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Irmã de mulher trans morta em BH denuncia crime de ódio e pede justiça: 'Que não tenha sido em vão'

Alice Martins Alves, de 33 anos, morreu dias depois de desenvolver uma infecção generalizada, decorrente de uma agressão brutal

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Marina Félix, de 32 anos, e sua irmã Alice Martins Alves, que morreu aos 33 anos após ser espancada ao sair de um bar em Belo Horizonte (MG) | Foto: Arquivo pessoal
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Amorosa, companheira e uma artista nata, que adorava se maquiar, dançar e desenhar roupas. É assim que Marina Félix, de 32 anos, descreve a irmã, Alice Martins Alves, que morreu aos 33 anos, no último domingo (9), após desenvolver uma infecção generalizada decorrente de uma agressão brutal. Ao SBT News, Marina denuncia que Alice foi vítima de transfobia, crime no Brasil desde 2019, e pede justiça para a irmã.

Na madrugada de 23 de outubro, Alice saiu de um bar no bairro Savassi, em Belo Horizonte (MG), e, após atravessar a avenida, começou a ser agredida por um desconhecido, acompanhado de outros dois homens que riam dos atos violentos. Segundo o boletim de ocorrência, a agressão foi totalmente gratuita, o que pode ser classificado como transfobia. Até a publicação deste texto, ninguém havia sido preso.

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Marina conta que, após a agressão, Alice foi encontrada desacordada por uma pessoa que acionou o Samu. Ela então foi atendida numa Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde foi medicada e depois liberada. Após receber alta, voltou para casa onde morava com o pai. De acordo com Marina, ela não o acordou porque não queria preocupá-lo com seus múltiplos ferimentos e hematomas.

Poucos dias depois da agressão, Alice e o pai, que tinham relação muito próxima, voltaram ao hospital para avaliar a extensão do estrago causado. Então, descobriram que ela havia tido quatro costelas e o nariz quebrados, além de traumas generalizados. Segundo Marina, foram muitas idas e vindas ao hospital nos 17 dias que transcorreram entre a agressão e a morte da irmã.

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Alice só ficou internada em seus dois últimos dias de vida, depois que seu quadro começou a piorar. Após apresentar sintomas como dor interna intensa e vômitos, ela voltou ao hospital e descobriu que havia tido uma perfuração no intestino. O quadro evoluiu para uma infecção generalizada, que a levou à morte. À reportagem, Marina preferiu não expor o nome do hospital para não atrapalhar as investigações.

"A investigação [médica] demorou demais. Após um trauma tão grande, a integridade dos órgãos deveria ter sido a primeira coisa a ser avaliada", diz Marina. "Depois de 17 dias com uma parte do intestino rompida, o risco de infecção generalizada é muito grande. Foi feito muito para salvá-la, mas já era tarde."

'Mundo perdeu uma pessoa muito legal'

Residente numa cidade do interior de Goiás, Marina não se encontrou com Alice depois da agressão e não conseguiu se despedir da irmã pessoalmente — ela foi sepultada na segunda-feira (10), em Belo Horizonte, sob forte comoção. As duas conversaram por WhatsApp, mas Marina conta que a irmã não quis falar sobre o ocorrido.

Apesar de morarem longe uma da outra, as duas eram muito próximas. Marina relata que Alice era muito carinhosa e que, nos últimos três meses, vinha falando sobre o quanto a amava e apreciava tudo que já tinham vivido juntas, sem saber que era uma despedida. Além de afetuosa, Marina descreve Alice como uma mulher que acumulava múltiplos talentos e tinha "essência" feminina desde criança.

"Alice me ensinou sobre o poder da essência. Ela sempre teve muita essência, desde pequenininha. Brincava mais com minhas bonecas do que eu. Também era uma artista nata. Se formou em estética e fazia maquiagens muito bonitas. Em todo evento que íamos com as amigas, maquiava as mulheres do grupo com uma devoção e amor que todo mundo se lembra. O mundo perdeu uma pessoa muito legal", conta.

Alice gostava de se maquiar | Foto: Arquivo pessoal
Alice gostava de se maquiar | Foto: Arquivo pessoal

"Minha irmã também gostava de desenhar roupas, cantar e cozinhar. Era muito boa cozinheira. Nos últimos tempos, estava parada, mas queria empreender com nosso pai no ramo de produção de alimentos. Se você parar para pensar, são poderes que remetem ao feminino. Não estou dizendo que a mulher deva ficar na cozinha, não é isso — mas ela tem um certo dom para realizar coisas que envolvem a criação", acrescenta.

Apesar de sempre ter tido uma "essência feminina", Alice só iniciou o processo de transição de gênero na idade adulta. Por volta dos 19 anos, já usava cabelos longos e roupas femininas, mas só se assumiu mulher aos 25 anos. Na infância, ainda se portava e se vestia de acordo com os padrões de gênero impostos aos meninos. Apesar disso, sempre sofreu preconceito por ser diferente.

Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo

Segundo dossiê realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado em janeiro, 122 pessoas trans foram mortas no Brasil em 2024. Apesar de o país ter registrado 23 casos a menos do que em 2023, o Brasil segue, pelo 16º ano consecutivo, como o que mais mata pessoas trans no mundo. Em números absolutos, São Paulo foi o estado que teve maior registro de assassinatos: 16. Em seguida, aparecem Minas Gerais e Ceará, com 12 e 11 casos, respectivamente.

A maioria dos casos (49%) foi registrada na região Nordeste, que segue sendo a que mais acumula mortes de pessoas trans desde 2022. A região Sudeste aparece em segundo lugar, com 34% dos assassinatos, seguida pelo Centro-Oeste, com 10%; pelo Norte, com 8%, e Sul, com 7% dos casos.

Ainda de acordo com o dossiê, entre as mortes de pessoas trans, a maioria é de mulheres trans ou travestis, que correspondem a 97% das vítimas. As demais vítimas, 3%, são homens trans. A maior parte tinha menos de 35 anos (66%) e era preta ou parda (78%).

O documento mostra ainda que os crimes ocorrem majoritariamente em locais públicos, principalmente, em via pública, em ruas desertas e à noite. As práticas policiais e processos judiciais se caracterizam pela falta de rigor na investigação, identificação e prisão dos suspeitos.

Marina cobra justiça e afirma ter esperança de que o agressor seja punido, uma vez que o local onde Alice foi agredida conta com câmeras de segurança. Amigos da família e pessoas que se solidarizaram com o caso vêm conversando com comerciantes da região e analisando imagens, a fim de obter pistas sobre o agressor e seus cúmplices.

"Espero que os agressores sejam encontrados e punidos conforme a lei. Desejo também que a sociedade aprenda a proteger aqueles que são menores — não menores por serem inferiores ou mais fracos, mas por terem menos ferramentas para lutar contra os grandes", diz. "Que o mundo se torne um lugar melhor e mais pacífico. E que a perda de uma pessoa tão bonita não tenha sido em vão."

Marina cobra justiça por Alice | Foto: Arquivo pessoal
Marina cobra justiça por Alice | Foto: Arquivo pessoal

Segundo o jornal Estado de Minas, parceiro do SBT, a busca por imagens de câmeras de segurança foi iniciada após um apelo do pai de Alice, Edson Alves Pereira. Ao veículo, Edson afirmou, durante o sepultamento da filha, na segunda-feira, que esteve no local depois da agressão e que tentou obter as gravações, mas que ninguém o ajudou.

Ainda de acordo com o Estado de Minas, a área onde Alice foi agredida conta com mais de dez câmeras aparentes instaladas, mas apenas seis estavam funcionando. Investigadores da Polícia Civil de Minas Gerais (PC-MG) estiveram no local na última segunda e terça-feira (10 e 11) e disseram que, como as câmeras têm ângulos restritos, é provável que não tenham registrado a agressão.

O dono de um estabelecimento, que pediu para não ser identificado, afirmou que foi procurado pela PC-MG, mas que, até o início da noite de terça-feira (11), os policiais não haviam retornado para colher as imagens. Em outro local, os funcionários disseram que as gravações só ficam disponíveis por dez dias.

O SBT News procurou a Polícia Civil de Minas Gerais (PC-MG) para saber sobre o andamento das investigações, mas ainda não obteve retorno. Havendo qualquer novidade, este texto será atualizado.

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