Sobrevivente de feminicídio enfrenta medo e recomeça vida após ser baleada 6 vezes na frente dos filhos
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, 253 mulheres foram mortas vítimas da violência doméstica apenas em 2024
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Bruna Macedo
Elba Kriss
O crime aconteceu em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, em novembro do ano passado. Três dias antes, um áudio que foi enviado pelo agressor para a mãe da vítima já anunciava que a vida de Heloíse Graziele estava em risco: "Eu vou te entregar a sua filha dentro de uma caixa de madeira, aí você vai ver quem é o Tales, tá bom?"
Helder Tales Carvalho Ribeiro, ex-marido de Heloíse, que atuava como guarda civil metropolitano, não aceitava o fim do relacionamento, e chegou a afirmar em outra gravação que estava rastreando a jovem. "Eu tô levantando qual hotel ela tá, tá? Eu vou entrar lá e vou fazer um arregaço, você vai ver só."
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Na segunda-feira do crime, Heloíse voltou do hotel onde estava escondida por medo das ameaças, a pedido do agressor, que insistia em uma reunião de família para acertar a separação. "Estava todo mundo em casa, ele exigindo uma conversa. O padrasto estava, minha mãe estava, e os meus filhos viram tudo", relembra Heloíse.
O encontro que deveria definir os termos da separação tomou outro rumo. Helder propôs uma reconciliação, sob algumas condições. Uma delas era que Heloíse deixasse de trabalhar. Diante da negativa da jovem, ele sacou a arma e disparou contra a vítima. Heloíse foi baleada pelo menos 6 vezes.
A tragédia foi presenciada pelo filho do casal, de apenas 10 anos, pelo padrasto de Heloíse, que tentaram contê-lo, além da mãe dela, que só conseguia gritar de desespero. "Meu filho foi pra cima dele. Ele gritava: ‘Eu te odeio, eu te odeio!’ Meu padrasto conseguiu dar um mata-leão nele, e ele desmaiou", conta a sobrevivente.
Um dos tiros atingiu o rosto de Heloíse e dilacerou o maxilar dela, que precisou ser reconstruído. "Eu perdi muito sangue. O resgate demorou uns 20 minutos para chegar. Minha mãe gritava na rua: ‘Minha filha, minha filha!’", lembra.
Após ser contido, Helder Tales ainda tentou fugir, pulou o muro da casa e se escondeu em uma edícula de um vizinho, mas a polícia chegou rapidamente e ele foi preso em flagrante. Agora, ele aguarda o julgamento detido.
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Mas mesmo com o agressor preso, o medo ainda acompanha Heloíse. "Uma hora ele vai sair e vai me procurar, vai procurar os filhos. Eu não sei o que fazer. Ele sabe onde minha família mora há mais de 20 anos", desabafa.
A defesa de Helder pede que a Guarda Civil de Taboão da Serra, onde ele trabalhava como guarda civil, apresente o histórico de saúde e os motivos de afastamentos do ex-gcm, numa tentativa de provar que o crime foi causado por um surto, apurou a reportagem.
Para superar o trauma, Heloíse e família hoje fazem terapia. "Meu filho ficou mais calado, estressado. Minha filha sabe de tudo e viu tudo. Às vezes, sonha que o pai voltou e acorda assustada", conta. Hoje, aos 31 anos, a vítima carrega cicatrizes não só físicas, mas emocionais. Apesar disso, busca um novo começo. "Os médicos disseram que sou um milagre. Então, o que eu quero agora é viver, trabalhar, passear, ir à praia com meus filhos", conclui.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, em todo o estado, só em 2024, 253 mulheres morreram vítimas da violência doméstica.