Cirurgia com IA? Pela 1ª vez, robô realiza sozinho procedimento em tecido humano
Operação fez a remoção de vesículas biliares e robô apresentou habilidades de um cirurgião experiente, apontam pesquisadores

Wagner Lauria Jr.
A medicina alcançou um novo marco: pela primeira vez, um robô cirúrgico equipado com inteligência artificial (IA) foi capaz de realizar, de forma totalmente autônoma, uma cirurgia em tecido humano real. O feito foi conduzido por cientistas da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e representa um passo inédito na integração da IA com a prática clínica.
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A operação realizada foi uma colecistectomia, que consiste na retirada da vesícula biliar, órgão que armazena a bile e fica localizado abaixo do fígado. Até então, robôs cirúrgicos só atuavam seguindo instruções diretas ou guiados por médicos humanos em tempo real. Agora, pela primeira vez, uma máquina executou sozinha todas as etapas da intervenção.
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Como o robô aprendeu a operar?
O sistema responsável pela cirurgia foi chamado de SRT-H (Hierarchical Surgical Robot Transformer). Ele foi treinado por meio de uma combinação de vídeos de operações reais e comandos de voz dados por cirurgiões experientes.
Durante o treinamento, o robô assistiu a vídeos legendados que explicavam passo a passo o que estava acontecendo em cada cena. Com isso, passou a reconhecer estruturas anatômicas e entender como realizar movimentos delicados, como suturar tecidos ou posicionar clipes cirúrgicos.
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Além disso, o SRT-H foi exposto a sugestões verbais durante procedimentos simulados, como "mova o braço um pouco para a esquerda", e aprendeu a interpretar essas orientações em tempo real, ajustando sua ação como se fosse um residente em formação sendo orientado por um médico mais experiente.
O que torna esse avanço tão importante?
Até agora, robôs cirúrgicos funcionavam de maneira bastante limitada. Uma versão anterior, chamada STAR, chegou a realizar uma operação em um animal vivo em 2022, mas precisava seguir um plano fixo e dependia de marcações prévias nos tecidos. Ou seja, qualquer imprevisto poderia comprometer o procedimento.
Com o novo modelo, isso mudou. O SRT-H é capaz de lidar com variações anatômicas e reagir a situações inesperadas, como mudanças de posição dos órgãos ou alterações no visual dos tecidos, exatamente como acontece em cirurgias reais. Segundo os cientistas, mesmo diante desses desafios, o robô operou com a precisão e calma de um cirurgião experiente.
O desempenho foi testado em oito vesículas humanas reais (ex vivo, ou seja, fora do corpo). O tempo da operação foi maior do que o de um médico humano, mas o resultado final foi considerado excelente: 100% de sucesso nos testes.
Qual tecnologia está por trás?
O robô cirúrgico utiliza uma tecnologia de inteligência artificial semelhante à que sustenta sistemas como o ChatGPT, desenvolvida para aprender com grandes volumes de dados e responder de forma interativa. No contexto médico, isso significa que ele pode adaptar suas decisões com base nas características de cada paciente, sem depender de um roteiro rígido.
Os pesquisadores da Johns Hopkins também treinaram o robô em tarefas básicas da cirurgia, como manipular instrumentos, identificar estruturas internas e costurar, até que ele fosse capaz de realizar todas as 17 etapas envolvidas na retirada da vesícula.
O que vem a seguir?
Os responsáveis pelo projeto destacam que este é apenas o começo. O próximo passo será testar o robô em cenários mais próximos da prática hospitalar e, futuramente, em pacientes vivos. A ideia é que, no futuro, sistemas como esse possam colaborar com equipes médicas, atuando com autonomia em situações de emergência, escassez de profissionais ou até em regiões remotas.
"Esse tipo de tecnologia mostra que a autonomia cirúrgica não é mais algo distante. Está se tornando uma possibilidade real e segura", afirma Ji Woong Kim, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade Stanford.