França reforça medidas de segurança para mulheres após caso Gisèle Pelicot
Idosa foi drogada por anos pelo próprio marido para estupros coletivos; julgamento ouviu último réu na semana passada
Camila Stucaluc
O primeiro-ministro da França, Michel Barnier, anunciou, na segunda-feira (25), uma série de medidas para reforçar a segurança das mulheres no país. A ação acontece em meio ao julgamento de Gisèle Pelicot – que foi dopada por uma década pelo próprio marido, Dominique Pelicot, para que outros homens pudessem estuprá-la.
Segundo Barnier, até o final de 2025, mulheres vítimas de violência poderão registrar uma queixa em qualquer hospital do país, desde que a unidade tenha um departamento de emergência ou um serviço ginecológico. A medida visa facilitar o processo, já que, atualmente, as vítimas precisam se deslocar até uma delegacia para registrar a queixa.
Além disso, o governo passará a oferecer kits individuais para detectar submissão química, isto é, se houve agressão induzida por drogas. Neste contexto, o premiê disse que uma "missão" será criada no Congresso para avaliar as questões relacionadas.
Barnier anunciou ainda um aumento de 7 milhões de euros no Orçamento de 2025 para a chamada “ajuda universal de emergência”. Em vigor desde 2023, a lei permite que vítimas de violência doméstica se beneficiem de uma assistência financeira para conseguirem sair de casa e deixar o agressor. Até o momento, 33 mil subsídios foram pagos.
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“É sobre a cultura da sociedade no seu conjunto que temos de atuar para que nunca mais possa haver a menor tolerância ou desculpa para a violência contra as mulheres”, disse Barnier, durante uma visita à Casa das Mulheres da AP-HP em Paris.
Caso Gisèle Pelicot
O caso que chocou a França foi descoberto por acaso. Em 2020, Dominique Pelicot foi denunciado por tentar filmar a parte íntima de três mulheres em um supermercado. Ao ser investigado, os policiais encontraram milhares de fotos e vídeos da esposa do aposentado, visivelmente inconsciente, sendo abusada por estranhos na casa da família.
Ao continuar revistando o computador de Dominique, os investigadores descobriram que o aposentado oferecia sexo com a esposa por meio de um site. Várias conversas entre ele e homens que aceitaram o convite foram identificadas. Eles tinham entre 21 e 68 anos e, segundo o idoso, tinham conhecimento de que a mulher estaria inconsciente.
No total, foram registrados 92 estupros cometidos por 72 homens contra Gisèle, num período de 10 anos (2011 - 2020). Até o momento, apenas 50 homens foram localizados e processados, além de Dominique, podendo pegar penas de até 20 anos de prisão. O último réu foi ouvido na semana passada e, segundo a Justiça francesa, as sentenças devem ser anunciadas em dezembro.
Renúncia ao anonimato
Apesar do caso perturbador, Gisèle renunciou ao anonimato e pediu que o julgamento fosse aberto ao público. A decisão causou admiração, já que milhares dos vídeos em que a francesa aparece sendo abusada foram reproduzidos nas audiências. O cenário também abriu espaço para julgamentos, com pessoas acusando-a de ser cúmplice do marido.
“Desde que cheguei a este tribunal, sinto-me humilhada por me chamarem de alcoólatra e dizerem que sou cúmplice do senhor Pelicot. Fiquei em coma e os vídeos podem atestar isso. Até os especialistas, todos homens, ficaram chocados com esses vídeos. Tenho a impressão de que sou a culpada e que os 50 são vítimas”, disse Gisèle.
"O estupro é uma questão de tempo? Três minutos, uma hora? Estou chocada! Se fosse a mãe ou a irmã deles, teriam a mesma defesa? Vieram me estuprar, não importa quanto tempo tenha passado”, continuou a francesa, em depoimento ao tribunal.
A coragem de Gisèle foi reconhecida ao redor do mundo e desencadeou um amplo debate sobre estupro e submissão química. A francesa foi aplaudida diversas vezes ao sair do tribunal e chegou a receber flores.
Ex-marido confessa
Durante audiência em setembro, Dominique, agora ex-marido de Gisèle, reconheceu os crimes, afirmando ser um “estuprador”. "Ela não merecia isso, eu reconheço", disse ele, implorando a Gisèle e aos três filhos por perdão.
Na segunda-feira (25), a promotoria do caso pediu a pena máxima por estupro agravado para Dominique, hoje com 71 anos. “A pena máxima é de 20 anos, o que é muito, mas, ao mesmo tempo, muito pouco em vista da gravidade dos atos cometidos e repetidos”, declarou a promotora pública Laure Chabaud ao tribunal.