Após três anos, britânicos nunca estiveram tão arrependidos do Brexit
Promessas não foram cumpridas. Situação do Reino Unido é a pior entre os países do G7
Sérgio Utsch
Se um país inteiro fosse para o divã, o Reino Unido poderia se tratar nesse momento de um estado de arrependimento agravado por uma dificuldade extrema de convivência entre gerações e muitas dúvidas sobre o futuro.
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Todos os institutos de pesquisa que trabalham com o assunto mostram que os britânicos nunca estiveram tão certos de que algo errado foi feito. São entre 54% e 62% aqueles que consideram que o divórcio com a União Europeia foi uma decisão equivocada.
A votação foi em junho de 2016. O Brexit ganhou com o apoio de 52% dos eleitores. A saída oficial aconteceu no dia 31 de janeiro de 2020, exatos 3 anos atrás. Hoje, já se sabe que o resultado deve-se muito a um público mais velho, que costuma ser mais frequente nas urnas no país onde votar não é obrigatório.
Pesquisa Yougov feita logo após o plebiscito mostrou que 64% dos eleitores com mais de 65 anos votaram pelo divórcio com a União Europeia, enquanto 71% daqueles que tinham entre 18 e 24 anos queriam permanecer no bloco econômico.
Ao jornal The Guardian, pesquisadores do Instituto Universitário Europeu apresentaram o resultado da análise de várias pesquisas ao longo dos últimos anos pra mostrar que, além do arrependimento, há outro fator a ser considerado. A "substituição do eleitor" é o fenômeno que descreve a saída de eleitores mais velhos, por morte ou invalidez e a entrada dos mais novos. No Reino Unido, a idade mínima pra votar é de 18 anos.
FATOS
A essa mudança geracional, acrescentam-se os resultados nada animadores desses últimos 3 anos. A última cereja do bolo pra quem argumenta contra o Brexit é a previsão do FMI para as economias do G7 em 2023. O Reino Unido é o único país do grupo com previsão de recessão (- 0,2%).
Análise da Bloomberg mostra que os britânicos estão perdendo 100 milhões de Libras por ano (R$ 626 bilhões). Empresas tem dificuldade de se adpatar a um cenário em que há muito mais burocracia e menos mão de obra. A União Europeia manda menos trabalhadores e hoje compra menos do Reino Unido, que ainda tem no bloco o principal destino de seus produtos.
A campanha do Brexit se baseou em 2 pontos principais. Destacava uma suposta ameaça representada pelos imigrantes que chegavam ao país. E prometia investir 350 milhões de Libras (R$2,1 bi) por semana no NHS, o sistema público de saúde. Era o montante de dinheiro que, segundo a campanha, o Reino Unido mandava para a sede da UE em Bruxelas semanalmente.
Ironicamente, 3 anos depois, os britânicos sofrem com um problema grave de falta de mão de obra, causada pela ausência de estrangeiros. Há um déficit de 330 mil trabalhadores no momento, segundo levantamento do Centre for European Reform (CER) e UK in a Changing Europe, duas thinktanks que trabalham com o assunto.
Basta dar uma volta por cidades como Londres pra ver a placa de "We are hiring" (Estamos contratando). Restaurantes, hotéis, bares, comércio, construções e agricultura são alguns setores mais atingidos, além da própria saúde pública, onde o déficit apenas de profissionais de enfermagem chega a 50 mil.
Faltam trabalhadores e também falta dinheiro para a Saúde. Aquela bolada que a campanha do Brexit prometeu investir no NHS foi mais uma promessa de campanha que a realidade tratou de colocar na prateleira das mentiras. A Saúde Pública do Reino Unido passa por uma das maiores crises de sua história.
Pra piorar, o próprio conceito de Reino Unido foi colocado à prova. Desde a saída da UE, a Irlanda do Norte, uma das 4 nações do Reino, opera com regras diferentes como se ainda estivesse no bloco econômico. Foi uma necessidade pra que não houvesse uma fronteira com a República da Irlanda, o que poderia contrariar o acordo de paz que deu fim a décadas de conflito naquela região.
O movimento de volta para a União Europeia é uma pauta ainda restrita à sociedade civil, sem grande repercussão nos 2 maiores partidos do país. Pra resolver um problema que só cresce, o Reino Unido poderá ter que cuidar de outra síndrome que costuma afetar empresários e políticos. Chama-se VOA, acrônimo de Vaidade, Orgulho e Arrogância.
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