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Por que precisamos de um dia contra a LGBTfobia?

A homossexualidade foi considerada doença até 1990; preconceito persiste e tirou a vida de uma pessoa a cada 38 horas no Brasil em 2023

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Mortes e agressões contra a população LGBTIA+ crescem ano a ano no Brasil | Freepik
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"Há profundas divergências entre os estudiosos da homossexualidade, inclusive entre as escolas psiquiátricas, acerca de saber-se se a homossexualidade é ou não uma doença."

O trecho acima foi retirado de um documento do Conselho Federal de Medicina (CFM) do ano de 1985 e resume bem como seria abordada a questão LGBTQIA+ no mundo até pelo menos o dia 17 de maio de 1990. Até essa data, homossexualidade e transexualidade eram considerados "Desvios e Transtornos Sexual" pelo Código Internacional de Doenças (CID), idealizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Depois disso, foram retirados das categorias patológiccas. Ainda assim, precisamos continuar tendo um dia contra a LGBTfobia?

"Apesar de não serem mais consideradas doenças pela OMS, ainda assim nós vemos nos quatro cantos do mundo terapias de conversão sendo aplicadas com o suposto objetivo de corrigir a orientação sexual e a identidade de gênero. Isso demonstra que ainda há um forte preconceito e discriminação por parte da sociedade", ressalta Heloisa Alves, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de SP.

Em 2023, mais de 30 anos depois da decisão da OMS, dados do Observatório de Mortes e Violências LGBTIA+ divulgados nesta semana mostram que uma pessoa LGBTIA+ morreu de forma violenta a cada 38 horas no Brasil. No total, foram 230 mortes e a maioria delas, 184, foram assassinatos. Os demais casos foram suicídios (18) e casos que não tiveram causas estabelecidas (28). O dado, que já é alarmante, pode estar subnotificado.

“Como dependemos do reconhecimento da identidade de gênero e da orientação sexual das vítimas por parte dos veículos de comunicação que reportam as mortes, é possível que muitos casos de violências praticadas contra pessoas LGBTI+ sejam omitidos”, disse o observatório, em nota.

Quando considerados crimes de lesão corporal dolosa contra pessoas LGBTQIA+ o número é dez vezes maior: 2.324 denúncias em 2022, segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2023.

A discriminação se estende para o mercado de trabalho. No mundo, apenas 10% dos funcionários se autodeclaram LGBTIA+. Já das pessoas em cargos de liderança, apenas 8% são LGBTIA.

Além disso, a maioria da população LGBTQIA+ afirma ter presenciado com muita ou alguma frequência piadas e comentários preconceituosos. Os dados foram divulgados pela consultoria global Great Place to Work (GPTW) em 2022.

A partir disso, é possível perguntar: apenas estabelecer o Dia Internacional de Luta Contra à LGBTfobia pode mudar essa realidade? Apesar da importância histórica na luta pelos direitos, ela precisa de esforços que deem respaldo para redução de violência e preconceito contra a população LGBTIA+. Apesar de avanços na sociedade, o número de casos vem aumentando ano a ano no Brasil.

"Ninguém nasce preconceituoso, as pessoas se tornam preconceituosas. É preciso levar essas questões para a educação desde cedo e o Estado precisa de políticas públicas afirmativas. Além disso, a ausência de leis e de punição acaba aumentando os números de violência", defende.

Como é a lei no Brasil hoje?

Não existe uma lei especialmente contra LGBTfobia estabelecida no Brasil. Apenas em 2019, a partir de um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) a homofobia e a transfobia passaram a ser um crime imprescritível e inafiançável, vinculados à Lei do Racismo — a pena vai de um até três anos de prisão.

"A partir dessa decisão do STF,, quem discriminar gays, lésbicas ou pessoas trans pode estar sujeito a punição", ressalta.

Segundo ela, injúria, calúnia, difamação e ameaça podem ser entendidos crimes de homofobia. Os mais comuns são de injúria — quando uma pessoa xinga a outra.

"Quando falamos de crimes de LGBTfobia, são crimes de ódio, ou seja, crimes motivados contra a orientação sexual e a identidade gênero da vítima", explica.

Como identificar LGBTfobia?

Há duas maneiras de acontecer a LGBTfobia: de forma clara ou velada. No primeiro caso, é mais fácil de ser identificado, já que a agressão se materializa de forma física, com agressões e, em casos mais extremos, mortes. "O agressor faz questão de deixar claro que a motivação do foi a LGBTfobia". Já no segundo caso, é uma violência "mais sutil".

"Vou dar um exemplo: no ambiente de trabalho. Quando é dado um acúmulo de funções para uma pessoa simplesmente por ser gay ou trans, fazer piadinhas, deixar ela de lado. Em qualquer caso que a pessoa se sinta ofendida por sua orientação sexual e identidade de gênero, cabe denúncia.", ressalta.

Ainda sobre o ambiente de trabalho, a especialista defende que não é só contratar novos profissionais LGBTIA+, mas que haja uma política de inclusão em todos aspectos no trabalho.

Caso crime de LGBTfobia tenha com alvo um coletivo de pessoas, como uma manifestação de ódio nas redes sociais, também cabe atuação do Ministério Público para fazer uma denúncia.

Como denunciar?

"É preciso que a população LGBTIA+ tenha consciência de que seus direitos estão protegidos pela Constituição. É importante que isso aconteça pelas paradas do orgulho, por exemplo", afirma.

Para fazer denúncias de LGBTfobia há alguns caminhos disponíveis no país: procurar delegacias especializadas (como o Decradi em São Paulo); ligar para o 190 em casos de flagrante delito, ou o Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos. Segundo a advogada, o último canal de comunicação pode ser útil principalmente para agressões verbais, quando a pessoa sente que teve os seus direitos violados.

"É preciso que a população LGBTIA+ tenha consciência de que seus direitos estão protegidos pela Constituição. É importante que isso aconteça pelas paradas do orgulho, por exemplo. O primeiro passo é fazer uma denúncia", ressalta.
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