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Saúde

O que é "agitação do coração", que pode ter causado a morte de jovem de 16 anos durante jogo de futebol

Cardiologista explica condição rara que pode ter provocado morte de goleiro após bolada em campo na última segunda-feira (6)

Imagem da noticia O que é "agitação do coração", que pode ter causado a morte de jovem de 16 anos durante jogo de futebol
Commoditio cordis afeta principalmente jovens de 10 a 18 anos | Reprodução/X
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Na noite da última segunda-feira (6), o que deveria ser apenas mais um jogo de futebol entre amigos se transformou em uma tragédia inesperada. Um jovem de 16 anos que estava no gol, caiu no gramado após ser atingido no peito por uma bolada e acabou falecendo, em Maués, no interior do Amazonas.

Avaliando os vídeos que circulam nas redes sociais, embora não tenhamos informações sobre o histórico médico do jovem, podemos considerar a possibilidade de ter ocorrido um commotio cordis, também conhecido como "agitação do coração".

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Mas o que é o commotio cordis? Por que ele acontece? E, mais importante, devemos temer toda vez que pisamos em um campo de futebol ou qualquer outra quadra esportiva?

Vamos desvendar esse mistério juntos, com calma e clareza, para entender melhor esse fenômeno raro e, ao mesmo tempo, tão impactante.

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O que é commotio cordis?

Commotio cordis é uma expressão que vem do latim e significa "agitação do coração" e se refere a um evento tão incomum quanto assustador. Imagine o coração como um maestro, regendo a orquestra do nosso corpo com precisão milimétrica. Agora, pense no que aconteceria se, no meio de uma sinfonia perfeita, alguém esbarrasse no maestro. É mais ou menos isso que ocorre no commotio cordis.

Quando um golpe atinge o peito em um momento muito específico do ciclo cardíaco – um instante tão breve que dura apenas milésimos de segundo –, ele pode causar uma confusão elétrica no coração. É como se o maestro, de repente, perdesse o controle da batuta. O resultado? O coração começa a "tremer" em vez de bater, num fenômeno conhecido como fibrilação ventricular. Nesse momento crítico, o órgão perde sua capacidade de bombear sangue eficientemente, levando a uma situação de emergência que pode ser fatal se não tratada imediatamente.

Evento raro e assustador

O caso do jovem amazonense nos faz refletir sobre a fragilidade da vida e como eventos tão raros podem ter consequências tão devastadoras. É natural que pais, treinadores e atletas fiquem apreensivos. Afinal, quem não ficaria assustado ao saber que uma simples bolada no peito pode ser potencialmente fatal? Contudo, é crucial colocarmos as coisas em perspectiva.

O commotio cordis é um evento extremamente raro. Tão raro que, se compararmos com o número de pessoas que praticam esportes diariamente ao redor do mundo, a probabilidade de ocorrência é quase ínfima. Estima-se que aconteçam apenas algumas dezenas de casos por ano em escala global. Para termos uma ideia, é mais provável ser atingido por um raio do que sofrer um commotio cordis.

Fenômeno tem relação com esporte

Mas por que esse fenômeno parece estar mais associado aos esportes? A resposta está na natureza das atividades esportivas. Esportes que envolvem objetos que podem atingir o peito, como bolas ou discos, naturalmente apresentam um risco ligeiramente maior. O beisebol, por exemplo, é frequentemente citado em estudos sobre o tema, assim como o hóquei e o lacrosse. O futebol, embora menos comumente associado, também entra nessa lista, como pudemos ver no trágico caso do Maranhão.

É interessante notar que não é apenas o impacto em si que importa, mas também a velocidade com que ele ocorre. Existe uma "janela" de velocidade que, combinada com o momento exato do ciclo cardíaco, pode desencadear o commotio cordis. Impactos muito lentos ou muito rápidos são menos propensos a causar o problema. É como acertar o olho do furacão – uma combinação precisa e, felizmente, muito difícil de acontecer.

Afeta principalmente jovens entre 10 e 18 anos

Outro fator intrigante é que o commotio cordis parece afetar mais os jovens, especialmente entre 10 e 18 anos. Isso se deve, em parte, à maior flexibilidade da parede torácica nessa faixa etária. É como se o peito dos adolescentes fosse mais "elástico", transmitindo a energia do impacto de forma mais direta ao coração.

Diante de todas essas informações, é natural que surja a pergunta: o que podemos fazer para nos proteger? A boa notícia é que existem medidas que podem ajudar a reduzir ainda mais o já baixíssimo risco. Em esportes considerados de maior risco, o uso de protetores torácicos pode oferecer uma camada extra de segurança. Embora não eliminem completamente o perigo, esses equipamentos podem fazer a diferença.

Como agir nesses casos?

Talvez a arma mais poderosa que temos seja o conhecimento. Saber reconhecer os sinais de um possível commotio cordis e agir rapidamente pode salvar vidas. Se alguém cai subitamente após um impacto no peito, perde a consciência e não apresenta pulso, é crucial agir com rapidez. Chamar imediatamente os serviços de emergência, iniciar a ressuscitação cardiopulmonar (RCP), se houver alguém treinado por perto, e utilizar um desfibrilador externo automático (DEA), se disponível, são ações que podem fazer a diferença entre a vida e a morte.

É por isso que a educação em primeiros socorros e a disponibilidade de DEAs em ambientes esportivos são tão importantes. Quanto mais pessoas souberem como agir em uma emergência, maiores serão as chances de um desfecho positivo, não apenas em casos de commotio cordis, mas em qualquer situação de parada cardíaca.

Recomendação: não pare de praticar atividade física

Apesar de toda essa discussão sobre riscos e prevenção, é fundamental mantermos a perspectiva. O esporte, em todas as suas formas, traz benefícios imensuráveis para a saúde física e mental. Os riscos associados ao sedentarismo são infinitamente maiores do que o risco de sofrer um commotio cordis. Privar-se ou privar os filhos da prática esportiva por medo desse evento raríssimo seria como deixar de sair de casa com medo de ser atingido por um meteorito.

O caso do jovem amazonense é uma tragédia que nos entristece profundamente. Mas que sirva não para nos amedrontar, e sim para nos conscientizar. Que nos lembre da importância de estarmos preparados, de valorizarmos o conhecimento em primeiros socorros e de garantirmos que nossos espaços esportivos sejam não apenas locais de diversão e saúde, mas também ambientes seguros e preparados para emergências.

O commotio cordis, esse fenômeno tão raro quanto intrigante, nos ensina uma lição valiosa sobre a delicadeza da vida e a importância de vivermos cada momento plenamente, mas com consciência e preparo. Que possamos seguir praticando esportes, incentivando nossos jovens a se moverem, a correrem, a jogarem. Afinal, é no movimento que encontramos a verdadeira pulsação da vida.

Não deixemos que o medo do improvável nos paralise. Em vez disso, usemos esse conhecimento para nos fortalecermos, nos prepararmos melhor e valorizarmos ainda mais cada batida do nosso coração. Pois é nele, nesse órgão incansável que marca o ritmo de nossas vidas, que reside a verdadeira magia da existência. Uma magia que merece ser celebrada a cada dia, a cada jogo, a cada momento.

* Autor: Rodrigo Souza é cardiologista credenciado pelo CRM PA 7926 - RQE Nº: 4130 - RQE Nº: 4137

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