Oposição ameaça obstruir pauta da Câmara se Motta travar urgência ao projeto da anistia
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante, disse que vai esperar o presidente da Câmara voltar de viagem ao Japão para decidir próximas ações em prol da anistia

Rafael Porfírio
A oposição decidiu bater o pé. Se o projeto de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro não avançar, a bancada do PL promete entrar em obstrução e emperrar a pauta da Câmara dos Deputados. O líder do partido, Sóstenes Cavalcante (RJ), deixou o recado claro: ou o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), coloca o requerimento de urgência para votação, ou nada mais anda.
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Mas há um pequeno detalhe: Motta está a milhares de quilômetros de distância, acompanhando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma viagem ao Japão. Até sua volta, quem comanda a Câmara é um deputado do próprio PL, Altineu Côrtes (RJ). Ou seja, o partido está com a chave na mão, mas sem poder abrir a porta.
O impasse da anistia e a ameaça da obstrução
A oposição tenta empurrar o pedido de urgência desde fevereiro, sem sucesso. O PL quer que o projeto de anistia pule as etapas das comissões para ir direto ao plenário. O problema é que o próprio Motta já havia sinalizado que o tema deveria ser tratado em uma comissão especial, que nunca foi instalada.
Diante disso, Sóstenes subiu o tom. "A partir do dia em que ele [Hugo Motta] pisar em solo brasileiro, ele já terá que ter tomado essa decisão. Salvo contrário, nós vamos para a obstrução, que nós não queremos", declarou.
Obstrução é uma manobra regimental para atrasar a votação de outros itens da pauta da Câmara, enquanto o interesse do grupo não for negociado. Os mecanismos usados, geralmente, são pronunciamentos, pedidos de adiamento da discussão e da votação e saída do plenário para evitar quórum na sessão.
A obstrução, claro, pode atrapalhar o andamento de outros projetos importantes. O partido quer dar a entender que tem força para isso, mas a realidade pode ser diferente.
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Além disso, há outro fator em jogo: o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir nos próximos dias se aceita a denúncia da Procuradora-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro (PL) e aliados. O PL quer manter a anistia em evidência para criar um escudo político para o ex-presidente. Mas se a estratégia falhar e o projeto de anistia continuar empacado, Bolsonaro pode acabar mais exposto do que protegido.
Enquanto isso, a Câmara segue em frente
Apesar da ameaça do PL, a Câmara tem outras prioridades. Nesta terça-feira (25), a pauta será voltada para projetos da bancada feminina, como a proposta que endurece a pena para quem oferecer drogas ou álcool a crianças. Projeto de Lei 942/24 é da deputada Laura Carneira (PSB-RJ). A relatoria no Plenário será a deputada Federal Chis Tonietto (PL-RJ).
Também está na pauta de terça o PL 4272/21, da ex-deputada Teresa Nelma (AL), que cria o Sistema Nacional de Acompanhamento da Pessoa com Suspeita ou Diagnóstico de Câncer, com o objetivo de realizar a navegação desses pacientes no Sistema Único de Saúde (SUS). A relatora será a deputada federal Enfermeira Rejane (PCdoB-RJ).
O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), informou que o projeto que trata da Lei do Mar (PL-6969/13), em análise na Casa há mais de dez anos, pode ser voltada na quarta (26). O PL, que vinha segurando a proposta, finalmente liberou sua votação, mas apenas porque agora encontrou outro assunto para travar na Câmara.
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Os parlamentares sugeriram diversas propostas para a Lei do Mar, mas só deverá ser votado o que tiver acordo. O projeto cria mecanismos para a gestão integrada do litoral brasileiro, com o objetivo de preservar ecossistemas marinhos e costeiros. O relator é o deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE).
Também pode ser apreciado o PL 4149/04, que aumenta a pena para agente que efetuar o disparo de arma de fogo de uso proibido ou restrito.
Já na quinta (27), serão colocados em votação no plenário projetos de acordo internacional.
Oposição isolada?
A jogada do PL de paralisar os trabalhos por conta do projeto da anistia pode sair pela culatra.
O centrão tem suas próprias prioridades e pode não querer embarcar nesse desgaste. Sem um apoio robusto, o bloqueio da pauta pode ser apenas um protesto barulhento e pouco eficaz.
Se a Câmara parar por um impasse criado pelo PL, o Planalto pode usar isso para reforçar a narrativa de que Bolsonaro e seus aliados só trabalham por interesses próprios.
E se nada der certo?
Se o plano de obstrução não surtir efeito, Bolsonaro e aliados podem ficar mais expostos do que protegidos, principalmente, durante os dias de julgamento no STF.
Mas a oposição já tem um plano B: um ato na Avenida Paulista, marcado para 6 de abril, para pressionar pela anistia. O PL aposta na mobilização popular para manter o tema vivo.
No fim das contas, o partido está diante de um dilema. Se insistir na obstrução e fracassar, pode sair enfraquecido e isolado.
Se recuar, perderá a narrativa de que luta incansavelmente pelos presos do 8 de janeiro.
Resta saber se essa é uma jogada de mestre ou apenas uma estratégia sem saída.