"Tenho uma história de vida bem simples", diz filho de brasileiros eleito deputado nos EUA
George Santos é o primeiro filho de migrantes a representar o Distrito 3 de Nova York no Congresso nos Estados Unidos. Com o apoio de 5 mil comerciantes novaiorquinos, ele afirma que segurança pública é prioridade
Patrícia Vasconcellos
Washington DC -- Filho de brasileiros, nascido e criado no Queens, em Nova York, 34 anos de idade. George Santos foi eleito esta semana pelo partido Republicano deputado federal, com 142.017 votos (54%), e vai ocupar a partir de janeiro do próximo ano uma das 435 vagas da Câmara dos Representantes. Seu oponente, Robert Zimmerman, do partido Democrata, somou 120.737 votos (46%). "É uma vitória em vários sentidos: sou o primeiro filho de migrantes a representar no Congresso o terceiro distrito de Nova York, sou o primeiro homem abertamente gay republicano a ser eleito para o Congresso americano", ele disse, em entrevista ao SBT News.
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"Eu tenho uma história de vida bem simples. Eu vim de uma família muito pobre. Quando eu nasci, meus pais moravam num porão, um apartamento de porão que a gente conhece como basement, e foi uma luta de batalha pelo sonho americano. Hoje eu tenho orgulho de ter a realização profissional e com esta realização ter a capacidade de concorrer a um cargo público de tanta importância. A única coisa que me deixa chateado é que minha mãe não está mais aqui comigo para ver isso hoje", contou.
Durante a campanha entre os dois candidatos, foi destaque na imprensa americana o fato de Santos e Zimmerman serem os primeiros homessexuais abertamente declarados a disputar uma vaga na Câmara dos Estados Unidos. "A minha orientação sexual não foi uma grande parte da campanha. Isso é parte de quem eu sou. O que foi parte da campanha são meus méritos. O que me levou a chegar a este ponto da minha carreira, o que me levou a ser candidato qualificado para o Congresso. Eu acredito muito em mérito. Eu, como meu oponente, tínhamos o mérito e as qualificações para ser um deputado federal nos Estados Unidos, participar do Congresso americano. A única coisa que destoa entre a gente é que a nossa política é bem diferente, as nossas opiniões de ordem de lei seriam bem diferentes", disse.
Questionado se a orientação sexual aberta pode ser um fator de dificuldade entre os integrantes republicanos do Congresso de perfil mais conservador, Santos disse: "Eu nunca sofri preconceito por ser gay no partido Republicano. Por incrível que pareça, eu recebi o apoio de vários membros do congresso da parte republicana. Inclusive, 47 deles votaram para solidificar a lei de casamento homossexual nesse país". Ainda afirmou: "De um ponto de experiência gay, republicano, nunca sofri preconceito. Na verdade, meu preconceito sempre foi com os democratas sendo preconceituosos contra mim por ser gay e republicano. Eu sou banido de participar da parada gay de Nova York, eu sou banido de participar de eventos gays em Nova York. Eu não sou convidado ou convocado para fazer parte de listas como 'os gays mais influentes'. Nunca". Relatou que sempre foi acolhido pelo partido que escolheu. "Eu venho com uma diversidade de pensamento que pode ser inspiracional para crianças e adolescentes em casa que pensam: 'ah, eu sou gay. Não penso muito como os democratas, mas não posso ser gay e republicano'. Não, isso é mentira, e eu sou a prova viva disso."
O voto latino
Eles representam um grupo de eleitores que cresce a cada disputa nas urnas. Nessas eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, 34 milhões de latinos -- nascidos no país ou naturalizados -- estavam aptos a votar. Antes do pleito, pesquisas indicavam que a preferência entre a maioria dos hispanos era pelo partido Democrata. "No distrito no qual eu concorri, a população latina é mais ou menos 6% da população."
Questionado o quanto o voto dos latinos influenciou em sua eleição, George Santos disse que acredita que sua vitória se deu porque a campanha foi focada em questões do dia a dia que envolvem menos origem e mais desafios comuns aos nova-iorquinos. "As pessoas onde eu moro vão para Manhattan trabalhar todos os dias. Então são as pessoas que pegam metrô, trem... e a violência no transporte público está fora do controle. A verdade é que estava falando de problemas do dia a dia das pessoas e meu oponente passou a campanha inteira me desmoralizando e fazendo ataques ao meu caráter. Na verdade, eu acho que o eleitorado viu que isso era uma eleição sobre eles e não sobre dois políticos tentando brigar em rivalidade, e quem prevaleceu foi quem estava falando diretamente com o eleitorado." Santos afirma que suas prioridades quando à frente do Congresso serão segurança pública, economia e política e energia fóssil x sustentável.
Migração
Em 2020, Santos concorreu a uma vaga na Câmara dos Representantes, mas não venceu naquele ano. Donald Trump estava na Casa Branca e as falas do ex-presidente sobre o tema tiveram o apoio do candidato agora eleito por Nova York. Questionado sobre vir de uma família de migrantes e ao mesmo tempo defender ações enérgicas em relação a esse grupo, disse: "Eu não sou contra imigração. Eu acho que imigração é uma das maiores oportunidades que este país tem. Este país foi fundado por imigrantes, construído por imigrantes e ele opera com imigrantes. A única diferença que eu tenho é que eu não apoio ninguém que queira chegar nos Estados Unidos e o primeiro ato de envolvimento com o nosso país é de violar a lei da fronteira do sul do nosso país atravessando ilegalmente. Isso é errado, errôneo. O Brasil em si tem leis estritas e operações de imigração muito mais estritas que a nossa".
Candidatos republicanos eleitos sem o apoio de Trump
É consenso que o ex-presidente americano saiu enfraquecido destas eleições legislativas. A onda vermelha, cor que identifica o partido Republicano, não aconteceu e a votação dos candidatos do partido Democrata foi melhor do que o esperado. Eleitores jovens compareceram em massa às urnas para garantir a vitória democrata em estados como a Pensilvânia. Santos fez campanha para Trump na eleição passada, mas não teve a imagem do ex-presidente vinculada à sua campanha. Questionado se candidatos republicanos não apoiados por Trump tiveram desempenho melhor nesta campanha, disse: "Mais ligado do que eu à imagem dele, impossível. Eu fui delegado dele em 2020. Eu fui uma pessoa que ajudou ele a arrecadar fundos. Eu ajudei a arrecadar quase US$ 5 milhões para ele nas duas últimas eleições". Novamente questionado sobre, apesar disso, a imagem do ex-presidente não ter sido vinculada à campanha, respondeu: "Minha campanha não esteve vinculada à imagem dele porque eu não preciso do aval de ninguém para fazer nada da minha vida. Eu penso assim: eu sou uma pessoa independente, eu tenho a minha posição e, apesar de eu apoiar outros políticos, eu não preciso do aval, da benção de ninguém para concorrer a um cargo público. Eu fiz isso sozinho, com o apoio do partido, o partido local me deu total apoio, mas eu não busquei procurar apoio de políticos ou imagens como meu oponente que teve a primeira dama, a Hillary Clinton... Eu procurei ter o aval das pessoas" e acrescentou: "A melhor forma pela qual minha imagem foi associada foram as 182 unidades de polícia que me apoiaram e os mais de 5 mil comerciantes".
Comitê que investiga a invasão do Capitólio
Os legisladores que formam o comitê que investiga a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 esperam redigir um relatório final até o fim deste ano. Ao longo de várias audiências públicas, o Comitê ouviu testemunhas e exibiu provas -- muitas em vídeos -- que demonstram, segundo os integrantes do grupo, responsabilidade do ex-presidente americano pelo ataque. Trump discursou em frente à Casa Branca naquele dia e as horas de espera antes que ele se pronunciasse publicamente pedindo para que os invasores fossem para casa foram indicação, segundo o comitê, de cumplicidade.
Na última audiência, documentos exibidos de rascunhos de discursos de Donald Trump indicavam que o republicano planejava não aceitar o resultado das urnas, caso a vitória não fosse favorável a ele.
Com a apuração dos votos para a Câmara dos Representantes ainda em andamento -- a votação nos Estados Unidos é manual --, ainda não há uma definição sobre qual partido terá maioria na Casa. A tendência é que seja do partido Republicano. Questionado sobre como o trabalho do comitê ficará no próximo ano em caso de maioria republicana na Câmara dos Representantes, Santos disse: "Vai continuar um comitê, pelo o que eu entendo, mas ele vai ser feito de forma constitucional. Porque o comitê atual foi feito de forma partidária, onde a líder democrata não deu ao líder dos republicanos a discrição de selecionar os republicanos. Ela selecionou a dedo dois republicanos e oito democratas, o que não é um balanço para um comitê constitucional". Santos entende que os depoimentos apresentados até hoje seguirão no relatório, mas o comitê, em caso de maioria republicana na Casa, irá trocar a liderança do grupo com representação dos dois partidos.
Sobre o ocorrido em 6 de janeiro do ano passado, Santos disse que estava na Casa Branca, que em nenhum momento esteve nas proximidades do Capitólio, e que condena a ação dos invasores.
"Eu fui uma das primeiras figuras públicas do partido republicano a ir no Twitter e dizer: foi um dia escuro, triste e que a gente precisava de muito tempo para cicatrizar esta ferida horrorosa que se formou no nosso país. Agora, eu não posso culpar uma pessoa pelas ações de centenas, senão milhares de pessoas. Eu não posso dizer que um homem é responsável pela responsabilidade individual de centenas de pessoas que decidiram cometer crimes e violar o Capitólio dos Estados Unidos. Eu sou veementemente crítico sobre o que estas pessoas fizeram, eu acho que protesto é protesto, violência é violência. O que aconteceu no dia 6 de janeiro foi violento. Eu condeno essas ações, eu não apoio essas ações e eu sempre deixei isso bem claro."
Donald Trump foi intimado a depor, de forma presencial ou virtual perante o Comitê do Congresso americano, no dia 14 de novembro, próxima 2ª feira. Sobre o ex-presidente ter responsabilidade sobre a invasão da sede do Legislativo, afirmou: "O presidente estava energizado naquele dia, deu uma palestra energizante, mas eu nunca interpretei ela de forma violenta ou na qual ele demandou o público cometer crimes ou violência. Agora, se ele vai vir depor em DC, isso fica entre ele, Deus e o Comitê. Eu não posso falar por ele, não sou representante dele, mas eu espero que ele e o comitê façam a coisa certa e cheguem a uma conclusão, porque o povo americano não só merece como tem a necessidade de conclusão, de desfecho desta história".