Criador e criatura: maldição se repetirá no México?
Com popularidade em alta, López Obrador elegeu a sucessora, Claudia Sheinbaum
Ela tem uma carreira política sólida, chefiando a prefeitura de duas cidades mexicanas, entre elas a capital do país, uma das maiores megalópoles do planeta.
No mundo acadêmico, Claudia Sheinbaum também triunfou, com graduação em física e doutorado em Engenharia Energética. Mesmo com esse currículo, não é desmerecê-la dizer que boa parte de sua vitória se deve ao atual presidente, Andrés Manuel López Obrador.
Sheinbaum sabe disso porque passou a campanha inteira reforçando a posição de continuidade de um governo com alta aprovação e, no discurso da vitória, fez agradecimentos especiais ao ex-presidente, que não concorreu de novo ao cargo porque o México não permite a reeleição, apesar do confortável mandato de seis anos.
O mundo é pródigo de histórias de criaturas que se rebelam contra criadores e tomam rumos políticos diferentes, com danos aos dois lados. Cristina Kirchner nunca morreu de amores por Alberto Fernández.
A chapa que venceu as eleições de 2019 era pragmática, todos sabiam, mas ninguém imaginava que o casamento acabasse logo depois de um ano. Quando o governo fez água, ela esfregou as mãos e deixou claro que não mandava nada na administração.
Na Colômbia, depois de passar oito anos na presidência, Álvaro Uribe carregou no colo Juan Manuel Santos durante toda a campanha. Quando o candidato virou presidente, a coisa desandou. Hoje, os dois estão em partidos diferentes e se tornaram adversários. De continuidade, o governo não teve nada.
Lula e Dilma são um caso mais complexo. Nunca faltou lealdade entre os dois, mas o que se ouvia nos bastidores durante o governo dela era um relato de impaciência com algumas decisões e com a maneira como ela lidava com o Congresso.
Em 2014, Dilma não deu atenção ao movimento "Volta, Lula", que partiu de filiados ao PT, e nunca cogitou não ser a candidata à reeleição. Teria Lula se arrependido da escolha? Talvez nem seus biógrafos terão a resposta.
Claudia Sheinbaum terá uma sombra gigante enquanto estiver na Presidência. Seu padrinho, conhecido como AMLO, devido às iniciais de seu nome, virou quase um popstar em muitos setores no México.
Se tiver vontade de opinar no governo, será difícil para a presidente fingir que não ouve. Terá ele paciência e grandeza para se afastar do poder?
Situações assim exigem uma engenharia política fina. Se parecer próxima demais ao antecessor, ela pode passar a imagem de fraca e teleguiada.
Afastar-se não é uma opção para não desagradar aos fãs do ex-presidente. Se o governo for bem, as nuvens se dissipam.
Os dois podem dar as mãos para celebrar o triunfo. Se começar a patinar, já vimos essa história, começam os sussurros daqui e dali, as comparações e as intrigas.
A nova presidente do México faz história ao ser a primeira mulher a ocupar o cargo. Tem experiência política e administrativa para liderar o segundo país mais populoso da América Latina. Seus aliados esperam que também use de sabedoria para firmar sua própria marca durante o mandato. E que seja positiva.