Macron erra ao comparar manifestações na França a 8 de janeiro
Especialistas refutam fala de presidente francês que aproximou protestos a ações golpistas no Brasil e nos EUA
Giovanna Colossi
Contrários à reforma da Previdência de Emmanuel Macron, centenas de milhares de manifestantes tomaram as ruas da França na última semana, em protestos que foram comparados pelo presidente francês ao 8 de janeiro no Brasil e a invasão ao Capitólio, nos Estados Unidos.
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Os franceses rejeitam o projeto de Lei imposto por Macron por meio do artigo 49.3 da Constituição, que o permitiu aprovar, sem o aval do Parlamento, a medida que eleva a idade mínima para aposentadoria de 62 para 64 anos até 2030 e antecipa para 2027 a exigência de contribuição por 43 anos - em vez de 42 - para receber a aposentadoria integral.
Convocadas por sindicatos do país, as manifestações bateram recorde de comparecimento e reuniram 3,5 milhões de pessoas na última 5ª feira (23.mar), segundo a central sindical CGT. Confrontos pontuais com a polícia e vandalismo foram registrados em Paris, Bordeaux, Nantes, Rennes, Lorient e Lyon.
Contudo, os protestos em nada têm a ver com o que aconteceu em Washington e no início do ano no Brasil. É o que avalia a coordenadora do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) no RS, a doutora em Ciência Política Teresa Cristina Schneider Marques.
"Os protestos do Capitólio e de 8 de janeiro tiveram como principal objetivo repudiar e recusar os resultados de eleições democráticas que não tinham qualquer vestígio de ter sido fraudadas. Não é isso que está acontecendo atualmente na França", pontua.
Para a docente, a tentativa de Macron de encontrar semelhanças entre os eventos não passa de uma estratégia discursiva.
"Não tem como comparar. Essa comparação que o Macron está fazendo é uma estratégia discursiva para tentar ter uma espécie de apoio internacional contra o movimento que a reforma da previdência provocou na França", avalia.
Assim como ela, o professor de ciência política e relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Caio Bugiato também vê uma tentativa do presidente francês de se aproveitar de uma pauta mundial para aplicar nas manifestações contrárias ao seu governo.
"Existe um consenso entre líderes mundiais, principalmente do Ocidente, que a grande ameaça à democracia liberal é a extrema-direita. O Macron pegou para si uma pauta mundial e aplicou na França. É um oportunismo, porque, de fato, a mobilização tem mais a ver com a esquerda neste momento do que com a extrema-direita", analisa.
Governo enfraquecido
Representante da centro-direita, Macron disputou voto a voto com a candidata da extrema-direita, Marine Le Pen, nas eleições de 2022. Com um cenário indefinido, ambos chegaram ao segundo turno com possibilidades reais de vencer. Caso Le Pen tivesse ganho, seria o primeiro governo de extrema-direita da França.
Com o discurso de salvaguardar a democracia, Macron conseguiu formar uma coalizão de partidos, dentre eles de extrema-esquerda e esquerda, que garantiram sua vitória. Longe de ser unanimidade, ele foi um voto de barragem ao extremismo no país.
Ao aprovar a reforma da previdência de forma tão antidemocrática, adotando uma postura de pouco diálogo com os movimentos sociais, sindicatos e a população, Macron não só arrisca perder sua popularidade, que atingiu a taxa mais baixa dos últimos anos, mas também a base de sustentação do seu governo.
"O fato de ele ter passado dessa forma a reforma da Previdência e os protestos que estão acontecendo agora, deixam Macron sem base de sustentação. E nenhum governo se sustenta se ele não tiver base social, se ele não tiver apoio dos partidos e das bases dos partidos. Então eu diria que é uma situação muito complicada que o governo se colocou.", pontua Bugiato.
Luta de classes
Não é a primeira vez que o governo liberal de Macron é marcado por medidas que atingem principalmente a classe trabalhadora, -- em seu primeiro mandato, o político deu fim a diversos programas sociais -- e ele parece estar disposto a seguir em frente com a reforma.
Em entrevista ao canal TF1 e France 2, o presidente reconheceu a impopularidade da medida, mas afirmou ser necessária. Ele também prometeu que o texto vai "entrar em vigor até o final do ano".
Os manifestantes, em contrapartida, prometeram continuar nas ruas. Os sindicatos marcaram uma nova greve geral para a próxima 3ª feira (28.mar).
"A França tem uma tradição muito grande desde a Revolução Francesa de tomar as ruas em grandes protestos. É uma população que participa da política para além do voto e quanto mais fechado o regime, maior a tendência da população utilizar métodos diretos de ação ou outros métodos violentos, porque não há espaço para diálogo.", comenta Marques.
A cientista política avalia que, apesar do desmonte do estado de bem-estar social dos últimos anos, a França ainda é um país no qual as pessoas têm acesso a muitos direitos sociais e dificilmente vão aceitar a intransigência do governo sem protestar.
"Eu acho que essa crise pode durar um tempo, é possível que a gente veja uma escalada da violência, e a pior possibilidade seria a convocação de novas eleições".