Pena para autor de feminicídio será "pesada", diz promotora de SP
Fabíola Sucasas, do núcleo especializado do MP, fala sobre aumento de casos no estado e defende maior rede apoio às vítimas
Ricardo Brandt
O aumento dos feminicídios em São Paulo nos últimos anos, registrados nas estatísticas oficiais da polícia, tem "ocupado" cada vez mais os tribunais do júri, em que são julgados casos de assassinatos. A afirmação é da promotora de Justiça Fabíola Sucasas, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, que atua em crimes de feminicídios e violência contra a mulher. Ela garante que o órgão tem atuado para punir os assassinos. "Se matarem, se tentarem matar, a lei, a força da caneta, será pesada."
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Em entrevista exclusiva ao SBT News, Fabíola Sucasas afirma que o MP tem observado o aumento de feminicídios, em especial nas cidades do interior de São Paulo - estado com maior número de casos no país e também onde mais se investe em prevenção. "Em São Paulo, existe uma característica específica, que dados do Ministério Público de São Paulo mostraram, que o interior lidera os casos em relação à capital."
As cidades do interior de São Paulo tiveram um boom de casos de feminicídios em 2023, como mostrou reportagem do SBT News. De janeiro a junho, dos 175 crimes no estado, 115 (ou o equivalente a 66%) foram registrados em municípios fora da área metropolitana da capital paulista - a chamada Grande São Paulo, composta pela capital e 38 cidades do entorno.
Mudança de comportamento dos homens, maior rede de apoio e acolhimento às vítimas de feminicídios e demais violências contra a mulher, estudos mais aprofundados e políticas públicas de enfrentamento padronizadas e punição efetiva para assassinos. São algumas das medidas listadas pela promotora, na entrevista, que ajudariam a frear o avanço preocupante dos crimes. Promotora da área de Enfrentamento Violência Doméstica, na capital, e coordenadora do Núcleo de Gênero do MP-SP, ela destaca um dado positivo das estatísticas recentes, o aumento da proporção dos "feminicídios tentados" - quando a vítima não morreu - em relação aos "consumados".
Leia a entrevista:
O aumento dos feminicídios em São Paulo preocupa?
As estatísticas mostram que os feminicídios aumentaram. É preocupante porque o estado é apontado como um dos que teve maior crescimento. Sabemos que São Paulo é uma região populosa, mas existem políticas muito incisivas para enfrentar o feminicídio. A questão é que em São Paulo existe uma característica específica, que dados do Ministério Público mostraram, que o interior lidera os casos em relação à capital, e isso pode se dar por vários motivos.
Falta política pública de prevenção ?
Nós precisamos sempre atentar para a necessidade de olhar para os casos de feminicídios tentados e feminicídios consumados. Na pesquisa que fizemos pelo Ministério Público houve um aumento dos feminicídios tentados. Isso significa que as políticas de enfrentamento têm funcionado. No raio-x de feminicídio, realizado em São Paulo no ano de 2018, a proporção era de quatro para um. Agora, a proporção é de três para um, ou seja, aumentou o número de feminicídios tentados. É um olhar que precisa ser problematizado na segurança pública. Outra questão é que houve um aumento do silêncio das mulheres, que é a tal da subnotificação, e não vou dizer em relação só ao feminicídio, mas da violência contra a mulher.
O feminicídio ele é a última etapa de um histórico de violência, ele não vem do nada. Quanto mais a mulher demora para contar, para notificar, mais ela vai se encontrar em situação de risco.
Então esse é um problema, as medidas e o investimento têm que ser adotados em relação ao enfrentamento da violência doméstica familiar contra mulher, para encorajar as mulheres a buscarem ajuda.
As vítimas têm onde buscar ajuda e como?
Quando as mulheres resolvem falar, a primeira coisa é procurar ajuda da família, a segunda, procurar a igreja e a terceira, ajuda dos amigos. Chamar a delegacia está em quinto lugar. Não que a delegacia seja o primeiro espaço, mas a delegacia já sinaliza o momento de socorro, momento de necessidade, de busca das políticas. Mas é importante que a família, a igreja, que os amigos percebam que, quando a mulher está em situação de violência, ela precisa de ajuda para interromper um relacionamento abusivo.
Por que cresce mais no interior o feminicídio, há menos canais de socorro às vítimas?
É preciso que a vítima mulher tenha mecanismos para conseguir sair daquele relacionamento abusivo, principalmente da rede protetiva. Quando nós falamos das medidas protetivas elas realmente salvam. Segundo pesquisa nacional que saiu recentemente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 11,5% dos feminicídios aconteceram quando as mulheres tinham medida protetiva. No Estado de São Paulo, esse número é menor ainda, ou seja, prova que, quando as mulheres têm medidas protetivas, elas estão protegidas. O Ministério Público de São Paulo tem ampliado o Guardiã Maria da Penha, que é para fiscalizar as medidas protetivas. Hoje existem 47 municípios que já aderiram, que é um programa que fortalece e busca efetivar essas medidas. Ou seja, realmente salvam, quanto mais essas medidas são fiscalizadas. O MP tem feito isso para reduzir os números de feminicídios no interior, buscando que os municípios ampliem a sua rede de proteção, para que essas mulheres consigam buscar mecanismos para romper os as causas desse silêncio.
Quais são as causas desse silêncio?
O medo, então é preciso mecanismos de proteção, falta de condições financeiras, então é preciso política para garantir a independência financeira, o medo do que pode acontecer com os filhos, precisa de uma orientação jurídica, de uma assessoria jurídica, e a falta de confiança nas instituições, além da fase de lua de mel. É importante sempre lembrar, para dar um recado para as mulheres, que a fase de separação, geralmente corresponde a 45% dos casos de feminicídio. E é justamente nessa fase emergencial que as mulheres denunciem, peçam ajuda, peçam a aplicação das medidas protetivas. Elas podem ser pedidas mesmo sem o boletim de ocorrência (da Polícia Civil), e elas podem ser inseridas na Patrulha Maria da Penha, no Guardiã Maria da Penha, quando elas realizam esse pedido.
O feminicídio é um crime grave?
O feminicídio é considerado um crime gravíssimo, hediondo, tem a pena mínima de 12 anos, e geralmente é acompanhado por outras qualificadoras, o que aumenta a pena. Também tem um aumento das denúncias de feminicídios tentados, sair daquela ideia de que não havia vontade de matar. Existe um reconhecimento do que chamamos de perspectiva de gênero, para demonstrar que a intenção era matar. Isso mostra também o comprometimento do Ministério Público, nas promotorias do júri, cuja realidade tem sido ocupada pelo maior número de feminicídios.
Há punição para autores de feminicídio?
Apesar da notícia triste é do aumento dos feminicídios, quer trazer aqui um alento a população de que houve um aumento dos feminicídios tentados. Significa que reduziram os feminicídios consumados. Isso mostra que o nosso trabalho tem se mostrado efetivo. Mas não podemos deixar de encorajar as mulheres a buscarem ajuda. Mas muito mais, a que os homens modifiquem o seu comportamento, porque se matarem, se tentarem matar, a lei, a força da caneta, será pesada.
O MP tem dificuldades para denunciar e conseguir a condenação dos réus?
Não vou dizer que a maior dificuldade do MP, mas é a maior dificuldade das mulheres, a maior dificuldade da nossa sociedade, que é mudar a nossa cultura e, obviamente, que isso resvala na qualidade da nossa atuação. Por que eu digo isso? Porque nos casos, por exemplo, dos feminicídios tentados, a gente tem que entender que são crimes que ocorrem com pessoas que têm relações íntimas de afeto, que têm família construída.
Às vezes, a mulher se retrata, não porque ela perdoa, mas é porque ela está dentro de um relacionamento abusivo, sob forte violência psicológica, que faz ela acreditar que a situação vai mudar. Essa é uma realidade, é uma característica da violência doméstica. Então, é importante que as mulheres acreditem procurem o serviço de acolhimento, para que saibam qual o risco ela se encontra para não haver essa mudança, de se retratar durante o processo.
Mas é importante também lembrar as muitas conquistas. Se antes, o feminicídio não era um crime qualificado, hoje ele é. Isso garante realmente o maior peso da lei. Outra foi a decisão do Supremo Tribunal Federal de afastar a tese da legítima defesa da honra e o quanto mais, a Lei Mari Férrer, por exemplo, trouxe a grande conquista de afastar argumentos que recaem na avaliação moral, do comportamento moral da vítima, ou seja, na verdade, nós temos que nos voltar ao olhar do comportamento daquele que matou. A vítima é vítima, e é essa nossa preocupação, é esse o dever do Ministério Público de entregar, de atentar à proteção da vítima e cabe aos agressores a resposta da lei.
Qual o papel do Núcleo de Gênero do MP em São Paulo?
Uma coisa que o Núcleo de Gênero fez, além de realizar parcerias com os municípios para implementar o Guardiã Maria da Penha, foi criar junto com o Núcleo de Inteligência e o Núcleo do Júri do Ministério Público um roteiro de enfrentamento ao feminicídio, que se encontra na nossa página da internet. Além de dados estatísticos, com quadros esquemáticos, com gráficos, para demonstrar, não só numericamente os índices de feminicídio, a localidade, mas também os motivos do crime, as circunstâncias? se ocorrem mais à noite, se ocorrem mais de forma mais de forma mais tentada, qual instrumento do crime utilizado, além de orientar a aplicação de formulários de prevenção ou de análise do risco como, por exemplo, um formulário nacional de avaliação de risco.
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