"A câmera funciona ininterruptamente, só que ela não registra", diz Tarcísio sobre novo edital da PM
O ministro da Justiça e Segurança Pública assinou nesta terça (28) uma portaria com diretrizes para regulamentar o uso das câmeras corporais em todo o Brasil
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que o novo edital das câmeras corporais da Polícia Militar (PM) respeita as diretrizes do Ministério da Justiça porque "funciona ininterruptamente, só que ela não registra".
Tarcísio falou sobre o assunto durante uma coletiva de imprensa, nesta terça-feira (28), em São Bernardo do Campo, região do ABCD Paulista. Ele foi até a cidade para realizar a entrega de 290 unidades habitacionais.
Entenda a polêmica sobre as câmeras corporais
Nesta manhã, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, assinou uma portaria com diretrizes para regulamentar o uso das câmeras corporais em todo o Brasil.
A cartilha, que busca recomendar o uso e não tem força de lei, ocorreu após o governo de São Paulo anunciar, na última quinta-feira (23), um novo edital que prevê a substituição de dez mil Câmeras Corporais Portáteis (COPs) antigas e a compra de mais duas mil para o efetivo da PM.
Atualmente, as câmeras acopladas nos coletes à prova de tiros funcionam de duas formas:
- No modo gravações rotineiras, em que os policiais não podem escolher o momento do registro porque elas gravam o turno do policial militar sem interrupções, as 12 horas completas. Dessa forma, a imagem fica salva por 90 dias no Centro de Operações da Polícia Militar (Copom);
- Nas gravações intencionais. Nesse modelo, o policial tem a opção de captar o áudio e a imagem em qualidade melhor. Sendo fundamental para abordagens importantes, como no caso do acidente com a Porsche. Nesse uso, as imagens ficam salvas durante um ano no Copom. Câmeras de PMs mostram como dono de Porsche reagiu após acidente fatal em São Paulo
Novo edital
Com as mudanças previstas no edital, o modo de gravações rotineiras deixará de existir, permanecendo apenas a gravação intencional que, quando acionada, retroage 90 segundos e começa a gravar.
Nesse caso, o equipamento poderá ser ligado pelo Copom, por sistemas configurados por geolocalização e pelos próprios militares. Ou seja, os policiais poderão escolher quando ligar e desligar o botão de filmagem.
Outra mudança prevista é a redução do tempo de armazenamento das imagens. Hoje as gravações ficam guardadas por 90 dias ou um ano. No novo edital, as gravações só ficarão salvas por apenas 30 dias.
"Você tem o acionamento que pode ser feito pela autoridade policial. Você pode ter o acionamento automático por software (Copom) e você tem um acionamento por geoprocessamento. Então, você tem duas situações de acionamento automático e uma pelo próprio policial. A câmera funciona interruptamente, só que ela não registra. Ela registra 90 segundos para trás a partir do momento em que ocorre o acionamento", disse Tarcísio de Freitas.
Recomendação do Ministério da Justiça
Segundo a portaria, para estar dentro do norma, essas são as 16 situações em que os policiais devem gravar:
- atendimento de ocorrências;
- atividades que demandem atuação ostensiva, seja ordinária, extraordinária ou especializada;
- na identificação e checagem de bens;
- durante buscas pessoais, veiculares ou domiciliares;
- ao longo de ações operacionais, inclusive aquelas que envolvam manifestações, controle de distúrbios civis, interdições ou reintegrações possessórias;
- cumprimento de determinações de autoridades policiais ou judiciárias e de mandados judiciais;
- perícias externas;
- atividades de fiscalização e vistoria técnica;
- ações de busca, salvamento e resgate;
- escoltas de custodiados;
- todas as interações entre policiais e custodiados, dentro ou fora do ambiente prisional;
- durante as rotinas carcerárias, inclusive no atendimento aos visitantes e advogados;
- intervenções e resolução de crises, motins e rebeliões no sistema prisional;
- situações de oposição à atuação policial, de potencial confronto ou de uso de força física;
- sinistros de trânsito;
- patrulhamento preventivo e ostensivo ou na execução de diligências de rotina em que ocorram ou possam ocorrer prisões, atos de violência, lesões corporais ou mortes.
Críticas
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, classificou o novo edital de São Paulo como retrocesso: "é uma farsa, porque permite aos policiais ligarem ou desligarem como quiserem. Veja, isso me parece que é uma medida que privilegia os maus policiais, aqueles policiais que não respeitam a lei, os que usam a força de maneira excessiva e, portanto, ilegal".
Entidades como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Instituto Sou da Paz, Instituto Igarapé, Conectas, Comissão Arns, Fogo Cruzado, entre outras, criticam o edital.
"Sob o discurso da ampliação e integração dos equipamentos a outras plataformas operacionais, o edital altera radicalmente o bem-sucedido programa iniciado quatro anos atrás e coloca em risco, exatamente, o que fez do programa uma das experiências mais bem-sucedidas de compliance da atividade policial e com maior impacto no mundo todo".
Dia a dia do policial
Um estudo da Fundação Getúlio Vargas mostrou que o uso das câmeras reduziu em 57% o número de mortes decorrentes da intervenção policial, em relação à quantidade de óbitos sem o uso tecnologia. Na prática, 104 mortes deixaram de acontecer em 14 meses com as câmeras acopladas aos uniformes.
Segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Unicef, da ONU, o uso das COPs reduziu o número de PMs vítimas de homicídio de 18, em 2020, para 4, em 2021, e 6, em 2022.
O diretor da Humans Rights Watch aponta que não há como prever uma situação de perigo no dia a dia do policial e colocar uma nova tarefa – ativar a câmera – pode representar mais um desafio que uma proteção.
"Você não consegue prever uma situação de perigo, que necessite de uma ação especial da polícia. O criminoso não vai avisar quando vai dar o disparo para o policial ligar a câmera. Se o controle é manual, ele não vai ligar. É óbvio. É um retrocesso do estado de São Paulo", diz César Munoz.
Justificativa
A Secretaria da Segurança Pública da gestão do governador Tarcísio de Freitas justificou a mudança do novo edital com base em aspectos técnicos (problema de duração de bateria) e eficiência financeiro (custo de armazenagem das gravações).