Observatório do Clima: Lula precisa reverter herança "desastrosa" de Bolsonaro
Secretário executivo diz que primeiros 100 dias do governo são decisivos para resgatar protagonismo
Roseann Kennedy
A presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Cúpula do Clima no Egito (COP-27), a partir desta 3ª feira (15.nov), devolve ao Brasil a possibilidade de ter protagonismo nessa pauta. Mas, para o país reconquistar o respeito da comunidade internacional, os primeiros 100 dias de governo serão decisivos, na avaliação do secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.
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Nesse período, o petista precisará derrubar decretos e portarias da atual gestão, ter rigor nas fiscalizações para combater crimes ambientais e ampliar o compromisso de corte de emissões de gases de efeito estufa e garantir proteção às populações indígenas.
"Se o Brasil quiser retomar o seu espaço nessa agenda ambiental, vai precisar primeiro reverter toda essa herança desastrosa e irresponsável deixada pelo governo Bolsonaro. Na área de meio ambiente, foi uma coleção de números ruins, aumento de desmatamento, aumento das emissões brasileiras. O governo brasileiro chegou a submeter uma nova promessa de clima de corte de emissões do Brasil na ONU, dizendo que o Brasil iria poluir mais. Então, é um absurdo muito grande. Isso comprometeu nossa imagem, a nossa posição, dentro desse cenário internacional e o presidente Lula vai ter muitos desafios", destacou.
Em entrevista ao SBT News, Astrini também avaliou que Lula vai ser cobrado a se posicionar sobre a guerra Rússia-Ucrânia. "Líderes mundiais vão certamente cobrar ou pelo menos querer saber do governo brasileiro qual é seu posicionamento. Essa guerra afeta bastante a agenda de clima também, porque ela foi um dos motivadores do aumento de consumo de combustíveis fósseis", observou. Confira a íntegra da entrevista.
Qual a importância da presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP 27?
A presença do presidente Lula aqui na Conferência do Clima é bastante esperada e muito importante, tanto para a agenda de clima quanto para o Brasil. Para a agenda de clima porque o país é extremamente fundamental em qualquer ambição que a gente tenha de reduzir gases de efeito estufa. Somos o quinto maior emissor desses gases, temos a Amazônia, e o Brasil nos últimos quatro anos deu as costas para essa agenda. E também é importante para a economia do nosso país e para o espaço diplomático que o Brasil ocupa ao redor do mundo. Meio ambiente é uma porta de entrada do nosso país, para acessar mercados internacionais, para melhorar nossa economia, para poder vender produtos como commodities agrícolas brasileiras. E quanto menos a gente faz pelo meio ambiente mais dificuldade a gente tem de acessar esses mercados. A vinda do presidente Lula aqui é para tentar reverter esse quadro negativo que o Brasil mergulhou nos últimos anos.
Além da retomada do protagonismo, há necessidade de um "revogaço" das medidas adotadas no governo Bolsonaro?
Se o Brasil quiser retomar o seu espaço nessa agenda ambiental, vai precisar primeiro reverter toda essa herança desastrosa e irresponsável deixada pelo governo Bolsonaro. Na área de meio ambiente foi uma coleção de números ruins, aumento de desmatamento, aumento das emissões brasileiras. O governo brasileiro chegou a submeter uma nova promessa de clima de corte de emissões do Brasil na ONU, dizendo que o Brasil iria poluir mais. Então, é um absurdo muito grande. Isso comprometeu nossa imagem, a nossa posição, dentro desse cenário internacional e o presidente Lula vai ter muitos desafios. Eu destacaria dois: o primeiro deles é cuidar da situação indígena. As terras indígenas estão sendo invadidas. Essa invasão está gerando ameaças de mortes para essa população, inclusive com aumento de assassinatos que já aconteceram. Então, isso é uma questão urgente. Não é nem meio ambiente, estamos falando da vida dessas pessoas. E também o Brasil precisa retomar a capacidade de combate ao crime ambiental.
Cerca de 90 chefes de estado devem comparecer. O que esperar dos encontros bilaterais com Lula?
O presidente Lula aqui é muito esperado, deve encontrar com vários líderes, tratar de assuntos diversos. Obviamente que os assuntos que envolvem a conferência, como financiamento, ajudas que o Brasil vai precisar para recuperar sua situação ambiental. Mas também outros assuntos, como a guerra na Ucrânia, que líderes mundiais vão certamente cobrar ou pelo menos querer saber do governo brasileiro qual é seu posicionamento. Essa guerra afeta bastante a agenda de clima também, porque ela foi um dos motivadores do aumento de consumo de combustíveis fósseis, e afeta o ambiente interno. O desalinhamento de grandes potências da porta para fora da Conferência contamina as negociações e deixa mais fraca a capacidade de chegar a acordos coletivos.
Apoio de países ricos -- o que é necessário agora?
O presidente Lula vem buscar ajuda de países ricos, já contou com isso no passado. Ele fundou o Fundo Amazônia, criou esse mecanismo que é um mecanismo único de sucesso no mundo. Países como Noruega e Alemanha depositaram bilhões de reais e isso ajudou na queda do desmatamento da Amazônia, foi absolutamente imprescindível. E ele vem buscar esses canais de comunicação de novo. O Brasil vai precisar de recursos para enfrentar o crime ambiental, para recompor sua agenda do meio ambiente, e esses países estão de braços abertos para ajudar o Brasil. O próprio ministro do meio ambiente da Noruega já disse que vai destravar o Fundo Amazônia assim que o novo governo tomar posse. Mas para isso o Brasil também precisa apresentar contrapartidas, precisa apresentar planos robustos, concretos de combate à destruição florestal no Brasil. Precisa melhorar as promessas climáticas nossas, que foram diminuídas pelo governo Bolsonaro. Fazer a proteção das populações indígenas, precisa criar de novo os espaços de participação da sociedade civil. Esses espaços são fundamentais para a chegada desse dinheiro, desses recursos internacionais. A gente espera que isso seja feito logo, nos cem primeiros dias. A sociedade civil brasileira que inclusive muito batalhou contra os retrocessos impostos pelo governo Bolsonaro na agenda do meio ambiente é uma sociedade civil que amadureceu, está unida, forte e pronta para ajudar o Governo a reconstruir o que foi arrasado pelo último governo, nos últimos quatro anos.