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Morte do príncipe deixa em evidência crise de identidade do Reino Unido

Falecimento de Philip também expôs a dependência da monarquia à figura de Elizabeth II

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Rainha Elizabeth II | divulgação Família Real Britânica
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A morte do príncipe Philip colocou o Reino Unido no maior momento de consternação desde a morte da princesa Diana, em 1997 e também expôs a profunda dependência da monarquia à figura de Elizabeth II. Em setembro, ela completa 69 anos à frente do trono britânico. É o reinado mais longo da história.

Além do pesar pela morte do duque de Edimburgo, o que move muitos britânicos desde a sexta-feira é um sentimento de solidariedade com a monarca. "Eu vim aqui pra apoiar a nossa Rainha", disse Nora, uma das muitas que foram deixar flores em frente ao Palácio de Buckingham.

A desolação gerada pela morte do príncipe de 99 anos é um sinal do que o país enfrentará quando os britânicos tiverem que se despedir da figura mais importante da família.

A Rainha Elizabeth II é a personagem mais popular da monarquia. 40% dos britânicos a apontam como sua figura favorita da realeza, segundo pesquisa realizada em março pelo Instituto Ipsos Mori.

Príncipe Philip aparece em sétimo, com 15%. A pergunta feita ao público foi "entre os seguintes integrantes da Família Real, qual você gosta mais?".

O Príncipe Charles, primeiro na linha sucessão, aparece com 11%, em nono lugar. O filho dele, o príncipe William, segundo na linha sucessória, é o segundo mais popular, com 28%, um ponto percentual à frente de sua esposa, Kate Middleton, a duquesa de Cambrige, que aparece em terceiro. O príncipe Harry é o quarto mais popular. É o preferido de 25% dos entrevistados.

Harry em Londres

O Duque de Sussex chegou a Londres na madrugada passada. O funeral do avô marcará o encontro do príncipe com o restante da família depois da polêmica entrevista que ele e a esposa, Meghan Markle, deram à apresentadora Oprah Winfrey, a quem revelaram comentários racistas de integrantes da monarquia.

Meghan Markle ficou na mansão do casal, na Califórnia. A viagem da duquesa de Sussex foi desaconselhada por seus médicos, por conta da sua segunda gravidez.

Como vem dos Estados Unidos, Harry tem que ficar isolado por, pelo menos, dez dias. Mas poderá ser liberado no quinto dia, se apresentar um exame negativo para o novo coronavírus. De qualquer maneira, o príncipe será liberado para o funeral do avô "por motivos humanitários", exceção prevista nas regras em vigor no Reino Unido.

Em entrevista à BBC, Sir John Major, ex-primeiro-ministro britânico, disse que o momento é "a oportunidade ideal" para uma reaproximação de Harry com o pai e o irmão. O príncipe não visita a família desde março do ano passado, quando deixou as funções na Família Real e se mudou para o Canadá, antes de se realocar para os Estados Unidos.

Um enorme vazio

A Rainha Elizabeth II disse que a morte do marido, o Príncipe Philip, deixou "um enorme vazio" na vida dela. A monarca e o duque de Edimburgo estavam casados havia 73 anos.

A declaração da Rainha foi revelada pelo terceiro dos quatro filhos do casal, príncipe Andrew, afastado de suas funções desde o ano passado, depois das denúncias de que ele estaria envolvido com uma rede de exploração sexual de menores. Segundo ele, a mãe descreveu a morte do seu pai como "um milagre", em referência ao fato de que de que ele morreu em casa, "de forma pacífica" e não em um hospital, longe da família, por conta das atuais restrições.

Philip tinha ficado um mês internado e, recentemente, passou por uma cirurgia cardíaca. As causas da morte não foram reveladas.

O príncipe Charles disse que "meu querido pai era uma pessoa muito especial, que ficaria muito feliz com a reação e com as coisas comoventes que tem sido ditas sobre ele e, por isso, nós, minha família, estamos profundamente agradecidos por tudo".

"Meu avô era um homem extraordinário e parte de uma geração extraordinária", disse hoje o Príncipe William. O príncipe Harry e sua esposa, Meghan Markle, colocaram uma mensagem no site deles, na internet. "Obrigado por seus serviços. Sua ausência será profundamente sentida".

Como chefe de Estado, a Rainha concordou com a proposta do primeiro-ministro pra que o Reino Unido permaneça em luto nacional até o próximo sábado (17.abr), quando será realizado o funeral.

Todas as bandeiras em prédios do governo e da Realeza estão a meio mastro. Até sábado (17.abr), os principais políticos do país não farão pronunciamentos à imprensa. Apenas questões urgentes, relacionadas à pandemia, serão comunicadas ao público.

Hoje, o parlamento recomeçou seus trabalhos com todos os parlamentares em trajes de luto, inclusive em muitas das máscaras.

Funeral

Por ser marido da Rainha, o príncipe Philip tem direito a funeral de chefe de Estado. Mas a crise sanitária e o desejo expresso previamente pelo próprio duque de Edimburgo por uma cerimônia "sem exageros" pesaram na decisão por um evento limitado à família.

O corpo dele não será exposto ao público. Ficará em uma capela privada do Palácio de Windsor até o próximo sábado. Mas quando se trata da monarquia britânica, nada é muito simples.

O caixão será coberto com as bandeiras que fazem referência à sua vida, como a origem grega e dinamarquesa e o castelo de Edimburgo, que representa o seu título de Duque de Edimburgo. Também estarão sobre seu corpo o quepe da marinha usado durante sua vida militar, assim como a espada que usava em solenidades.

No sábado, pouco antes das 3 da tarde, haverá uma procissão entre a capela privada e outra capela, também dentro do Palácio de Windsor, dedicada a São Jorge. O caixão será levado em uma land rover adaptada. O próprio duque, segundo a BBC, ajudou na adaptação.

Por conta das restrições em vigor no Reino Unido, apenas 30 pessoas poderão estar dentro da capela, onde o corpo do duque será enterrado. É esperado que todos usem máscaras e mantenham uma distância de segurança.

O governo e a monarquia estão desencorajando o comparecimento do público. Mas não está claro se a polícia vai agir para dispersar aqueles que não seguirem essa orientação, como fez em outras ocasiões. A cerimônia será transmitida ao vivo pela TV.

Menos audiências, mais reclamações

Logo após a morte do príncipe Philip, a BBC, emissora pública do Reino Unido, interrompeu toda a sua programação para transmitir tributos ao marido da Rainha Elizabeth. Além de reportagens longas, previamente preparadas, a TV fez entrevistas ao vivo com dezenas de personalidades e integrantes do público simpáticos à monarquia.

Houve tantas reclamações que a emissora criou um formulário específico em seu site para considerações dos seus telespectadores sobre a cobertura. Hoje, o formulário foi retirado do ar depois de "ter atingido um pico", reportou o jornal The Guardian. A BBC não revelou quantas reclamações recebeu.

A audiência da BBC 1, principal canal da emissora britânica, teve uma queda de 6% na última sexta-feira. A BBC 2, que teve a programação interrompida e dedicada às homenagens, perdeu dois terços de seus telespectadores. A ITV, segunda emissora mais vista do país e que também dedicou boa parte da programação à morte do duque de Edimburgo, teve o mesmo problema.  


Identidade

Na porta do Palácio de Buckingham, três estudantes do ensino médio acompanhavam com curiosidade a movimentação de fãs da monarquia e jornalistas.

"Eu realmente não ligo muito, mas eles trazem muitos turistas. É importante para o país", disse Pierre, de 17 anos. Jamie, de 18 anos, admitiu que tristeza não era o sentimento que o movia. "Pessoalmente, não estou triste, mas entendo que as pessoas mais próximas dele estejam".

Muitos na geração deles veem a monarquia com menos devoção e mais pragmatismo. 41% dos britânicos consideram que o Reino Unido ficaria pior sem a família real. 19% defendem que a monarquia seja abolida. 31% são indiferentes.

Escócia

Indiferentes e contrários somam metade dos britânicos, segundo a pesquisa do Ipsos Mori. A monarquia não é o único componente da crise de identidade do Reino Unido. A própria existência de um Reino, dividido em quatro nações, nunca foi tão questionada.

Na Escócia, políticos pró-independência deverão dominar o parlamento local após as eleições do próximo dia 6 de maio. O principal objetivo do governo eleito pelos escoceses será a realização de um novo plebiscito, que poderá decidir pela saída do Reino Unido.

O primeiro-ministro Boris Johnson, cujo governo tem que autorizar a votação, é contra. Escoceses querem usar uma possível vitória com grande margem dos partidos independentistas como um trunfo político para a votação.

O SNP (Partido Nacional da Escócia), tem 66% das intenções de voto. O país continua muito dividido em relação à separação do Reino Unido. Entre sete institutos de pesquisa que monitoram o humor dos escoceses, 3 apontam vitória do sim à independência em um possível plebiscito. Em todos os cenários, há empate técnico. A maior diferença é de 3 pontos percentuais.

Irlanda do Norte

O norte da ilha da Irlanda, único território fora da ilha da Grã Bretanha que faz parte do Reino Unido, também vive os momentos mais conturbados das últimas décadas, marcadas por uma disputa intensa entre republicanos, favoráveis à união com a República da Irlanda (único país da União Europeia com quem o Reino Unido tem fronteira terrestre) e unionistas, fiéis à coroa britânica.

Ao contrário do que defendeu o governo Boris Johnson, os norte-irlandeses passaram a ter um tratamento diferenciado do restante do reino após o Brexit. As barreiras comerciais que passaram a existir entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte criaram insatisfação principalmente na comunidade protestante, defensora da união com os britânicos.

Desde o fim de março, há conflitos entre a polícia e grupos compostos majoritariamente por unionistas, que se consideram traídos pelo governo central. Dezenas de policiais foram feridos. É a maior crise na região desde a assinatura do acordo de paz, que pôs fim a décadas de guerra civil e fez 23 anos no último sábado.

Muitos dos envolvidos na onda de violência são jovens e adolescentes, que também tem outros motivos de insatisfação. Analistas britânicos, no entanto, apontam o Brexit como o pano de fundo para a elevação de uma tensão que nunca deixou de existir.

União

O governo britânico usa o momento de luto como uma oportunidade histórica para colocar o Reino Unido acima dos seus problemas políticos e pra costurar uma unidade cada vez mais difícil, ainda que tenha um trunfo importante nas mãos.

O país tem uma das campanhas de vacinação mais bem sucedidas do planeta e vive, a partir de hoje, mais uma fase do processo de reabertura, com bares, restaurantes e o comércio não essencial voltando a funcionar depois de mais de 3 meses de portas fechadas.

Os sinais, porém, são de que o mundo pós-pandemia trará enormes desafios para a unidade e a identidade do Reino Unido. Embora haja sinais de respeito vindos de todos os lados, até mesmo dos republicanos da Irlanda do Norte, a morte do príncipe Philip deixou em evidência uma daquelas ironias históricas, em que a exaltação de uma unidade frágil pode, mais tarde, ajudar a aprofundar as diferenças. Primeiro, do Reino Unido. Mais tarde, da própria monarquia.
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