Tribunal do Crime, violência e ameaça: como agiam agiotas ligados ao PCC
Denúncia do Ministério Público mostra como envolvidos com a facção criminosa cobravam juros que podiam chegar a 300% ao mês
Agiotas do Primeiro Comando da Capital (PCC) cobravam devedores com ameaças, violência, sequestro de bens e até recurso ao Tribunal do Crime. A descoberta foi feita por investigadores do Ministério Público de São Paulo (MPSP) que, na última semana, prenderam nove suspeitos na Operação Khalifa.
A ação, deflagrada na terça-feira (7), visava "uma complexa rede de exploração de agiotagem". Os empréstimos eram feitos com uma cobrança de juros mensal que podia ir de 10% a 300%. Quem pegava o dinheiro emprestado e não pagava no prazo previsto era cobrado, geralmente, no valor de R$ 1 mil por dia.
O SBT News teve acesso à denúncia do MP contra a organização criminosa e detalha, abaixo, as ameaças feitas pelo grupo a devedores.
Tribunal do Crime
Escutas realizadas pelos investigadores mostram uma conversa de um dos alvos da operação, Eduardo Nunes da Silva, com outros dois homens, em setembro de 2023. Nela, eles conversam sobre a formação de um Tribunal do Crime para cobrar um homem.
"Ontem entramos oito irmão na linha, 'não mano, eu vou pagar', eu falei 'Ô, amigão, por que você não pagou, pra que precisa chegar nesse ponto'", conta Eduardo. Um dos homens que participa da conversa afirma: "quando ele encostar, já é para amarrar e só sai resolvido". Eduardo concorda.
Ainda em setembro de 2023, um grampo flagrou uma conversa entre Edson Carlos do Nascimento, o Kaká – apontado como líder do grupo e coordenador das ações criminosas –, e Jonathan Lemos da Cruz, o Jhow. Os dois falam sobre um Tribunal do Crime que estava sendo realizado na casa do advogado Marco Antonio Pereira de Souza Bento, o Paçoca.
Kaká pede para Jonathan providenciar duas pizzas e dois pacotes de cerveja, porque "os maloqueiros" estão com fome. Outro homem pega o telefone e passa a conversar com Kaká, que diz: "nós está numas ideias aqui com o vagabundo, é o seguinte, ele vai morrer, e o último pedido dele foi uma pizza de muçarela. Faz a pizza rápido, acelera aí pra nós".
Em uma conversa de outubro de 2023, Jonathan se irrita com outro agiota, que estaria cobrando "juros abusivos" dos clientes. O homem cobrava, segundo as investigações, uma porcentagem de 40% sobre os empréstimos.
"Isso é juros abusivos, vou colocar ele logo nas ideias, esse maluco", diz ele em conversa com uma amiga. Levar "para as ideias", de acordo com o MP, significa submeter uma pessoa ao Tribunal do Crime.
Sequestro de bens
Outro grampo, de setembro de 2023, mostra uma conversa de Fernando de Souza Santos, o Gordo, e Daniel Carvalho Vasconcelos Santana. Gordo conta que um caminhão estava a caminho do estabelecimento comercial de um devedor. Eles iriam retirar mercadorias do local, como forma de pagamento pelo empréstimo não pago.
Gordo: "mano, o cara tá enrolado, já vendeu o mercado aqui, não tem mais nada aqui" Daniel: "manda ele se virar, ué" Gordo: "isso aí nós já conversamos com ele já. [Um homem] Já tá com o caminhão aqui na Marginal, já pra chegar aqui para nós recolher a coisa do mercado"
Ameaça
Em dezembro de 2023, Daniel conversa novamente com Gordo sobre uma ameaça feita a um devedor que estava com o filho pequeno. "O cara falou que o filho dele ficou até 5 horas da manhã pra dormir, dormiu na cama do moleque, o moleque chorando com medo de nós", contou.
Gordo responde: "Eu quero que se f*, o que ele ficou pensando do filho dele lá".
Quem faz o quê?
Segundo as investigações, Kaká é o líder do grupo e membro relevante do PCC. Daniel administra os empréstimos e faz a contabilidade dos valores arrecadados e dos juros cobrados. Gordo fazia a cobrança dos devedores. Jonathan era um braço-direito do advogado Marco Antonio Pereira de Souza Bento, o Paçoca, que, de acordo com o MP, é integrante da facção criminosa. Eduardo também faz parte do PCC.