Exclusivo: Dinheiro do PCC pode ter financiado negociações de jogadores em grandes clubes, revela delação
Empresário delata esquema de lavagem de dinheiro do tráfico em transações de jogadores e imóveis de luxo; investigações incluem suspeita de corrupção policial
Fabio Diamante
Robinson Cerantula
Uma delação feita ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, revelou que dinheiro proveniente do tráfico de drogas pode ter sido usado em negociações de jogadores de futebol que atuam em grandes clubes brasileiros e internacionais.
O delator, Antônio Vinícius Gritzbach, empresário acusado de ser o mandante do assassinato do traficante Anselmo Santa Fausta, um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), fez um acordo de delação premiada com os promotores de Justiça na tentativa de reduzir sua pena. Santa Fausta foi executado em plena luz do dia, no bairro do Tatuapé, em São Paulo, no dia 27 de dezembro de 2021.
A delação de Gritzbach foi homologada pela Justiça no dia 19 de junho deste ano. Em troca de sua colaboração, ele terá sua pena reduzida em um terço, mas também terá que pagar uma multa de R$ 15 milhões.
Jogadores de futebol
Além dos negócios imobiliários, o delator destacou o envolvimento de criminosos do PCC no agenciamento de jogadores de futebol. Segundo ele, três empresas – a FFP, a UJ Football e a Lion Soccer Sports – usam dinheiro do tráfico para negociar jogadores no Brasil e no exterior. A Lion Soccer Sports, comandada por Danilo Lima de Oliveira, conhecido como "Tripa", é uma das responsáveis por transferir atletas para a UJ Football, empresa que agencia a carreira de Éder Militão, jogador da seleção brasileira e do Real Madrid.
Outro nome citado foi Rafael Maeda Pires, o "Japa", que também agenciava jogadores e teria tirado a própria vida em maio do ano passado. No entanto, a polícia suspeita que ele tenha sido obrigado a cometer suicídio por membros da facção. Uma operação no dia 16 de agosto apreendeu celulares em endereços que pertencem a agentes da Polícia Civil suspeitos de envolvimento na execução. Eles agem como empresários dos jogadores, oferecendo atletas aos clubes e gerenciando a assinatura de contratos. Em geral, o esquema funcionava com o dinheiro do tráfico para pagamento do jogador e, quando o contrato era fechado, recebiam a comissão em dinheiro limpo, efetuando a lavagem dos valores.
Imóveis de luxo
O empresário entregou detalhes dos diversos negócios realizados pelo PCC, incluindo a compra de imóveis de luxo em nome de laranjas, tanto em São Paulo quanto no litoral, como no condomínio Riviera de São Lourenço, em Bertioga.
Gritzbach também revelou sua participação em negócios feitos pela construtora Porte com integrantes da facção criminosa. Ele atuou como gerente na empresa e conheceu os criminosos em transações milionárias, fornecendo aos promotores provas como prints de conversas e fotos de dinheiro vivo usado para pagamentos.
Em nota, a Porte Engenharia afirmou que não teve conhecimento da delação, e se prontificou a colaborar com a investigação. "Todos os negócios efetuados pela empresa respeitam a legislação brasileira e as orientações dos órgãos de controle e das instituições financeiras", diz o comunicado.
Provas da delação
Gritzbach entregou aos promotores cópias de mensagens, contratos, pacotes de dinheiro e comprovantes de pagamentos de taxas para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Paulista de Futebol. A delação aponta que os criminosos negociaram jogadores com clubes como Corinthians, Grêmio, Novorizontino, São Paulo, Real Madrid, Milan, Juventus e Nottingham Forest.
A delação também incluiu denúncias de corrupção policial, envolvendo o Departamento de Homicídios, o Departamento Estadual de Investigações Criminais e uma delegacia na Zona Leste de São Paulo. Como resultado, novos inquéritos foram abertos para apurar o envolvimento de policiais em crimes de corrupção e organização criminosa.Clubes, empresas e autoridades se pronunciam sobre esquema do PCC revelado em delação.
Em meio a investigações envolvendo possíveis vínculos de jogadores de futebol com membros do crime organizado, diferentes clubes e empresas do esporte se pronunciaram, enquanto outros preferiram não comentar sobre o assunto. O Ministério Público de São Paulo (MPSP) informou que a investigação está sob segredo de Justiça, sem mais detalhes revelados. O Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) informou que não tem conhecimento do teor da delação premiada mencionada nas reportagens. Ressaltou que Rafael Maeda não foi ouvido nem investigado nos inquéritos relacionados a Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, envolvido em crimes de lavagem de dinheiro e financiamento de organização criminosa. O DEIC enfatizou que a delação só foi possível devido ao inquérito instaurado pelo departamento, o qual resultou na indisponibilidade e sequestro de 20 imóveis, liberados posteriormente em acordo de colaboração premiada.
O DEIC reafirmou seu compromisso com a transparência e legalidade em todas as suas investigações, prometendo continuar atuando para garantir a segurança pública e a justiça. O São Paulo Futebol Clube optou por não se manifestar sobre o caso. A diretoria do Sport Club Corinthians Paulista expressou surpresa ao tomar conhecimento das denúncias de que atletas, supostamente agenciados por integrantes do crime organizado, teriam firmado contratos com o clube. A diretoria ressaltou que, segundo as reportagens, esses contratos teriam sido celebrados antes da gestão atual. O Corinthians reafirmou sua disposição em colaborar com as autoridades, fornecendo documentos e esclarecimentos necessários para a completa apuração dos fatos. O Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense declarou que não tem nada a comentar sobre o caso, afirmando que a questão não diz respeito ao clube. A empresa UJ Football Talent esclareceu que opera como uma Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), sendo conduzida de forma unipessoal. Afirmou que Danilo Lima, citado na reportagem, não é e nunca foi sócio ou participante da empresa. A UJ Football Talent repudiou qualquer associação com as investigações em curso, afirmando que a citação de seu nome distorce a verdade e poderá resultar em medidas judiciais. A empresa destacou que sempre operou de forma transparente e ética, e se colocou à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais. Rodrigo Paiva, representante da CBF, comentou que a Confederação não tem envolvimento direto com os processos de inscrição de jogadores nas competições organizadas pela entidade, esclarecendo que a responsabilidade por esses processos recai sobre os clubes e seus agentes, que precisam ser regulamentados pela Fifa, a Federação Mundial de Futebol. Paiva destacou que a CBF não foi citada nas investigações até o momento.