos Estados Unidos (Darpa), mas muito rapidamente, na década de 1980, vimos a National Science Foundation (NSF), a NASA e o Departamento de Energia dos EUA também investirem na construção de redes de Internet e interligá-las.
E com o desenrolar da década de 1980, vimos outras organizações de pesquisa em todo o mundo começando a implementar os protocolos TCP IP e encontrando maneiras de se interconectar.
Em 1989, vimos redes comerciais sendo criadas para oferecer serviços de internet ao público em geral e ao setor privado, e Tim Berners-Lee introduziu a rede mundial de computadores (www) em dezembro de 1991.
Poucas pessoas perceberam isso, mas descobriu-se que há dois caras do National Center for Supercomputer Applications, em Illinois, que disseram que a rede mundial de computadores, baseada em texto que Tim Berners-Lee mostrou, deveria ter uma interface gráfica do usuário.
Assim, desenvolveram um novo navegador essencialmente denominado Mosaic, que permitia uma interação gráfica com a rede mundial.
E isso foi comercializado por uma empresa chamada Netscape Communications, em 1994. Essa empresa abriu o capital em 1995 e suas ações dispararam e começou o que temos chamado o período "dot-com boom", em que o capital de risco estava jogando dinheiro em qualquer coisa que parecia ou tinha algo a ver com a internet.
Muito dinheiro foi gasto e então, por volta de abril de 2000, muitas das empresas que começaram [a investir na internet] não tinham receita suficiente para continuar.
Então, tínhamos muitos "cadáveres" por perto. Mas, as empresas que começaram durante o período "dot-com boom", algumas delas sobreviveram. Uma delas era Amazon e outro era o Yahoo, e o outro era Google, entre outros.
Portanto, o período após 2000 ainda resultou em uma rápida escalada da escala da internet, mais e mais implementações, mais redes sendo interconectados.
E então, em 2007, aconteceu um desenvolvimento muito dramático e esse é o smartphone vindo da Apple, é o chamado produto iPhone, que lhe deu mobilidade, que deu acesso à internet onde quer que tivesse sinal de celular.
Tinha um display, tinha um teclado, tinha um teclado virtual, tinha a capacidade de acessar páginas da web e interagir com a rede mundial de computadores.
E assim deu dois valores. Em primeiro lugar, tornou mais fácil obter acesso à rede mundial de computadores, independentemente de onde você estivesse, se pudesse obter um sinal de celular. E, em segundo lugar, tornou o celular ainda mais valioso, porque obteve acesso a todos os recursos da Internet.
E, então, aqui estamos em 2023, cerca de dois terços da população mundial têm acesso direto à internet e muitos deles acessam por meio de frequências móveis ou por Wi-Fi, que é uma espécie de rede local, baseada em uma área de rádio.
Portanto, estamos em um período muito rico agora, em que a Internet está amplamente disponível.
E o próximo passo importante além da internet terrestre é uma rede interplanetária, da qual podemos falar talvez um pouco mais tarde.
SBT News -- Com esse papel para o desenvolvimento da internet, dessa tecnologia incrível, invento incrível, mas, no período entre 1973 e 2023, muita coisa aconteceu com a internet, uma revolução. Como você avalia o uso da internet para a desinformação e desestabilização das democracias, qual é a sua análise sobre essa situação em seu fantástico invento?
Vint Cerf -- Posso dizer que desde o início do projeto em 1973, até aproximadamente 1989, as únicas pessoas que tinham acesso à Internet eram pessoas que tinham contratos de pesquisa com o governo ou faziam parte da academia em outras partes do mundo.
Mas, como eu disse, em 1989, começamos a ver a comercialização. E nos 25 anos subsequentes, praticamente qualquer pessoa que desejasse acesso à Internet em teoria poderia acessá-la.
E a consequência de disponibilizá-lo ao público em geral significou, e, além disso, a World Wide Web, é claro, também acessível, levou praticamente qualquer pessoa que deseja publicar coisas na Internet a fazer isso.
E o triste fato é que existem algumas pessoas no mundo que não têm as melhores intenções em mente. Eles gostariam de influenciar seu pensamento, eles gostariam de persuadi-lo de coisas que talvez você não devesse acreditar.
E há coisas ainda mais hostis como fraudes e golpes como ataques phishing e ransomware, ataques de malware e ataques de negação de serviço (DDoS).
Então, quando você chega ao público em geral, acaba herdando todas as coisas boas e ruins das pessoas e elas fazem uso ou abusam das tecnologias da Internet.
E, então, acabamos tendo que encontrar uma maneira de nos defender contra isso.
E não surpreendentemente, muitos países ao redor do mundo estão dizendo, nossos cidadãos estão em risco, precisamos fazer algo, precisamos legislar para tornar a Internet um lugar seguro.
De modo geral, aprovar leis que declaram que a Internet deve ser mais segura não ajuda muito, a menos que os engenheiros descubram como implementar isso e os provedores de aplicativos descubram como proteger seus assinantes.
Portanto, ainda há muito trabalho a ser feito. Parte do trabalho para tornar a Internet mais segura pode ser realizada por meios técnicos.
Por exemplo, usamos criptografia para proteger a confidencialidade, agora de maneira quase uniforme, em toda a rede mundial de computadores, usando os chamados protocolos "HTTPS".
Também pedimos às pessoas que usem autenticação de dois fatores, o que significa mais do que nomes de usuário e senhas.
Há uma peça adicional de hardware, por exemplo, ou uma transação adicional que valida a identidade do cliente, novamente, para evitar que outra pessoa finja ser você e aja em seu nome.
Portanto, existem medidas técnicas que podemos tomar para tornar a Internet um lugar mais seguro e responder à preocupação do governo com a segurança dos cidadãos.
Também podemos aprovar leis que digam: "Se pegarmos pessoas fazendo coisas prejudiciais na rede, haverá consequências".
É claro, não temos necessariamente a capacidade de pegar todos que fazem algo ruim.
Tenho certeza que você notará que a Internet é um sistema global e o tráfego pode ir de um país para outro, falando de forma geral com muita liberdade.
A consequência disso, é claro, é que alguém que está fazendo coisas prejudiciais pode cruzar fronteiras internacionais e ferir pessoas em outros países.
Então, se realmente queremos resolver esse problema, temos que ter cooperação entre os países para rastrear e responsabilizar as pessoas que estão fazendo coisas prejudiciais. Isso vai exigir alguns acordos, possivelmente até tratados, a fim de permitir que os países cooperem para rastrear esses comportamentos prejudiciais, pessoas que estão se comportando de maneira prejudicial.
Além de tudo isso, acho que também podemos dizer em nossas respectivas sociedades que nossa sociedade não tolera mau comportamento na Internet.
Podemos dizer: "Não faça isso! É prejudicial e errado. Apenas não faça isso."
Agora, isso soa meio fraco, mas como você deve saber, em qualquer sociedade, se a maior parte da sociedade concorda com certas normas e comportamentos, isso pressiona as pessoas a não se comportarem mal.
Pense em lugares onde os países dizem que não é permitido fumar dentro deste prédio, ou você deve usar cinto de segurança se estiver dirigindo o carro e se pegarmos você dirigindo sem o cinto de segurança, haverá consequências.
Assim, leis e normas também podem ser ferramentas muito poderosas para tornar a Internet um lugar mais seguro.
Eu não diria a vocês que já alcançamos o objetivo. Ainda há muito trabalho a ser feito, inclusive os acordos internacionais.
Portanto, este é um tópico de conversa considerável no fórum de governança da Internet, por exemplo, e em outros lugares, onde a política da Internet está sendo considerada.
SBT News -- Continuando a questão, Vint, você acredita no risco de fragmentação da internet? Por exemplo, você compara a Rússia, o controle da internet na China, com as grandes empresas locais... Como você observa este cenário de uma possível fragmentação da internet?
Vint Cerf -- O valor da internet é diretamente proporcional à sua conectividade. E assim tenta fragmentar a internet para introduzir uma espécie de dados nacionais, estruturas que são definidas geopoliticamente e criam barreiras para transportar um fluxo de dados realmente prejudicam ou reduzam o valor da internet.
Se a China ou a Rússia, ou algum outro país quer se isolar do resto da internet, eles são livres para fazer isso. Não há nada que alguém possa impedir isso de forma legitima.
No entanto, se suas ações também fragmentam o resto da internet, esse é um cenário muito mais prejudicial e espero que possamos nos defender.
Portanto, os países que querem se isolar são livres para fazer isso, mas se forçarem outros a se isolarem, isso não é aceitável.
Se leis são aprovadas, por exemplo, mas levam a esse tipo de fragmentação, perderemos muito do valor da rede, que vemos hoje, porque a conectividade geral de todas as várias partes da web mundial e da rede baseada em nuvem, sistemas que atendem literalmente a bilhões de usuários.
Estou preocupado com interferência de países na fronteira, onde seja injetando desinformação para outro país, para fins de desestabilização ou introdução de leis, que irão fragmentar a internet ou vão prejudicar deliberadamente a estrutura de roteamento da internet introduzindo informações falsas, todas essas coisas.
Acho que precisamos exigir que essas práticas sejam encerradas devido ao dano global que podem causar.
SBT News -- Como você vê o uso do artificial inteligência na internet?
Vint Cerf -- Deixe-me distinguir por um momento, internet e artificial inteligência, e vamos falar apenas sobre inteligência artificial e aprendizado de máquina para começar.
Nas últimas cerca de duas décadas, nossa capacidade de construir sistemas de aprendizado de máquina que são compostos de redes neurais multicamadas avançou dramaticamente.
Temos hardware novo disponíveis, temos uma nova compreensão de como esses sistemas funcionam e como eles podem ser aplicados, como eles podem ser treinados. Eles são surpreendentemente notáveis em sua habilidade.
A habilidade de identificar células cancerígenas por sua aparência, por exemplo, ou para descobrir como proteínas se dobram, para que possamos entender mais sobre as pequenas moléculas, e como elas podem interagir com nosso metabolismo e pode levar a tratamentos para doenças.
Estes são recursos incrivelmente poderosos introduzidos pelo aprendizado de máquina.
No entanto, agora também estamos experimentando o que são chamados de grandes modelos de linguagem onde as redes neurais absorvem literalmente bilhões de linhas de texto e criar uma espécie de modelo estatístico de conhecimento.
Você pode interagir com esses sistemas fazendo perguntas e eles geram respostas.
Bem, o que descobrimos é que às vezes eles gerar respostas que não são verdadeiras. Alguns dos especialistas na área chamam isso de "alucinação" como se o grande modelo de linguagem tivesse "enlouquecido".
Agora temos um problema difícil de lidar porque a utilidade do grande modelo de linguagem é significativa.
Ele pode resolver problemas e responder perguntas com base em todo o conteúdo que absorveu. Mas, temos que encontrar uma maneira de garantir que saibamos se as respostas estão corretas ou não. Certamente gostaríamos de saber de onde veio a informação a partir disso produz as respostas.
E assim a proveniência tornou-se um oceano muito importante na inteligência artificial.
Então, acho que estamos em um ponto intermediário no desenvolvimento da inteligência artificial e do aprendizado de máquina.
Vemos o quão poderoso pode ser, mas também vemos como pode produzir resultados prejudiciais que podem nos confundir, fazendo-nos pensar que algo que o sistema de aprendizado de máquina ou algo chamado 'chatbot' nos disse que é verdade quando não é.
Portanto, ainda temos muito trabalho a fazer para gerenciar a maneira pela qual esses sistemas produzem sua saída.
No entanto, todos nós, eu acho interessante aprendizado de máquina, acredito que é uma ferramenta muito poderosa quando usada e gerenciada corretamente.
Portanto, ainda temos muito a aprender sobre como fazer isso.
SBT News -- Você acha que a tecnologia do metaverso é o futuro da tecnologia ou você tem outra visão sobre o futuro da internet?
Vint Cerf -- É claro que metaverso é um termo que muitas pessoas usam, mas pode não significar a mesma coisa. Para algumas pessoas, é um ambiente virtual. Para algumas pessoas é realidade aumentada, para outras é realidade virtual.
Se nos permitirmos imaginar por um momento os tipos de mundos virtuais que podemos criar com software, tudo o que a Internet faz é nos permitir acessar essas implementações de locais remotos e possivelmente colaborar uns com os outros no contexto de um desses mundos virtuais.
Sabemos que tivemos experiências com isso. No passado, havia algo chamado Second Life, do qual você deve se lembrar, que é um tipo muito rudimentar de realidade virtual e que permite que várias partes interajam umas com as outras.
Existem jogos online multipartida, que são muito populares e envolvem o acesso a um sistema comum para apoiar a colaboração e a interação e, às vezes, a competição.
Então, acho que me sinto muito mais atraído pela realidade aumentada, onde o mundo real e o mundo virtual se unem, você aprende mais coisas sobre o mundo real, graças às informações aumentadas sobre como é o mundo real.
Imagine que, por um momento, você está tentando fazer um trabalho de reparo em um carro ou em uma peça de equipamento, podemos aumentar a sua visão desse dispositivo dando-lhe dicas sobre as etapas a serem seguidas e apontando para você os vários locais nos quais você precisa executar uma ação para fazer o reparo.
Temos uma versão fraca disso em nossos vídeos do YouTube no Google, onde muitas, muitas pessoas conduzem vídeos dizendo: "Veja como você faz isso. Veja como você faz esta receita. Veja como você faz esse reparo. Veja como você usa este pedaço de software."
E assim a realidade aumentada pode simplesmente estender isso para um ambiente mais tridimensional. A realidade virtual pode ter outra oportunidade muito poderosa para nós e é aí que criamos, em um ambiente virtual, uma simulação de algum processo complexo que é difícil de entender, a menos que possamos nos colocar no meio dele.
E, assim, simulações de interações nucleares, por exemplo, ou simulações de manipulação de DNA, ou simulações de processos químicos, têm o potencial de nos ajudar a entender e obter insights sobre o mundo real, por meio do mundo virtual.
Então, estou esperando muita exploração de algumas dessas tecnologias para nos ajudar a entender melhor nosso mundo e talvez para resolver problemas que podem ter sido muito difíceis de resolver, sem o benefício desses tipos de ferramentas.
SBT News -- Vint, depois de 50 anos, o que você faz de diferente na internet?
Vint Cerf -- Se eu pudesse voltar a falar com meu eu mais jovem, provavelmente teria dito que precisa de 128 bits de 'espaço de vestimenta' em vez de 32 (bits), este é o IPv4 contra IPv6.
Mas, tenho certeza de que em 1973 eu não teria acreditado em meu eu mais velho, dizendo que você precisa de 3,4 vezes 10 elevado a 38 endereços dessa rede que você está tentando inventar porque na época que Bob Kahn e eu estava fazendo este trabalho há 50 anos, o espaço de endereço de 32 bits era suficiente para permitir 4,3 bilhões de terminações que é mais do que havia pessoas no mundo, na época.
Portanto, eu provavelmente não teria acreditado na necessidade desse espaço de endereço maior, embora agora saibamos que é necessário.
Há algumas outras coisas que eu provavelmente teria feito diferente e acho que não lidei com a mobilidade tão bem quanto gostaria e já vi algumas soluções melhores para permitir que as pessoas se movimentassem e tivessem acesso ao sistema de forma conveniente.
E a criptografia, é claro, tornou-se uma parte muito importante do ambiente da Internet para confidencialidade e autenticação forte e manutenção da integridade da informação digital.
Poderíamos tê-lo introduzido antes do que fizemos. Estou francamente feliz por não termos feito isso porque acho que nos primeiros dias da internet, a introdução de alguns dos mecanismos criptográficos que exigem gerenciamento de chaves, que é uma disciplina bastante complexa, teria impedido nossa capacidade de remover os bugs do projeto básico da internet original. Estou feliz por termos adiado parte disso.
Agora, é claro, precisamos introduzir todos os tipos de locais para segurança de rede, a fim de melhorar a capacidade de uma rede resistir a vários tipos de ataque. Portanto, vemos a segurança cibernética e a criptografia estão se tornando muito proeminentes na internet hoje.
E talvez pudéssemos tê-lo introduzido antes, mas ainda acho que foi, nós o fizemos, fizemos da maneira certa, na minha opinião, caso contrário, não estaríamos onde estamos hoje.
SBT News -- Vint, como você vê o futuro da internet?
Vint Cerf -- É bastante claro que o acesso à internet está cada vez mais disponível e está maximizando agora, graças aos satélites de baixa altitude, como o sistema Starlink ou OneWeb e outros.
Em breve será impossível evitar o acesso à internet, porque cada centímetro quadrado do planeta estará acessível.
Então, estou muito feliz com isso, francamente, em meu trabalho no Google foi o de principal evangelista da Internet tentando obter mais acesso à Internet para todos.
Mas, como mencionei anteriormente em nossa conversa, que estamos saindo do planeta desde 1998, um grupo da NASA, e agora a Agência Espacial Europeia, e a Agência Espacial Japonesa, a Agência Espacial Coreana, estão trabalhando no projeto e implementação de um sistema interplanetário de ligações centrais de internet (backbone) para dar suporte à exploração espacial tripulada e robótica e a comercialização do espaço.
E os protocolos que são necessários, são diferentes do TCP/IP, por estarem em desenvolvimento desde 1998.
Eles estão em uma Estação Espacial Internacional na última década. Fizemos testes com satélites que estão em outras partes do sistema solar.
Temos protótipos de software que estão sendo executados em Marte desde 2004.
Prevemos o uso desses novos protocolos para comunicação interplanetária enquanto executamos a missão Artemis, o retorno à lua e, eventualmente, a exploração de Marte.
Portanto, vejo o desenvolvimento de uma internet interplanetária com muita clareza ao longo das próximas duas ou três décadas e, estou muito animado com isso, porque acho que vai apoiar a comercialização do espaço e tornará ainda mais possível a coleta de informações científicas de volta dessas várias espaçonaves, que estão explorando o sistema solar em nosso nome.
SBT News -- Você pode falar sobre a história do "arquiduque" da internet? Eu li em uma publicação especializada sobre a sua "entrevista de emprego" no Google. Eu acho essa história incrível. Você pode contar essa história para nós?
Vint Cerf -- Essa foi uma conversa muito engraçada. Eu estava trabalhando em uma empresa chamada MCI e eventualmente foi vendido para uma outra empresa, a Verizon (operadora de telecomunicações), aqui nos Estados Unidos, em 2005 e tive que decidir o que fazer a seguir e enviei um e-mail ao CEO do Google, Eric Schmidt e disse:
"Eric, Você quer ajuda?"
E ele enviou um e-mail de volta dizendo que sim. Então, a próxima interação foi com Larry Page e Sergey Brin, os dois fundadores do Google, e Eric e eles me perguntaram que título eu queria e eu disse a eles que queria o título de "arquiduque", porque pensei que seria um ótimo título. Eles foram embora e depois voltaram e disseram:
"Você sabe que o arquiduque anterior era o Francisco Ferdinando e ele foi assassinado em 1914 e começou Primeira Guerra Mundial?"
Talvez seja um título ruim.
"Por que não o de Chefe Evangelista da Internet?"
E eu disse:
"Ok, eu posso fazer isso!"
E quando as pessoas dizem, bem, o que isso significa?
É a resposta é: "que é inventando à medida que avançamos".
SBT News -- A última pergunta, Vint é sobre o Brasil. Você poderia mandar uma mensagem aos usuários brasileiros de internet? Poderia também falar sobre a internet no Brasil, já que o país é um dos principais usuários de internet fora dos Estados Unidos? O "Sr. Internet" tem uma mensagem para nós?
Vint Cerf -- Bem, em primeiro lugar, quero que todos os seus ouvintes saibam que o Brasil teve um papel significativo a desempenhar na evolução da Internet.
Eles estavam entre os primeiros a participar da Internet, do ponto de vista acadêmico. Existe uma organização que funciona o domínio de nível superior ponto-br.
Chama-se CGI (Comitê Gestor da Internet). E os líderes que contribuíram enormemente, não só à tecnologia da Internet, mas também à sua política.
Assim, por exemplo, em 2014, teve uma reunião chamada NETmundial (Fórum Global Multissetorial do Futuro da Governança da Internet), que também foi no Brasil.
E isso levou a algumas muito importantes percepções e à documentação de princípios que todos queríamos que a Internet seguisse, para torná-la mais útil, mais segura e protegida.
Então, eu quero que a população brasileira que está ouvindo para isso saber que o Brasil contribuiu significativamente e continua contribuindo para a evolução da Internet, não só no Brasil, mas no resto do mundo também.
E eu sou muito grato por isso. E eu acho que meus colegas no Brasil por suas contribuições e espero que eles continuem a nos ajudando a tornar a Internet uma ferramenta ainda mais eficaz do que tem sido até agora.
SBT News -- Vint, é um prazer falar com você. É um prazer entrevistá-lo. E muito obrigado por esta conversa sobre a internet e o futuro. Estou orgulhoso de falar com você.
Vint Cerf -- Muito obrigado por me permitir passar esse tempo com você. Suas perguntas foram muito instigantes. Espero tê-las respondido adequadamente. E desconfio que nos veremos, senão pessoalmente, com certeza pela net.
Um pouco de "internetês": conheça os principais termos, siglas e empresas que compõem a história da internet
Compuserve e MCI - Primeiras empresas que forneciam serviços e contas de e-mail para usuários de internet
TCP/IP - Conjunto de protocolos que permite a comunicação entre computadores e servidores. Ele combina o Protocolo de Controle de Transmissão (TCP), responsável pela transmissão dos dados, com o Protocolo de Internet (IP), que serve para identificar os computadores e servidores. Isso forma a internet.
Tim Berners-Lee - Responsável por criar uma interface gráfica para o usuário interagir com a internet. Ou seja, as páginas dos sites e redes sociais, por exemplo.
Mosaic - Criado pela Netscape, foi o primeiro navegador disponível para a internet
Darpa - Defense Advanced Research Projects Agency ou Agência de Pesquisa de Projetos Avançados dos Estados Unidos, é responsável por desenvolver tecnologias na área de defesa
DDoS - Ataques de negação de serviço é quando muitos computadores acessam ao mesmo tempo, uma página para que ela saia do ar e fique indisponível na web
HTTPS - Protocolo Seguro de Transferência de Hipertexto é um protocolo de Internet que realiza comunicação de dispositivos com servidores em todo o mundo
IPv4 e IPv6 - Protocolos de conexão da internet, como se cada computador, tablet ou smartphone tivesse um número único para fazer contato
Starlink e OneWeb - Fornecedores de serviços de internet via satélite
Backbone - Espinha dorsal, que compõe na ligação central de um sistema de redes maior
CGI.br - Comitê Gestor da Internet no Brasil, responsável por coordenar as iniciativas de internet, assim como seu uso e funcionamento no país
Eric Schimidt - CEO do Google na época
Sergey Brin e Larry Page - Fundadores do Google