Como convencer um idoso a ir ao médico sem brigas?
Com empatia e escuta ativa, visita ao médico pode se transformar em um gesto de amor, não de imposição; veja dicas de uma especialista

Brazil Health
O Brasil está envelhecendo rapidamente. Segundo o Censo de 2022, pessoas com 65 anos ou mais já representavam 11% da população brasileira, e esse número poderá atingir 20% em 2031.
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Com esses dados apresentados, o que se nota é que o perfil demográfico mudou – já não há mais a maioria jovem – e, com isso, ocorre uma mudança na abordagem, que precisa ser mais sensível e voltada para o cuidado com a saúde da população idosa.
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Desafios do envelhecimento e escassez de especialistas
Se por um lado temos um aumento expressivo no número de idosos na população, em contrapartida há uma grave escassez de médicos especialistas em geriatria no Brasil.
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Em 2020, apenas 0,7% dos médicos optaram por cursar residência médica nessa área. E o que não podemos esquecer é que os idosos possuem doenças crônicas, que são muito prevalentes e exigem atenção médica regular e especializada. Essa condição impõe ao idoso uma média de pelo menos duas consultas ao ano, mesmo na ausência de complicações ou queixas, pensando apenas em uma avaliação médica de rotina (o famoso check-up).
Cerca de 70% dos idosos têm ao menos uma doença crônica, como hipertensão arterial, diabetes ou hipercolesterolemia, e 30% apresentam duas ou mais dessas condições. Pensando nisso e diante das atuais estatísticas, convencer uma pessoa idosa a procurar atendimento médico pode, muitas vezes, se transformar em um grande desafio tanto para familiares quanto para os cuidadores.
Resistência não é teimosia: por trás do medo, memórias e valores
Esse impasse não costuma nascer da teimosia, como se costuma dizer de forma simplificada, mas sim de uma série de fatores emocionais – como o velho chavão "quem procura acha" –, questões culturais (como deixar de ser o homem da casa para virar paciente e dependente dos filhos ou esposas, ou perder a sua independência para dirigir e sair sozinho de casa) e até mesmo históricos, que envolvem medos e traumas anteriores por experiências desagradáveis ou falta de empatia e habilidade do profissional em um processo de escuta ativa.
Para muitos idosos, a ida ao médico pode representar a perda da autonomia, o enfrentamento de diagnósticos temidos (como muitos questionam em consultório: "Doutor, eu não tenho aquela doença, né?") ou mesmo o reconhecimento do envelhecimento como algo que fragiliza.
Além disso, experiências negativas passadas, dificuldades de acesso, medo de hospitais ou de tratamentos invasivos, somadas à natural resistência a mudanças na rotina, ajudam a explicar por que tantos evitam consultas médicas – mesmo quando há sinais claros de que algo não vai bem.
Como convencer com empatia e eficácia
Diante disso, é fundamental que a abordagem para estimular o cuidado com a saúde não seja feita com imposição ou críticas, mas com empatia, paciência e, acima de tudo, respeito. Quando o idoso sente que sua história de vida, sua autonomia e sua visão de mundo são considerados, ele se mostra muito mais aberto a ouvir, refletir e, por fim, aceitar o cuidado proposto. Com escuta, linguagem simples e um pouco de organização, dá para virar esse jogo.
Algumas estratégias podem tornar esse processo mais leve e efetivo, entre elas:
- Entender por que o idoso não quer ir ao médico é o primeiro passo. Pergunte com curiosidade e sem julgamento. Muitas vezes, só o fato de se sentirem ouvidos já transforma a disposição da pessoa;
- Comece pelo que importa: fale de objetivos reais ("ter fôlego para ir ao aniversário do neto", "voltar a caminhar na praça"), não de "check-up completo";
- Ofereça opções de dia/horário e pergunte qual profissional prefere (quando possível, mantenha o mesmo médico para criar vínculo); juntos, combinem uma primeira consulta curta, para revisar remédios e medir pressão;
- Mostre que ele não está sozinho nesse processo e que não apenas os idosos, mas também os mais jovens, precisam realizar exames de rotina para construir um futuro com autonomia;
- Evite linguagens de confronto como: "Se não for, vai piorar!". Prefira expressões como: "Vamos juntos para tirar suas dúvidas?", "Talvez valha a pena conversar com o médico só para garantir que está tudo bem" ou "Indo agora, a gente evita sustos e internações";
- Reforce experiências positivas de pais de amigos ou conhecidos da mesma idade que se sentiram melhor depois de uma avaliação especializada;
- Destaque que mesmo indo acompanhado, a decisão final será sempre dele. Sentir que ainda tem controle sobre a própria vida é essencial para a autoestima e o bem-estar da pessoa idosa;
- Deixe claro que o acompanhante é um apoio, para ouvir orientações, ajudar depois com a organização de remédios, lembretes no celular e pendências para a próxima consulta.
Para muitos idosos, a recusa por uma avaliação médica parte até da dificuldade de comunicação causada por déficits auditivos, o que gera constrangimento por não compreender as orientações ou medo de ser ridicularizado.
Quando o cuidado é urgente
Embora a resistência dos idosos à avaliação médica seja substancial, diante de alguns sinais e sintomas não há espaço para negociação. Devemos encaminhá-los imediatamente para atendimento médico em casos como:
- Dor no peito, falta de ar, desmaio ou confusão súbita;
- Fraqueza em um lado do corpo, fala enrolada, sorriso torto;
- Febre, queda com batida na cabeça, feridas que não cicatrizam;
- Perda de peso sem explicação, sangue nas fezes ou na urina, dor ao urinar;
Esses sinais pedem avaliação imediata, mesmo que o idoso não "queira incomodar".
Convencer um idoso a ir ao médico é um trabalho de acolhimento, não de pressão. Quando a família escuta, traduz, resolve a logística e foca no que dá sentido à vida daquela pessoa, a consulta deixa de ser ameaça e vira cuidado. Pequenos passos – uma conversa respeitosa, um profissional de confiança, um plano simples – fazem grande diferença. O objetivo final é claro: mais autonomia hoje e menos sustos amanhã.
Porque cuidar da saúde na velhice não é sobre obrigar, é sobre convidar com respeito, acompanhar com presença e valorizar a trajetória de quem já viveu tanto. E, quando o cuidado é guiado pela empatia, a consulta médica deixa de ser um ponto de tensão e se transforma em mais um gesto de amor.
*Julianne Pessequillo é geriatra e clínica especializada em longevidade saudável - CRM 160.834 // RQE: 71.895