Casa de Braga Netto foi cenário de reunião para tramar golpe de Estado
Segundo relatório da PF, encontro foi ponto de partida para plano de matar presidente Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes
Emanuelle Menezes
A casa do general Walter Souza Braga Netto, preso neste sábado (14) por tentar interferir no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado, foi cenário para a reunião considerada pela Polícia Federal como o ponto de partida do plano que previa executar o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
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O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, confirmou, em depoimento prestado a Moraes, a realização do encontro em um apartamento do ex-ministro da Defesa, na Asa Sul de Brasília, em 12 de novembro de 2022. A PF também conseguiu, por meio de análises de geolocalização dos celulares, comprovar a presença dos militares no endereço.
Teriam participado da reunião, além do ex-ministro da Defesa, o tenente-coronel Mauro Cid, o major Rafael Martins de Oliveira e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima. A PF aponta que neste dia o planejamento operacional para a atuação dos 'kids pretos' foi apresentado e "aprovado pelo General Braga Netto".
Eles se reuniram, segundo os investigadores, "para apresentarem o planejamento das ações clandestinas com o objetivo de dar suporte às medidas necessárias para tentar impedir a posse do governo eleito e restringir o exercício do Poder judiciário".
"Após a aprovação do documento, iniciaram-se as ações clandestinas para implementação do planejamento operacional, além de condutas voltadas a orientar e financiar as manifestações que pregavam um golpe militar para manter o então presidente da República Jair Bolsonaro no poder, evidenciando a arregimentação de militares com formação em forças especial para atuarem no cenário de interesse (manifestações)", diz o documento.
Gabinete de crise
O relatório da PF identificou que o grupo já atuava prevendo como seria o cenário após o golpe de Estado. Eles planejaram a criação de um "gabinete de gestão de crise", liderado pelos generais Augusto Heleno, que seria o chefe, e Braga Netto, que ficaria na coordenação-geral. O gabinete, vinculado à Presidência da República, iria assessorar Jair Bolsonaro, monitorando o pós-golpe e atuando "para obter apoio da opinião pública interna e internacional".
A investigação descobriu que já havia uma minuta para a criação do gabinete, que seria instituído pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República) no dia 16 de dezembro de 2022, um dia após a consumação do golpe de Estado.
"Mesmo diante da não concretização do golpe de Estado no dia 15 de dezembro de 2022, os investigados ainda aguardavam uma ação que pudesse desencadear a ruptura institucional, com o apoio das Forças Armadas. Dessa forma, continuaram a monitorar o ministro Alexandre de Moraes e a incitar e subsidiar as manifestações antidemocráticas em frente às instalações militares, fato que culminou nos eventos violentos do dia 08 de janeiro de 2023, quando novamente o golpe de Estado foi tentado no país", diz o relatório.
Pressão nos comandantes das Forças Armadas
Ainda segundo as investigações, Braga Netto também participou ativamente da pressão contra os comandantes da Aeronáutica e do Exército, para que eles aderissem à trama golpista. "Braga Netto utilizou o modo de agir da milícia digital, determinando a outros investigados que promovessem e difundissem ataques pessoais ao General Freire Gomes e ao Tenente-Brigadeiro Baptista Júnior, além de seus familiares", diz a PF.
De acordo com o documento, o general da reserva recorreu a ferramentas da milícia digital para disseminar "em alto volume, por multicanais, de forma contínua e repetitiva informações falsas, passando a imagem ao meio militar e aos adeptos do ex-presidente Jair Bolsonaro, que os referidos comandantes seriam traidores da pátria e alinhados ao comunismo".
A PF também apresentou mensagens trocadas por Braga Netto com o ex-militar Ailton Barros. Os dois tratavam da resistência do comandante do Exército, Freire Gomes, para embarcar na trama golpista. "Vamos oferecer a cabeça dele aos leões", escreveu Barros. Em resposta, Braga Netto disse: "Oferece a cabeça dele. Cagão".
Em outro momento ataca o então comandante da Aeronáutica: "Senta o pau no Baptista Junior (...) traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família".
Indiciamento
Braga Netto foi indiciado junto com outras 36 pessoas – incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) –, no dia 21 de novembro, pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.
Para a PF, Braga Netto integrou dois núcleos da suposta organização criminosa: a dos responsável por incitar militares a aderirem ao golpe e a de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos. O general quatro estrelas foi ministro da Casa Civil e da Defesa durante o governo Bolsonaro e deixou o posto em 2022, para se candidatar a vice na chapa do ex-presidente.